Nunca foi tão atual ser comunista. A direita já sabe disso e, por isso mesmo, mobiliza todos seus esforços contra as organizações políticas do trabalho para garantir que o futuro seja um não-futuro, ou seja, eterna inumanidade
Por Fabio Dias*
É de amplo conhecimento que desde as jornadas de junho de 2013, a direita fascista do Brasil tem levado adiante uma vigorosa e insistente propaganda anticomunista para o conjunto da classe trabalhadora.
Em um primeiro momento, essa campanha aguerrida parecia um tanto estranha aos setores reformistas da esquerda. Afinal, receber uma avalanche de mensagens nas redes sociais com palavras de ordem afirmando a necessidade do combate político e ideológico contra o avanço do comunismo no país parecia algo delirante, ainda mais quando se tinha em mente a parca presença do marxismo nas universidades brasileiras e o colapso das experiências ditas socialistas do século XX.
Tal como é comum em crises psicóticas agudas o doente se auto-identificar com personagens históricos do passado, segundo o olhar da esquerda reformista esse feroz ataque ao comunismo parecia resultado de um sério transtorno psiquiátrico da direita já que, em um mundo onde o capitalismo (aparentemente) triunfara, resgatar o passado sepultado pelo fim da guerra fria seria um verdadeiro disparate.
O que esse pretenso olhar sóbrio do reformismo sobre a conjuntura atual desconhecia era exatamente aquilo que ele pretensamente dizia dominar: a história. Ao olhar pasmo para seus pares quando a direita fascista, em pleno início do século XXI, conclamava insistentemente as massas a lutar contra o comunismo, o reformismo brasileiro – representado pelo PT, PSOL, PCdoB, PDT e consortes – demonstrava peremptoriamente que seu ponto de vista sobre o tempo presente e sua perspectiva de futuro eram na verdade uma colossal embriaguez.
Se teve uma grande lição dada por Istvan Mészáros foi a tentativa de reeducar a esquerda para o seguinte fato: o século XX deu provas cabais de que o capital é uma força incontrolável que a tudo procura controlar. Levando a sério e retirando as conclusões mais radicais do conjunto da obra de Marx, Mészáros não se rendeu ao modismo althusseriano que procurava estabelecer um corte epistemológico entre o jovem e velho Marx. Longe disso, Mészáros compreendeu acertadamente que a teoria da alienação em Marx – atualmente traduzida no Brasil pela palavra “estranhamento” [Entfremdung] – é parte constitutiva e nuclear de sua crítica ao capital. Ao compreender isso e outras lições de crítica da economia política, o pensador húngaro pôde entender que a crise que se desenrola a partir da década de 1960 é estrutural e destrutiva, ou seja, nos coloca diante da impossibilidade de pensar uma saída para a barbárie que nos assola dentro dos marcos da ordem burguesa (ou de qualquer outra forma de sociedade de classes).
Em suma, é impossível humanizar o capitalismo! Dentro dos marcos de seu sociometabolismo, o capital não pode se submeter a qualquer tentativa de controle autodeterminado da sociedade porque ele é a síntese acabada da alienação da vida efetiva.
Por isso, diante da crise estrutural do capital, a intelligentsia fascista do nosso século sabe muito bem que o capitalismo em sua fase decadente só pode sobreviver por meio do aprofundamento da barbárie.
O fato de ter surgido no Brasil todo um movimento a partir de junho de 2013 que berra histericamente contra o comunismo não é casual. A existência de organizações como MBL, Vem pra rua, Instituto Mises, Instituto Brasil 200 etc constitui parte desse processo de bestialização das massas – esse modo de ser que foi fundamental para se criar uma base de apoio a Bolsonaro e qualquer outra anomalia vociferante que venha a se tornar poder – e indica que estamos diante da fase derradeira do poder do capital. Afinal, a adoção da propaganda anticomunista pelas organizações fascistas encontra na defesa do ultra-neoliberalismo e outras possíveis práticas destrutivas da natureza e do gênero humano seu leitmotiv. Sendo assim, o ataque frontal ao comunismo promovido pelo fascismo em nossa época demonstra cabalmente que estamos diante do momento em que o capital adquiriu plena autoconsciência do que ele de fato é.
Isso tudo significa que, neste início de século XXI, vivenciamos um momento histórico ímpar. O anticomunismo dos fascistas de nosso tempo, ao contrário daquele anticomunismo dos fascistas do século passado, encontra sua existência na apologia aberta e desavergonhada deste modo de vida social embasado na autoalienação humana e, mais do que isso, tal apologia não procura resgatar um pretenso ideal de homem harmonioso, mais elevado do que o de outrora, como Mussolini e Hitler diziam defender, mas antes o atual fascismo faz elogio ao horror, à destruição, enfim, à barbárie. Nesse sentido, entende-se que o fascismo do nosso século é anticomunista não porque ainda encontra alguma ilusão a respeito das capacidades civilizatórias do capital, mas sim porque adquiriu a verdadeira consciência de que a existência do capital só é viável por meio de um projeto abertamente inumano de sociedade.
A direita hoje, por conseguinte, tende a se tornar fascista e necessariamente anticomunista não por questões meramente conjunturais (como é o caso da disputa eleitoral), mas por motivações estruturais. Como o capital não comporta mais qualquer tipo de reforma estrutural que implique em progresso para o conjunto da humanidade, cabe à burguesia, aos seus aliados de classe e à sua estrutura político-ideológica, levar a cabo o projeto de estagnação do tempo histórico. Disso se segue que o insistente ataque ao comunismo perpetrado pela direita fascista tem uma missão histórica para o capital: inviabilizar qualquer projeto de futuro realmente possível para a humanidade.
Se existe alguma loucura na direita, aqui a encontramos. Para ela, o futuro só pode existir como não-futuro, ou seja, como repetição ou aprofundamento da inumanidade do momento presente. Definitivamente não estamos diante do clássico caso de delírio, mas de neurose. Todas as palavras de ordem contra o comunismo propagadas pelo fascismo brasileiro na verdade não são falsas, mas extremamente realistas dentro de uma acepção muito particular. Não se trata de um realismo calcado na luta imediata do fascismo contra um movimento comunista já existente, mas sim na luta imediata deste mesmo fascismo contra um movimento comunista que tem a mais plena condição objetiva de se desenvolver e ser bem sucedido em seus propósitos de superação da ordem sociometabólica do capital.
Em síntese, nunca foi tão atual ser comunista. A direita já sabe disso e, por isso mesmo, mobiliza todos seus esforços contra as organizações políticas do trabalho para garantir que o futuro seja um não-futuro, ou seja, eterna inumanidade. Agora, cabe à esquerda consequente e comprometida com o conjunto da humanidade tomar tal autoconsciência e fazer do pesadelo do fascismo o sonho para o gênero humano.
Viva a sociedade do futuro! Viva o comunismo!
*Fabio Dias é professor de Sociologia do Instituto Federal Catarinense