As fábulas e os humanos

Imagem: Giallo
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

As fábulas dão ensinamentos a homens e mulheres que não deveríamos subestimar

Animais inteligentes e falantes ensinam aos animais humanos como devemos nos comportar em diferentes situações ao longo da vida. As fábulas escritas sobre eles são narrativas curtas seguidas de uma moral existente desde a Antiguidade grega.

Por exemplo, Esopo contou: um cavalo luxuosamente adornado com seda e ouro encontrou um burro carregado no caminho e, cheio de arrogância, pediu-lhe para se desviar e ceder o caminho. O pobre burro ficou em silêncio e suportou a ofensa.

Alguns dias depois, o cavalo machucou a pata e começou a mancar. Seu dono retirou seus arreios valiosos e colocou uma sela nele para ser usada como animal de carga. O burro encontrou o cavalo carregando esterco e disse-lhe: “Onde está sua arrogância agora? Por qual razão não me pede para me desviar, como fazia antes?”

A moral social é: ninguém deve desprezar os menos favorecidos só porque está bem alimentado, bem-vestido ou tem honras e privilégios. As fortunas e posições podem mudar – e o orgulho passado só serve para trazer vergonha e insulto no presente.

Uma questão do nosso tempo – ascensão do neofascismo da extrema-direita armamentista – pode ser ilustrada pela fábula de O lobo e o cordeiro.

Em um córrego, um lobo estava bebendo água quando um cordeiro chegou mais abaixo e começou a beber também. O lobo olhou com olhos sanguinários e mostrou os dentes, dizendo: “Como ousas roubar a água onde bebemos?”.

O cordeiro respondeu humildemente: “Eu estou abaixo de onde você bebe, não poderia sujar a sua água.” O lobo, ainda mais furioso, continuou: “Por que você está insultando a minha inteligência como fazia também seu pai há anos?”

O cordeiro respondeu: “Há um engano, eu nasci apenas três meses atrás, então, eu ainda não existia e não tenho culpa do dito pelo meu pai.” O lobo retrucou: “Você é culpado pelo estrago feito ao pastar no meu campo.”

O cordeiro disse: “Isso não é possível, pois ainda não tenho dentes.” Sem mais argumentos, o lobo pulou sobre o cordeiro e o devorou.

A seguinte moral é deduzida. Quem está disposto a usar a força física e machucar o outro, não responde a nenhum tipo de lógica ou argumentação, senão à força oposta.

Aprendemos também com outra fábula, O vento e o sol: “a simpatia é um sinal de força. Com agressividade nunca conseguimos persuadir outra pessoa”.

O Vento e o Sol estavam discutindo sobre qual deles era o mais forte, quando um caminhante apareceu usando um casaco quente. Eles concordaram de maneira amistosa: quem conseguisse fazer o viajante tirar o manto seria considerado o mais forte. Depois do teste, sem dúvida, o Vento admitiu com simpatia o Sol ser mais forte…

A famosa fábula O leão e o rato, com a retribuição de um favor deste animalzinho àquele animalzão, ensina: “ninguém deve ser subestimado e todos os atos de gentileza são importantes”.

Na realidade, quando estamos em situações de sufoco, precisamos usar a imaginação e encontrar um jeito de resolver o problema. Foi o caso de O corvo e o jarro. O pássaro sedento encontrou um jarro com um pouco de água, mas seu bico era muito curto.

Ele decidiu pegar pedras e, uma por uma, colocou-as dentro do jarro. Ao fazer isso, o nível da água subiu e, finalmente, ficou ao alcance do seu bico. Assim, ele conseguiu saciar sua sede e salvar sua vida.

A fábula O galo e a pérola narra: ele, ao ciscar no terreiro, acabou encontrando uma pérola preciosa. Então, disse-lhe: – “Linda e preciosa pedra, reluzente seja com o sol, seja com a lua, ainda estando em um lugar sujo, se te encontrasse um humano, ele te aprisionaria em uma joia, mas a mim você nada presta, pois é mais importante uma migalha, um verme ou um grão para me servir de sustento”. Dito isto, ele a deixou e seguiu ciscando em busca de algum alimento.

Portanto, a moral é o valor das coisas ser subjetivo. Algo para alguns muito importante e valioso, para outros pode ser completamente inútil!

A corrida desenfreada por status social com base na aparência instagramável, caso seja bem-sucedida, muitas vezes leva apenas ao esnobismo. Este é o comportamento típico de quem despreza o convívio com quem é humilde, geralmente, copiando os costumes daqueles considerados da “alta sociedade” por possuírem riqueza ou da “alta cultura” por terem prestígio social. Este sentimento de superioridade, diante os demais, busca superar, inadequadamente, algum atávico complexo de inferioridade.

O cão e a máscara mostra a sabedoria. Procurando um osso para roer, um cão encontrou uma bela máscara. O cão a farejou e, reconhecendo-a, desviou-se com desdém. – “A face é bonita, mas não tem miolo…”

Assim como a máscara, muitas pessoas têm beleza, mas parecem ser vazias por dentro. Não têm substância mental e/ou cultural.

Quem se acha “esperto”, e sempre inventa formas de tirar vantagem de uma situação, acaba virando vítima dos próprios truques.

Foi o caso de um burro: estava atravessando um rio carregando sal. Ao escorregar e cair na água, o sal se dissolveu e tornou a sua carga mais leve.

Feliz com essa descoberta, o burro pensou: caso caísse novamente no rio, enquanto carregasse peso, a carga ficaria igualmente mais leve. Então, ao carregar esponjas, ele escorregou de propósito. As esponjas absorveram a água e o burro não conseguiu mais se levantar, acabando por se afogar!

Um grande touro estava pastando perto da água. Ao vê-lo, a rã sentiu inveja. A rã começou a comer muito e inflar-se ao perguntar às outras se já estava tão grande quanto o touro. Elas responderam negativamente.

A rã tentou novamente, inflando-se com mais força, mas percebeu ainda estar muito longe de ser igual ao touro. Na terceira tentativa, ela inflou tão intensamente a ponto de acabar explodindo por causa da sua ganância de ser grande…

Novamente, a moral é o fato de competirmos e nos compararmos com os outros, ao invés de nos aceitarmos, sempre acaba nos prejudicando. Quem compara perde!

A ganância é a nossa perdição, se arriscarmos aquilo seguro por algo ilusório aparentemente melhor. Isso descobriu um cão, quando carregava na boca um pedaço de carne e, ao passar por um riacho, viu no espelho da água a sombra da carne maior. Soltou aquela entre seus dentes para tentar pegar a vista na água. O riacho levou com a correnteza a verdadeira carne e a sua sombra. No fim, o cão acabou ficando sem nada.

Embora todas essas fábulas deem a impressão de pregar o conformismo ou a inércia, isso é contradito pela famosa A raposa e as uvas. Uma raposa se aproximou de uma parreira e viu ela estar carregada de uvas apetitosas. Com água na boca, a raposa desejou comer as uvas e, para tanto, começou a fazer esforços para subir até elas.

No entanto, as uvas estavam em uma altura inalcançável. A Raposa disse então: – “Estas uvas estão muito azedas. Não quero colhê-las, agora, porque não gosto de uvas sem estarem maduras…” Dito isso, ela se foi embora.

A moral apontada por Esopo é: por vezes, quando não conseguimos ter uma coisa, tendemos a desvalorizá-la. É, simplesmente, para não assumirmos a nossa falha.

Persistência e esforço aumentam as nossas capacidades e a probabilidade de vencermos. A negligência e o excesso de confiança, ao contrário, nos prejudicam.

Isso é demonstrado pela seguinte fábula. Uma tartaruga e uma lebre discutiam sobre qual era a mais rápida entre as duas. Então, marcaram um dia e um lugar para uma corrida. A lebre, confiando em sua rapidez natural, não se apressou em correr, se deitou no caminho e dormiu. Mas a tartaruga, consciente de sua lentidão, não parou de caminhar e, assim, ultrapassou a lebre dorminhoca e alcançou a meta, obtendo a vitória.

A ética do trabalho é ensinada. A cigarra passou o verão cantando, enquanto a formiga juntava seus grãos. Quando chegou o inverno, a cigarra veio à casa da formiga para pedir algo para comer. A formiga então perguntou a ela: – O que foi feito por você durante todo o verão? – Durante o verão, eu cantei – disse a cigarra. – Então, agora, dance!

Temos de nos esforçar desde cedo, para podermos colher os frutos do nosso estudo e trabalho mais tarde. Se não o fizermos, ficaremos dependentes da ajuda das outras pessoas. Esta é uma sabedoria humana espalhada pelas fábulas desde os primórdios.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]


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