Celebridades – ontem e hoje

Imagem: David Buchi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*

Nossa existência é muito mais complexa e angustiante do que demonstra a felicidade quimérica das celebridades de ontem e de hoje

No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a mídia brasileira começou a dar grande destaque para as chamadas “celebridades”, nomenclatura pela qual é designada uma pessoa considerada “famosa”, isto é, conhecida do grande público, presença constante em programas televisivos, colunas sociais e capas de revistas especializadas.

Na época, surgiram várias publicações destinados exclusivamente a acompanhar os cotidianos das celebridades, como a famosa revista Caras (toda celebridade que se prezava deveria passar pelo menos um final de semana na Ilha de Caras). Não por acaso, entre 2003 e 2004, a Rede Globo exibiu uma telenovela intitulada justamente Celebridade.

Em décadas passadas, quando os celulares ainda não tiravam fotos e “selfie” era apenas uma palavra nas aulas de inglês, não era fácil se transformar em uma celebridade. Ou o indivíduo possuía algum talento artístico, musical ou esportivo, devidamente reconhecido, ou vivia à sombra de alguém: “namorada de fulano”, “filho de cicrano” ou “amigo de beltrano”. Só havia um caminho possível para ser uma celebridade: aparecer exaustivamente na grande mídia, preferencialmente em programas de televisão com elevados índices de audiência.

No entanto, essa realidade mudou com o advento das redes sociais. Basta um perfil no Facebook ou Instagram para que qualquer pessoa possa se sentir uma celebridade, ou seja, ter a sensação de estar sendo observada pelos outros, o seu cotidiano “seguido”, postar o que está comendo, divulgar aonde vai, compartilhar suas opiniões sobre um determinado assunto e, é claro, levantar algumas polêmicas. Anonimato nunca mais!

Se antes, paparazzi perseguiam celebridades em busca dos melhores (e muitas vezes constrangedores) flashes; atualmente, os usuários de redes sociais são seus próprios paparazzi. Desse modo, o espaço virtual se transformou em uma grande competição por “curtidas”.

Porém, conforme já advertiu Sören Kierkegaard, a comparação é a raiz da infelicidade humana. Aquela alegria em compartilhar nas redes sociais determinados acontecimentos considerados importantes logo se transforma em frustração ao perceber que o outro possui um automóvel mais novo, uma casa maior, viajou para a praia mais badalada ou tem um emprego mais valorizado.

Aquela foto postada estrategicamente para tentar provocar ciúmes no ex-namorado logo perde o sentido ao tomar conhecimento de que ele está com uma companheira mais bonita e interessante. São os efeitos colaterais das redes sociais: às vezes tomamos conhecimento de algo que não queríamos (a princípio) saber, mas que acaba nos afetando. “O que o Facebook ou Instagram veem, o coração sente”, diz um clássico ditado popular, adaptado para a contemporaneidade.

Em suma, a “vida real” não é um conto de fadas. Roberto Carlos já dizia: quem espera que a vida seja feita de ilusão pode ficar maluco. Nossa existência é muito mais complexa e angustiante do que demonstra a felicidade quimérica das celebridades de ontem e de hoje.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia pela Universidade estadual de Campinas (Unicamp). Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (ed. CRV).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES