COP 28 – colapso à vista?

Imagem: Alena Koval
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Por LISZT VIEIRA*

A crise ecológica continua, profunda, lenta e inexoravelmente, a minar o capitalismo tardio pelas ondas crescentes de catástrofe climática, o aquecimento global e a destruição dos recursos naturais

“Pela primeira vez na história, enfrentamos o risco de um colapso global” (Jared Diamond, Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso).

“Infelizmente, o tempo acabou”. Quinze mil cientistas, de 161 países, assinaram relatório em que alertam sobre colapso ambiental. Publicado na revista acadêmica BioScience, o relatório afirma que “a vida no planeta Terra está sitiada, à medida que continuamos a caminhar cada vez mais rapidamente em direção ao colapso ambiental” (Um só Planeta, 1/11/2023).

Os eventos climáticos extremos já abalam o Brasil: cheias nunca vistas no Sul, as secas históricas no Norte e no Nordeste, as queimadas na Amazônia e Pantanal, os ciclones e os tsunamis climáticos no litoral do Sul e Sudeste. Está na hora de o governo federal elaborar um plano emergencial nacional para enfrentar o caos climático atual. E o agro já sofre prejuízo bilionário. Instabilidade do clima já gerou perdas de R$ 33,7 bilhões para o setor neste ano (Valor Econômico, 14/11/2023).

Em recente declaração o climatologista Carlos Nobre afirmou que, “segundo o IPCC, se continuar o atual ritmo de emissões de GEE, chegaremos ao fim do século ou até antes com 4º C, o que tornará inabitáveis as cidades tropicais e subtropicais do mundo. A seca na bacia do Rio Negro já é a pior da história. Em duas décadas, 40 a 70% da floresta amazônica poderão ter sido perdidos e virado savanas. Teremos um desastre climático e de biodiversidade, plantas e bichos não conseguem se adaptar. O resultado é a extinção em massa. Cerca de 20% da floresta já foi desmatada. No Sul da Amazônia, a floresta passou a emitir em vez de absorver CO2” (O Globo, 26/11/2023).

Na África, pela degradação ambiental, as principais bacias hidrográficas tornaram-se epicentros de conflitos, e os rendimentos agrícolas poderão cair até 50% num futuro próximo face ao esgotamento das fontes de água “tradicionais (IPS, 25/10/2023). Na Ásia, segundo um estudo do UNICEF, 347 milhões de crianças estão expostas a escassez de água em oito países do sul (Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Nepal, Maldivas, Paquistão e Sri Lanka), abrangendo mais de um quarto das crianças do mundo. O estudo do UNICEF ressalta que “água potável é um direito humano fundamental” (Le Monde, 13/11/2023).

2023 deve ser o ano mais quente em 125 mil anos, de acordo com o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia. O calor é resultado do aumento dos gases do efeito estufa (GEE) e do El Niño, que aquece as águas no leste do Oceano Pacífico. Para Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), “apesar de sabermos de tudo que está acontecendo, as emissões de gases aumentam todos os anos. O ser humano está caminhando para a catástrofe conscientemente. É suicídio coletivo” (G1, 8/11/2023).

Mas a dependência do combustível fóssil (petróleo, gás e carvão) continua, apesar de todas as denúncias científicas anualmente divulgadas pelo órgão da ONU para mudanças climáticas, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). Estudo sobre 20 países produtores de fósseis, inclusive o Brasil, projeta uma produção de 460% a mais de carvão, 82% a mais de gás e 29% a mais de petróleo do que os limites estipulados para a contenção do aquecimento global. Segundo Inger Andersen, diretora do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), a expansão de combustíveis fósseis está minando a transição energética necessária para se atingir a meta de emissões líquidas zero e colocando em xeque o futuro da humanidade” (IPS, 9/11/2023).

A COP 28, a realizar-se em Dubai de 30/11 a 12/12, vai provavelmente produzir mais do mesmo, ou seja, quase nada além da agenda administrativa. O país anfitrião, Emirados Árabes Unidos, é um Estado petroleiro e terá peso na Conferência. Não se espera avanços em relação à meta, hoje ameaçada, de limitar o aquecimento a 1,5º C, conforme decisão da Conferência de Paris, a COP 15.

Uma aliança de Fundações internacionais, a Aliança Global para o Futuro da Alimentação (GAFF), avaliou que o peso dos sistemas alimentares representa pelo menos 15% do consumo global de combustíveis fósseis (Le Monde, 2/11/2023). A solução exige uma transição nos sistemas alimentares, que representam mais de um terço das emissões de GEE, e na própria agricultura, muito dependente dos fósseis.

Os principais fatores responsáveis pelo aquecimento global são a queima de combustíveis fósseis para geração de energia, atividades industriais e transportes; em seguida, vem o desmatamento e a agropecuária. No Brasil, o vilão é o desmatamento que faz o país ser um dos líderes mundiais em emissões de GEE. Isso porque as áreas de florestas e os ecossistemas naturais são grandes reservatórios e sumidouros de carbono. Em caso de incêndio florestal ou desmatamento, o carbono é liberado para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.

As emissões de GEE por outros setores, como agropecuária e energia, vêm aumentando consideravelmente ao longo dos anos. Além disso, hoje se sabe que a floresta em pé é mais rentável do que abatida. O açaí é um bom exemplo, mas isso é ignorado pelo agronegócio, mineradoras, pecuaristas, madeireiros etc. Mas no mundo em geral, especialmente nos países desenvolvidos, o grande vilão é o sistema de transporte (rodoviário, ferroviário, aéreo e marítimo), responsável por um quarto das emissões de CO2, ou seja, 25%.

Na COP 28, pela primeira vez, o cartel dos países produtores de petróleo terá pavilhão dentro da Conferência. E o Pavilhão Brasil terá painéis de empresas mineradoras e petroquímicas. As COPs têm permitido uma absurda ingerência dos lobbies da indústria de combustíveis fósseis. A COP27, realizada no Egito em novembro de 2022, credenciou 636 lobistas “explícitos” dessa indústria em suas delegações oficiais, superando a COP 26, realizada um ano antes na Escócia, que havia credenciado 503 lobistas. Isso explica porque o Relatório Final da COP 27 sequer menciona a poluição por combustível fóssil.

Mas não faltam alertas: “A COP28 será um momento de verdade para a indústria do petróleo e gás, que terá de mostrar se quer ser um parceiro sério para acelerar a resposta às mudanças climáticas”, afirmou Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia (Le Monde, 23/11/2023). Por outro lado, o desmatamento mundial aumentou 4% em 2022, apesar das promessas e compromissos internacionais (Le Monde, 23/10/2023). O governo brasileiro vai propor na COP 28 a criação de um fundo destinado a preservar as florestas tropicais. Trata-se de um mecanismo de pagamento por floresta em pé, por hectare, para ajudar a proteger as florestas tropicais em 80 países.

As COPs até agora produziram resultados decepcionantes. E os Estados nacionais assinam, mas nem sempre executam as resoluções aprovadas. A meta de 1,5º aprovada na Conferência de Paris, a COP-15, está ameaçada. Mas muita gente deposita esperanças na COP 30, a ser realizada em 2025 no Brasil, na cidade de Belém. Antes disso, as COPs ocorrem em países comprometidos com o combustível fóssil: a COP 28 nos Emirados Árabes Unidos (petróleo) e a COP 29 na Austrália (carvão).

61 organizações da sociedade civil brasileira divulgaram Nota cobrando que a COP28 estabeleça datas para a eliminação ordenada e progressiva dos combustíveis fósseis, cuja exploração deve ser reduzida em 43% até 2030 em relação aos níveis de 2019, e 60% até 2035, inclusive com a suspensão de novas frentes de exploração. As organizações cobram ainda que as petroleiras e o setor de carvão deixem de receber dinheiro público em forma de subsídios e financiamento de projetos (Observatório do Clima, 16/11/2023).

A civilização do combustível fóssil ameaça a sobrevivência humana no planeta. Produz calor letal, fome pela redução e encarecimento da produção agrícola, destruição das florestas por incêndios, esgotamento da água potável, morte dos oceanos, tufões, inundações, ar irrespirável, pragas, secas, colapso econômico, conflitos climáticos, guerras, crise de refugiados. As fontes de energia renováveis, apesar de sabotadas pelo mercado e os governos que controlam, vêm crescendo e se tornando competitivas.

Mas os fósseis dominarão a matriz energética até 2040, no mínimo. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), não há qualquer sinal de que a tendência à concentração de GEE possa ser revertida nos próximos anos. Segundo a entidade, 80% das emissões ocorrem por parte das economias do G20, enquanto os BRICS são responsáveis por um terço.

É importante ressaltar que as pessoas que mais irão sofrer com os efeitos do aquecimento global vivem nos países mais pobres com menor contribuição para as emissões de GEE. De acordo com a Oxfam, os 10% mais ricos do planeta terra são responsáveis por 50% das emissões de gases do efeito estufa. Ou seja, os mais ricos são os principais responsáveis pela poluição. Daí a importância de colocar a justiça ambiental no centro do debate sobre as mudanças climáticas.

Além da emissão de GEE, a perda de biodiversidade é um problema dramático: é um gigantesco processo de extinção que ameaça mais de um milhão das cerca de oito milhões de espécies vegetais e animais conhecidas no planeta, com 75% dos ecossistemas tendo sido alterados pela atividade humana. Segundo muitos cientistas, estamos a caminho de uma extinção em massa de espécies. O homem é o único animal que destrói seu habitat, o que coloca em questão sua racionalidade de homo sapiens. Tudo em função da produção econômica capitalista baseada na busca do lucro máximo.

Ano passado, a acadêmica feminista Nancy Fraser lançou um livro falando em capitalismo canibal que devora a democracia, o cuidado e o planeta. Mas o capitalismo canibal hoje está ameaçado pela crise ecológica que coloca em risco a sobrevivência da humanidade. Tudo indica que a superação do capitalismo não virá do conflito nas relações de produção, mas das contradições nas forças produtivas. Este é um antigo debate.

Os “revolucionários” apostavam que o capitalismo seria “destruído” pela luta de classes, enquanto os “reformistas” priorizavam as forças produtivas como fator da “superação” do capitalismo. Mas hoje poucos ainda acreditam que o proletariado vai fazer a ruptura revolucionária para destruir o capitalismo e implantar o socialismo. O lumpen proletariado cresceu muito e, juntamente com boa parte da juventude despolitizada, se tornou presa fácil do populismo de ultradireita, como vimos agora na Argentina.

Para alguns, tudo isso é heresia. Mas a história está cheia delas. Hoje, com o mundo sacudido por uma guerra intercapitalista, como a guerra da Ucrânia, e principalmente por uma guerra genocida de Israel contra a libertação nacional da Palestina, a crise ecológica continua, profunda, lenta e inexoravelmente, a minar o capitalismo tardio pelas ondas crescentes de catástrofe climática, mediante o aquecimento global e a destruição dos recursos naturais, ameaçando, assim, a sobrevivência da vida na Terra.

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]


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