Por HERALDO CAMPOS*
Atividades que devem ser consideradas essenciais para a restauração de um aquífero contaminado e os custos envolvidos
A água é um direito da população e os governos têm que garantir que nenhum cidadão fique à margem desse bem público. Os mecanismos de fiscalização, controle e atuação do poder público, quando são frágeis nestes serviços essenciais, possibilitam que determinados lobbies, no afã do lucro e da água arrasada, atuem com desenvoltura nesse setor essencial para a vida, muitas vezes barrando qualquer atitude técnico-científica contrária aos interesses corporativos.
Os aquíferos, ou reservatórios de águas subterrâneas, têm importância fundamental para a sobrevivência dos seres vivos e constituem cerca de 95% da água doce disponível no Planeta Terra, sendo que apenas 5% formam os rios, os lagos e as represas.
Historicamente, quando um aquífero é contaminado pela ação humana, dificilmente os responsáveis acabam recebendo o cálculo do valor ou o custo pelo dano causado.
No caso brasileiro, pela política ambiental predadora desse governo federal de plantão, tomando como referência o desmonte do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o efeito dominó que essa política pode causar nos órgãos ambientais estaduais pode ser devastador e comprometer o processo de gestão dos aquíferos contaminados e as suas respectivas restaurações.
Nesse ponto, nunca é demais lembrar que o caminho das águas na crosta terrestre é bastante complexo. Por causa da energia solar uma molécula de água, por um número infinitamente grande de estímulos, pode ser evaporada do oceano e a ele retornar precipitada pelas chuvas. Pode, também, cair sobre os continentes infiltrando-se solo abaixo, ser absorvida pelas plantas ou retornar indiretamente aos mares pelos rios e ribeirões. Pode se acumular no subsolo e constituir os aquíferos ou os reservatórios de águas subterrâneas.
As águas de recarga dos reservatórios subterrâneos são provenientes das precipitações ou dos corpos d’água superficiais ou, ainda, de outros aquíferos com os quais mantenham conexão hidráulica. Assim, o fluxo das águas subterrâneas é governado pelas características físicas do meio, composto por solos e rochas e, na maioria das vezes, não respeita as divisões políticas dos municípios, estados e países.
A contaminação dos solos e das águas por elementos, compostos ou organismos que possam prejudicar a saúde do homem ou de animais, pode ocorrer tanto no meio urbano ou rural e é uma das grandes preocupações do mundo moderno. Quando a contaminação não tem a origem natural, sendo provocada por constituintes dissolvidos de minerais constituintes das rochas e dos solos, a contaminação pode ser proveniente de atividades humanas e acaba atingindo os mananciais superficiais e subterrâneos.
Desse modo, a restauração de um aquífero contaminado ou de uma porção dele, que seria a integral e a completa reparação da área contaminada, deve ser entendida quando as águas subterrâneas voltarem a apresentar os mesmos parâmetros de qualidade química natural do meio aquífero e não contendo contaminações de origem antrópica, decorrentes de uma progressiva deterioração desse meio aquífero.
Nessa linha de raciocínio, a restauração de um aquífero precisa acontecer no mesmo cenário, por exemplo, da restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada, conforme consta na Lei Federal 9.985/00, artigo 2º, inciso XIV, que trata de uma espécie de reparação in natura e in situ e da sua recuperação, na busca de voltar o mais próximo possível para a sua condição original.
No entanto, para que ocorra a restauração, um dos pontos chave na questão da valoração do dano de um aquífero contaminado ou de uma porção dele, diz respeito à dominialidade das águas subterrâneas. As águas subterrâneas localizadas nos aquíferos não são uma extensão da superfície do solo e, portanto, esses reservatórios não pertencem aos proprietários das terras ou aos superficiários.
Por isso, para que a valoração do dano ambiental de aquífero contaminado seja eficaz devem ser contabilizados, por exemplo, os custos com estudos hidrogeológicos e hidrogeoquímicos, complementados com sondagens, geofísica, amostragens e análises de água, visando o monitoramento da contaminação e reunindo dados científicos para a modelação conceitual e matemática, durante o processo de gestão e de restauração do reservatório subterrâneo.
Além disso, devem ser incluídos, também, os custos da “perda” temporária do uso do aquífero ou de uma porção dele, onde estariam contabilizados os custos com os possíveis poços que poderiam ter sido construídos como fontes de abastecimento, acrescido de uma indenização por causa do dano ambiental causado pelo comprometimento dos serviços ecossistêmicos.
Nesse contexto apresentado, ressalta-se que as águas subterrâneas são consideradas bens de domínio público dos Estados da Federação por força do Artigo 26, Inciso I, da Constituição Federal e compete aos Estados a sua gestão.
Para concluir, o presente artigo que procurou mostrar as atividades que devem ser consideradas essenciais para a restauração de um aquífero contaminado e os custos envolvidos, chama a atenção para a frase do escritor João Guimarães Rosa, cada dia que passa mais atual: “A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba”.
*Heraldo Campos é doutor em ciências pelo Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).