Por LUIZ EDUARDO MOTTA*
Homenagem ao filósofo, poeta e dramaturgo brasileiro
O dia 5 de agosto amanheceu triste para mim.
Soube por Felipe Melonio Leite, numa mensagem enviada durante a madrugada, o falecimento desse grande pensador e filósofo brasileiro. Carlos Henrique Escobar não foi somente um dos maiores divulgadores da obra de Louis Althusser no continente americano, mas também um dos seus principais intérpretes no campo da linguística e da semiologia, sendo no Brasil o pioneiro dos estudos de Michel Pêcheux.
Conheci Carlos Henrique Escobar em 1984 e nos aproximamos mais quando comecei a estudar Louis Althusser em 1986, embora nesse contexto ele estivesse se dedicando aos estudos de Friedrich Niezstche e Gilles Deleuze. Estive presente na defesa de tese de doutorado dele na ECO-UFRJ Marx Trágico, sob orientação de Márcio Tavares d’Amaral, e me recordo da participação de seu ex- aluno Moacir Palmeira na sua banca.
Depois, no ano de 1992 ou 1993, fui a casa dele para fazer uma entrevista sobre as revistas Tempo Brasileiro e Civilização Brasileira, tema da minha dissertação de mestrado. Nessa entrevista ele me relatou da difícil infância dele e de seu irmão nos tempos em que moraram nas ruas no interior de São Paulo. Muito novo, com 13 anos de idade, ingressou no PCB e enfrentou a sua primeira prisão aos 15 anos. Sua primeira obra foi escrita quando tinha 17 anos, a peça Antígona-América. Depois de se afastar do PCB por divergências políticas, Carlos Henrique Escobar casou com a atriz e produtora teatral Ruth Escobar no final dos anos 1950, e em seguida foram morar durante um tempo na França onde se tornou aluno de Maurice Merleau Ponty.
Ao retornar ao Brasil no início da década de 1960, e já separado de Ruth Escobar, veio a morar no Rio de Janeiro em 1962 para participar de um curso de cinema promovido pelo Ministério das Relações Exteriores. Em seu depoimento dado a mim em 1992, quando fiz a minha pesquisa sobre as revistas Tempo Brasileiro e Civilização Brasileira, Escobar me relatou que morou num hotel perto da Central do Brasil e obteve uma carteira da UNE para que pudesse almoçar e jantar no Restaurante Central dos Estudantes, também conhecido como “Calabouço”.
Para sobreviver, e pagar as contas, dava cursos de filosofia para grupos de estudantes (dentre os quais participaram Gilberto Velho, Octávio Velho, Moacir Palmeira e Yvonne Maggie), cujas aulas versavam sobre a obra de Jean Paul Sartre. Em 1969, Escobar ingressou na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), e da qual se afastou em 1976 e retornou em 1986. Para além da UFRJ, Escobar lecionou na (Pontífice Universidade Católica (PUC-RJ), na Universidade Federal Fluminense (UFF) e nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA) – além de dar aulas em diversos grupos de estudo e cursos de filosofia em espaços extra-universitários.
Dentre os seus livros mais importantes podemos destacar Proposições para uma semiologia e uma linguística (1972), As ciências e a filosofia (1975), Ciência da história e ideologia (1979), Marx trágico (1993), Marx, filósofo da potência (1996), Nietzsche (dos “companheiros) e Zaratustra (O corpo e os povos da tragédia), ambos publicados em 2000.
Reencontramos-nos pessoalmente pela última vez no ano de 2000 quando comecei a dar aulas na FACHA, e ele já estava partindo para Portugal, com a companheira dele, Ana, para a cidade de Aveiros. Quando dei início aos meus primeiros artigos sobre Althusser e Poulantzas, fiz um texto sobre ele intitulado “Quem tem medo de Louis Althusser? de Carlos Henrique Escobar” na extinta revista Achegas. No início da década passada comecei a entrar em contato com ex alunos dele como Clodoaldo Lino, Selmo Gliksman , Irlam Farias e Deivy Frajman na casa de Luiz Carlos de Oliveira e Silva onde estávamos programando um documentário e o relançamento da obra dele, mas infelizmente o projeto não avançou.
Passada quase uma década, e por iniciativa de Lucas Zubelli e Klaus Scarmeloto, conseguimos republicar os livros Marx Trágico e Marx Filósofo da Potência no ano de 2022. Fora uma verdadeira odisseia o envios desses dois livros, visto que no ano passado os livros foram devolvidos depois de permanecerem um bocado de meses em Portugal. Finalmente, numa segunda tentativa, ele recebeu os dois livros em Portugal no final de julho poucos dias antes de falecer (num dos seus últimos emails enviados a mim, ele confessara que estava muito triste em morrer e não ter em mãos a republicação desses dois livros) e, segundo a companheira dele, Ana, ele estava imensamente feliz de ver os livros numa nova edição.
E, mais do que nunca, diante o marasmo acadêmico dos dias atuais, a obra dele precisa de ser reeditada. Fico feliz que pela minha iniciativa, e também a de João Marcos Kogawa, e mais recentemente de Felipe Melonio Leite, Alberto Kelevra e João Pedro Luques, a obra de Escobar permanece viva e com um novo público ávido em beber em fontes críticas, radicais e transformadoras novos olhares sobre a obra de Marx.
Carlos Henrique Escobar, presente!
*Luiz Eduardo Motta é professor de ciência política na UFRJ.
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