Ainda a solução dos dois Estados

Imagem: Fidan Nazim qizi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JOSÉ LEON CROCHIK*

Parece haver juízos consolidados e enlouquecidos de todos os lados; sua negação: a superação do conflito, com a pacificação das relações, que é o negativo do conflito, ainda não se apresentou

O terror assombrou Israel no dia 7 de outubro: assassinatos generalizados, corpos mutilados, queimados; denúncias de estupros; humilhação das mulheres; pessoas sequestradas. Como era de se esperar a resposta não tardou e veio forte. O inesperado horror gerando o horror esperado.

Nas frases e nos atos do Hamas e de seus apoiadores: desterro dos judeus; nos ataques descomunais do exército israelense: milhares de civis – mulheres, crianças, idosos – massacrados.

Que há israelenses, também no governo, que tenham intenções genocidas, difícil de duvidar. Todos os israelenses desejam isso? Só uma percepção alterada da realidade para afirmar isso. Afirmar que todos os palestinos desejam a morte dos judeus, também só pode ser obra de deturpação da realidade.

Nesses casos, perde-se a diferenciação que todos os povos têm internamente, o que retira a possibilidade de compreender o que ocorre. Junte-se a isso, os interesses dos dirigentes envolvidos dos dois lados de permanecerem no poder. Não parece que o Hamas represente todos os palestinos da Faixa de Gaza; esse também é o caso em Israel.

Não bastasse os diretamente envolvidos no conflito, há os que têm interesses de domínio regional e outros no domínio global, na nova composição de blocos que está se formando; há o interesse da indústria bélica; há o interesse dos abutres que esperam o conflito terminar para voar e comer a carniça que restar.

Nos que estão longe do conflito e não estão direta ou indiretamente envolvidos, em vez de tentarem soluções para sua resolução, agem como torcidas fanáticas de times de futebol, com a diferença que seu ódio punitivo agora pode ser realizado com a satisfação do desejo da morte dos outros, considerados como não-humanos; nisso, não é de menor importância o crescimento do antissemitismo e da islamofobia.

E a solução de dois Estados, cujas populações possam viver seguras, com o devido reconhecimento do direito à existência de ambos? É retaliada de todos os lados com razões milenares ou seculares.

O nacionalismo exacerbado deve ser enfrentado. A ideia da terra como posse universal deve se realizar, mas se há limites para isso neste momento, pode-se empreender esforços para a convivência entre duas culturas milenares que muito contribuíram e continuarão a contribuir para todos.

Max Horkheimer e Theodor Adorno escreveram: “O verdadeiro tresloucar (das Verrückte) consiste na impossibilidade de se deslocar (Unverrübarkeit), na incapacidade do pensamento de atingir essa negatividade, em que consiste, diferentemente do juízo consolidado, o verdadeiro pensamento”.[1]

Parece haver juízos consolidados e enlouquecidos de todos os lados; sua negação: a superação do conflito, com a pacificação das relações, que é o negativo do conflito, ainda não se apresentou. Onde está o “verdadeiro pensamento”, o que busca a pacificação, na qual não haja derrotados? Não se deve retornar ao ponto inicial deste embate, e, sim, voltar à negociação dos dois Estados.

*José Leon Crochik é professor titular aposentado do Instituto de Psicologia da USP e professor visitante da Unifesp. Autor, entre outros livros, de Teoria crítica da sociedade e psicologia. Alguns ensaios (Junqueira e Marin). [https://amzn.to/47xsPud]

Nota


[1] Horkheimer, M. & Adorno, T.W, Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed,. 1985, p. 181.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Hans Kelsen e o eros platônicoplatão 16/10/2024 Por ARI MARCELO SOLON & LEONARDO PASSINATO E SILVA: Para Kelsen, a doutrina política platônica está calcada na homossexualidade do filósofo, circunstância que explicaria uma tendência totalitária do projeto filosófico platônico
  • Genocídio sem hesitaçãoemaranhado 17/10/2024 Por ARUNDHATI ROY: Discurso de aceitação do prêmio PEN Pinter 2024, proferido na noite de 10 de outubro de 2024
  • A longa marcha da esquerda brasileiravermelho 371 19/10/2024 Por VALERIO ARCARY: Nos dois extremos estão avaliações de que ou a esquerda “morreu”, ou que ela permanece “intacta”, mas ambos, paradoxalmente, subestimam, por razões diferentes, o perigo bolsonarista
  • Influencer na Universidade públicapexels-mccutcheon-1212407 21/10/2024 Por JOHN KENNEDY FERREIRA: Considerações sobre a performance na Universidade Federal do Maranhão.
  • Forma-livreLuizito 2 20/10/2024 Por LUIZ RENATO MARTINS: O modo brasileiro de abstração ou mal-estar na história
  • Não existe alternativa?lâmpadas 23/06/2023 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
  • Armando de Freitas Filho (1940-2024)armando de freitas filho 27/09/2024 Por MARCOS SISCAR: Em homenagem ao poeta falecido ontem, republicamos a resenha do seu livro “Lar,”
  • A tragédia sem farsaestátua 17/10/2024 Por BARUC CARVALHO MARTINS: Breves comentários sobre a derrota da esquerda na eleição municipal
  • Van Gogh, o pintor que amava as letrasfig1samuel 12/10/2024 Por SAMUEL KILSZTAJN: Van Gogh costumava descrever literalmente seus quadros em detalhes, abusando de adjetivar as cores, tanto antes de pintá-los como depois de prontos
  • O belicismo de Sir Keir Starmer, o trabalhistabélico uk 18/10/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Sir Keir Starmer já conseguiu superar o chanceler alemão Olaf Scholz como a liderança mais belicista dentro da Europa, em relação à escalada da Guerra na Ucrânia

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES