Desenraizamento e colapso

Imagem: Marko Brecic
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Por ALEXANDRE FAVARO LUCCHESI*

A situação disruptiva e caótica das crises política e social no Brasil

Introdução

Em 2022, há uma grande apreensão mundial em torno do conflito na Ucrânia, decorrente da invasão armada da Rússia no mês de fevereiro. Rumores sobre a utilização de armas nucleares remontam à angústia da Guerra Fria e indicam que o Ocidente, segundo a classificação construtivista de Huntington,[i] atua com influência determinante nesse contexto de recrudescimento bélico por meio da OTAN.

Enquanto isso, o Brasil segue sua trajetória de sofrimento social em meio à postura desencontrada do governo federal no cenário interno da política. Pobreza, miséria, tragédia[ii] e violência[iii] [iv] assolam o país, talvez a mais desesperadora situação desde a reabertura democrática em 1985. Mesmo durante a hiperinflação, a sensação de desordem e desamparo não se refletia na institucionalidade do estado como agora, em que presenciamos uma ação deliberada dos poderes executivo e legislativo de atacar paulatinamente a Constituição Federal de 1988. Daí que se especula uma condição social de desenraizamento ou colapso de valores morais, de padrões e/ou de convenções mínimas que seguimos.

 

Brasil, da crise política à anomia

No Brasil de Jair Bolsonaro, o tecido social parece deteriorar-se a cada dia, algo que se percebe não apenas no quadro de penúria social, mas principalmente na qualidade da relação de indivíduos e grupos nos dias de hoje. Não é incomum presenciar situações de embate de opiniões sem filtro de mínima respeitabilidade e cortesia, seja em estabelecimentos comerciais, seja em ambientes de confraternização coletiva e mesmo familiar, o clima é de constante tensão e animosidade quando se trata de questões políticas. O acirramento é natural, inerente ao espaço democrático, mas ignorar normas razoáveis de conduta e bom senso tornou-se algo corriqueiro em nossas vidas, de maneira que se pode argumentar como, ao longo das últimas décadas, o Brasil deteriorou esse espaço democrático, a duras penas sendo construído, dando vazão a um sentimento primitivo e rudimentar de aversão ao próprio vizinho, irmão, conterrâneo.

A historiadora e antropóloga Lilia Schwartz[v] analisa como a formação histórica de nosso país carregou essas tensões e contradições e culminou, em 2018, na eleição de um representante das pulsões mais obscuras e brutais da brasilidade, cujas raízes estão no elitismo, no racismo e no machismo. Em debate com o filósofo Marcos Nobre, emergiu a questão de estarmos presenciando, no Brasil (pós?)pandêmico, uma sociedade à beira de um “estado de natureza hobbesiano”[vi], resultado do atiçamento dessas pulsões brutas de nossa sociedade pela forma mais negativa possível. O ódio é uma pulsão muito forte e foi irresponsavelmente alimentado por políticos nas últimas eleições majoritárias (destaca-se o ano de 2010[vii] em diante, muito embora se saiba que tal elemento é histórico), de maneira que Bolsonaro catalisou em si próprio, em 2018, um sentimento antipolítica e antissistema latente desde as manifestações de junho de 2013.

A lógica de sua estratégia é criar o caos, “porque precisa dele”, aponta Marcos Nobre[viii], se há estabilidade, ele se torna irrelevante e passa a ser descartável e mesmo incômodo. A mobilização permanente de sua rede de apoio via difusão de bravatas e fake news a respeito de tudo que condenam ser “os inimigos do cidadão de bem” é a forma de engajar, via redes sociais, a opinião difusa e descoordenada de pessoas comuns de nossa sociedade pela via do ódio, em que pesem ressentimentos de toda ordem. Para o cientista político Wilson Gomes[ix], Bolsonaro não sabe exatamente como ganhou a eleição de 2018, algo ligado à conjuntura muito singular de aversão visceral da classe média ao Partido dos Trabalhadores (PT) traduzido no antipetismo, e ao fato inegável e contraditório de ter sido ele, Bolsonaro, o maior beneficiado pelo atentado a faca que sofreu em setembro daquele ano. Para Wilson Gomes, o atual presidente repete agora a mesma estratégia de então, com maior intensidade, para fidelizar à sua imagem o público que se identifica com sua conduta.

A consequência desta situação política que presenciamos é que, na ausência de possíveis lideranças institucionais e sob um conflito de narrativas, que se convencionou abordar como “guerra híbrida”[x], tememos a ruptura dos laços sociais entre indivíduos e a comunidade, uma vez que a socialização econômica e primária se deteriora rapidamente no ambiente de desemprego e desalento generalizado, não obstante o mundo empresarial corporativo divulgue ser esta a era da tecnologia e do “fim do trabalho”[xi]. Aprofunda-se o descompasso entre a realidade das pessoas e as narrativas, algo que induz a uma alienação e a uma incapacidade disfuncional de se integrar a situações normativas do mundo social, pois encontrar um emprego e quiçá ser bem-sucedido em relacionamentos pessoais e comunitários parece estar cada vez mais difícil, dado o grau de incompatibilidade entre padrões pessoais ou de grupo e padrões sociais mais amplos.

Nesse sentido, a deterioração da própria ética social prejudica a existência de mínimos limites ao impulso mortífero do ódio, de maneira que o bolsonarismo, enfileirando seguidores com todo tipo de preconceito e frustração profundamente enraizados, assimila a desinformação propagada perversamente pelo líder “mito” e se comporta contra o mínimo de convenção e juízo que se tenta manter no Brasil. Por esse motivo se especula que o bolsonarismo lançou o país num estado de anomia[xii]. A oposição à conduta de Jair Bolsonaro ainda é dispersa e não unificada. Pior do que isso, a aceitabilidade de sua candidatura à reeleição em outubro é verificada por pesquisas em um patamar de aproximadamente um terço do eleitorado em julho[xiii].

 

O “partido militar”

Não existe vácuo na política, se a estabilidade democrática é tênue, existem forças contrárias atuando. Marcelo Pimentel Jorge de Souza[xiv], coronel oficial do Exército na reserva, divulga em suas redes sociais e espaços de debate uma opinião contundente e crítica a respeito do comportamento de importantes figuras das Forças Armadas Brasileiras (FFAA). Para ele, a deterioração da democracia no Brasil é resultado da intromissão de determinados militares[xv] no ambiente político, em claro desvio de função institucional e constitucional que lhes foram atribuídas, evocando de forma fantasmagórica seu protagonismo durante a ditadura (1964-1985).

É importante lembrar que os protestos contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT-RS) envolveram, crescentemente desde 2013, menções à intervenção das FFAA como “meio” para “garantir” a democracia, sendo que a participação dos bolsonaristas sempre foi marcante. A própria ascensão do então político do “baixo clero”, de trânsito conhecido pelo “Centrão”, é assinalada, por Pimentel, como sendo obra de militares engajados, de visão de mundo limitada por interesses tacanhos como “extirpar a esquerda da política” e restaurar os “valores” do “cidadão de bem”. Esse protagonismo, que seria marcado no tuíte[xvi] acintoso do general Eduardo Villas Bôas quando da iminência da prisão de Lula em abril de 2018, é condenado veementemente por Jorge de Souza como a prova de que as FFAA pretendiam assumir o controle político da situação do país.

A colagem de um entusiasta das FFAA como baluarte da lei e da ordem ao sentimento antipolítico e antissistema em 2018 encontrou sustentáculo em figuras como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto. Este último atuou na intervenção militar ordenada pelo o então presidente Michel Temer (MDB-SP) no estado do Rio de Janeiro em 2018, tendo, portanto, comandado a ação no momento em que ocorreu o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ao que tudo indica[xvii], por milícias em represália à atuação dela nas comunidades locais. Ao lado de Heleno e de Sérgio Etchegoyen (ex-Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República entre 2016 e 2019), Braga Netto compõe o núcleo duro militar que dá suporte aos caminhos de Bolsonaro e estaria por trás, segundo apurado por jornalistas[xviii], das investidas contra o sistema eleitoral eletrônico, bem como das mobilizações ufanistas e de caráter eminentemente antidemocrático de 7 de setembro de 2021, momento de maior apreensão quanto a um possível golpe de estado convocado pelo presidente da República desde o início de seu mandato. Tais fatos já consumam, por si, uma situação deletéria em termos da qualidade do arranjo social que se vive no Brasil, nenhum(a) do(a)s eleito(a)s desde 1989 cruzou essa linha, seja no discurso, seja na prática. E o papel dos generais citados, principalmente Braga Netto, em fomentar tal avanço autocrático e autoritário, foi determinante no alcance e na repercussão das tentativas.

O jornalista Luís Nassif[xix] por repetidas vezes alertou para a imprevisibilidade das ações de Bolsonaro quando se vê acuado pela opinião da mídia ou mesmo pela pressão dos políticos. No Congresso Nacional, os presidentes da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e do senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) se veem ao mesmo tempo autorizados a contrapor argumentos face aos absurdos propalados no Palácio do Planalto e a acatar demandas da base mobilizada bolsonarista, para não se indisporem em seus respectivos domicílios eleitorais.

Tanto nas casas legislativas quanto no próprio executivo, a tendências políticas se digladiam para ditar a pauta do governo sob observação do líder “mito” que reina no caos, mas também é repentinamente surpreendido por crises com a opinião pública, como no caso da vacinação das crianças, na emergência do meio ambiente e na diplomacia do Itamaraty. Após sequências de eventos catastróficos, o resultado foi a troca dos ministros Eduardo Pazuello (Saúde), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Ernesto Araújo (Relações Internacionais), para não citar os desajustes que eventualmente ocorrem com o superministro da economia Paulo Guedes e o colocam igualmente sob pressão.

Também tomam forma as críticas que o empresariado profere como reação aos ataques de verborragia retórica de Bolsonaro, em geral frases com termos chulos, ofensas e mentiras em rede nacional, imediatamente aplaudidas pelo pessoal que integra sua base, real e virtual, conhecido como “milícias digitais” por constituírem o braço armado do bolsonarismo de rede social. Seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo, todos políticos em mandatos eletivos, operam essas redes[xx] e contam com a cobertura dos militares em postos chave. Dessa forma, é sabido que os arroubos autoritários de Bolsonaro e seu clã têm como pano de fundo agravante o respaldo dos generais.

Para além da personalidade impulsiva de Bolsonaro, preocupam todo o campo democrático os constantes chamados a categorias de classe constituídas de seus potenciais eleitores, como os policiais militares estaduais (PMs) e os caminhoneiros. Seja pelas ameaças de greve, seja por possíveis comportamentos revoltosos e/ou amotinados, tais forças paralelas desempenham um papel similar ao de militares alinhados ao presidente no que diz respeito ao afrouxamento institucional que testemunhamos. Tampouco esse tipo de ameaça foi cogitado nos anos de redemocratização no Brasil, e o panorama de 2018 para cá degringolou de tal forma que não foram poucas as vezes em que se temeu, de forma bastante real ao longo de 2020 e 2021, uma nova crise de desabastecimento por ordem de caminhoneiros em locaute ou até de PMs agindo em desobediência aos respectivos governos estaduais, fatos que não se concretizaram[xxi], mas que demonstram o nível de inquietação da sociedade atualmente.

De alguma forma, Jair Bolsonaro parece ter ironicamente mostrado a boa parte da classe média como se sentem os moradores das comunidades pobres Brasil adentro, ameaçados que são por milícias e polícias locais, vivendo em estado próximo à barbárie. Qualquer cidadão(ã) procura por mínima institucionalidade que garanta segurança, e militares alinhados ao governo denotam que a isenção das FFAA não está garantida, o que pode resultar em interferência no processo eleitoral deste ano, sinal que foi acendido pelo então presidente em exercício do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso e por seu colega no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin[xxii].

Em paralelo a essa ofensiva eleitoral, com vistas a viabilizar competitivamente sua candidatura à reeleição, Jair Bolsonaro atua no front executivo com medidas de correção do impacto negativo do descontrole de preços à sua imagem. A aceleração inflacionária tem múltiplas origens, em que pese a indexação contratual da economia brasileira e o poder de mercado das firmas, mas os impactos da desorganização das cadeias produtivas na pandemia e o choque de oferta no preço do petróleo com a guerra na Ucrânia encareceram combustíveis e fertilizantes, afetando o custo do transporte e, consequentemente, de toda a distribuição de itens básicos. E o atrelamento ao dólar de boa parte do sistema nacional de preços faz com que se reflita, no cenário interno, todos os impactos de um processo de inflação com eixo na economia americana.

Assim, faz-se imperativa a ação de órgãos reguladores como o Bacen para combater a alta dos preços e isso resulta na ampliação da taxa de juros básica, cujos efeitos se materializam pela retração da demanda. O governo preparou medidas de estímulo econômico para reverter a percepção negativa do eleitorado, como o PLP 18/2022 de julho que reduz o ICMS de 29% para 18%, pressionando os governos estaduais a aceitarem essa redução de receita, e a PEC 1/2022, para liberar recursos acima do limite do teto de gastos em ano eleitoral com o Auxílio Brasil, o vale-gás e a criação do “voucher” para caminhoneiros e taxistas, mirando o apoio desses grupos e categorias. Um mínimo de “governabilidade” é necessário para conquistar votos e, nesse sentido, a “intelligentsia” bolsonarista se alinha ao núcleo militar.

 

Crise econômica como sintoma da anomia social

A crise econômica brasileira resultou de uma combinação entre deficiências estruturais e choques conjunturais. Por um lado, o movimento de estagnação é amplamente discutido[xxiii] desde meados da década de 1990, sendo que nos anos 2000 as taxas de crescimento do PIB alcançaram patamares mais satisfatórios, o que, no entanto, esteve vinculado a uma re-primarização da estrutura produtiva, i.e., à concentração de investimentos e capital nas atividades ligadas ao setor primário, em que pese o agronegócio no eixo centro sul do país, assim como a exploração de commodities in natura (minérios e petróleo) e sua vinculação à dinâmica financeira de especulação internacional.

Por outro lado, os ciclos de liquidez globais impactaram tanto positivamente como negativamente, pois a mesma valorização de preços de commodities e de produtos primários que impulsionou as exportações de Brasil e mesmo outros países emergentes, nos anos 2000, foi revertida com a crise financeira de crédito entre 2007-2009, com consequências mais severas na década de 2010. Além disso, a pandemia de covid-19 significou um choque de demanda pela contração do consumo associada às restrições de circulação de pessoas, e, na sequência, um choque também de oferta devido à interrupção e/ou à desorganização de cadeias produtivas globais, uma vez que a interligação via comércio internacional impactou preços e obrigou governos a adotarem medidas de política econômica conforme necessidades locais, em detrimento de movimentos coordenados.

Evolução do PIB (% real trimestral) e da taxa de desemprego (% PNAD mensal).

Fonte: IBGE.

A conjunção desses problemas em ambas as dimensões, no Brasil, resultou nesse choque de dupla natureza, pois os impactos da pandemia se somaram à debilidade da trajetória de desenvolvimento. É nesse ponto que se exacerba o quadro nocivo da postura do governo federal desde 2019, quando muito se falou de estratégias liberais de crescimento econômico e foram ventiladas reformas como medidas de melhora do ambiente de negocias, começando pela da previdência, sendo também pautadas, porém não concretizadas, a tributária, a administrativa etc. em linhas gerais, a proposta liberal de desenvolvimento ancora-se no incentivo à iniciativa individual, muito ligada à noção utilitarista do empresariado, mas em sua versão neoliberal teve como marcas a austeridade fiscal e na redução do papel do estado. No governo atual, deu-se espaço a uma liberalização sem critérios e, durante a pandemia, a uma descoordenação de expectativas, pois a inflação se acelerou rapidamente após os estímulos monetários, com a redução dos juros pelo Banco Central, e fiscais, com o pagamento do auxílio emergencial em 2020.

Evolução do IPCA (% acumulado 12 meses) e da meta da taxa Selic (%).

Fonte: IBGE e BCB.

Já em 2021 era possível perceber o desbalanceamento dos preços entre setores, em parte porque efetivamente era um choque internacional de preços, mas em parte também porque as políticas econômicas não foram coordenadas pelo governo segundo uma proposta clara de incentivos. A economia brasileira é fundamentalmente indexada por contratos que repassam inflação inercial, além de possuir oligopólios em setores chave como o bancário, de maneira que a manutenção de preços elevados por conta das margens de lucro contrastou-se à deficiência de demanda decorrente do desemprego. Atribuída ao pagamento do auxílio, a inflação continuou se acelerando e recebeu o maior golpe com a guerra da Ucrânia, quando o petróleo russo sofreu embargo e encareceu o barril comercializado internacionalmente, afetando os preços praticados pela Petrobras e ainda mais o custo do frete no Brasil.

A questão econômica simboliza o “vale-tudo” como lógica de um (neo)liberalismo tosco e sem critérios na figura do superministro da Economia Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro, outrora eivado pelo empresariado como fiador do governo. Em discussões recentes[xxiv], foi levantada a questão de o processo de anomia consistir justamente na produção e convivência proveitosa do caos nesses termos bolsonaristas do “liberou geral”, algo que se torna latente por meio das ações concretas de desmontagem do sistema democrático institucional, seja pela via legal (revogação de leis ou mesmo intenção de acabar com conselhos de classe, por exemplo) seja pela via do direito administrativo, pelos comportamentos e pela cultura institucional proposta, de modo que postos chave como a presidência da FUNAI, da Fundação Palmares são ocupadas por figuras respectivamente de orientação antiindígena e racista, ou mesmo um político ruralista na pasta do Meio Ambiente, o que significa a desmontagem, cupinização[xxv] e desvio de função dos instrumentos e ferramentas do Estado Democrático.

Ainda é possível citar a concessão de graça ao deputado aliado que atentou contra o STF e a política de facilitação e liberação da venda de armamentos e munições[xxvi] à despeito do Estatuto referendado em 2005. Ironicamente, esta é uma medida econômica pela qual Bolsonaro certamente favorecerá grupos milicianos que o apoiam, em detrimento do avanço do crime organizado[xxvii].

O bolsonarismo propõe substituir uma sociedade democrática por uma liberalizada de obrigações, no sentido da solidariedade de Émile Durkheim[xxviii], em que o processo de socialização, com a integração social, de um lado, e a regulação social, de outro, é descrito como a manutenção da chamada ordem social a partir de formas diferentes, quais sejam, solidariedade mecânica e orgânica. A transição de sociedades mais “primitivas” para sociedades industriais avançadas depende da regulação nos âmbitos moral e econômico, para manter a ordem, ou solidariedade orgânica, na sociedade. Tal regulação se forma naturalmente em resposta à divisão do trabalho, permitindo aos indivíduos compor naturalmente suas diferenças, de forma pacífica, pois a divisão do trabalho permite relações duradouras. Conforme expõe Steiner[xxix], engendra um interesse durável, com a manutenção das relações entre os produtores de serviços mutuamente beneficiados, de modo que os egoísmos são contidos e dão lugar às práticas comuns, duráveis, produtoras de solidariedade.

Para Émile Durkheim, numa sociedade capitalista avançada, industrial, o complexo sistema de divisão do trabalho significa que as pessoas são alocadas na sociedade de acordo com o mérito, e o direito seria mais restitutivo do que penal, buscando restaurar ao invés de punir excessivamente. Numa sociedade “primitiva”, a solidariedade mecânica, com as pessoas agindo e pensando da mesma forma e com uma consciência coletiva compartilhada, é o que permite que a ordem social seja mantida, os laços sociais são relativamente homogêneos e fracos e a lei precisa ser, por sua vez, ser repressiva e penal para responder às ofensas da consciência comum.

Justamente a transição de uma sociedade “primitiva” para um grau avançado poderia, na argumentação de Durkheim, trazer desordem, crise e anomia. Assim, o Brasil atrela crise econômica e social a um bloqueio político, pois na Câmara dos Deputados qualquer pedido de impeachment é engavetado, assim como qualquer acusação de crime comum na Procuradoria Geral da União, ao passo que Bolsonaro vangloria-se de “combater a corrupção” enquanto favorece o Centrão de forma acintosa pelo “Orçamento Secreto”.

 

Frente Ampla pela democracia

As ameaças de Jair Bolsonaro representam a descrença de considerável parte do eleitorado no sistema político e mesmo a insatisfação generalizada em relação ao poder público em meio à grande crise que irrompeu no país com a reeleição de Dilma Rousseff. Tal insatisfação se transubstanciou no processo de impeachment, cada vez mais associado a um golpe parlamentar, e na popularidade de figuras antissistema como Bolsonaro e depois de ex membros do Judiciário, como o juiz Sérgio Moro e o procurador federal Deltan Dallagnol, ambos atualmente filiados a partidos políticos (respectivamente União Brasil-SP e Podemos-PR).

Canalizados na luta anticorrupção, os sentimentos de insatisfação foram apropriados de forma, vejam só, política, de tal forma que não é incomum encontrar arrependimento alheio e mesmo vergonha frente aos resultados de 2018 e 2020 da revolta iniciada em 2016. A organização de uma frente ampla democrática vem sendo ensaiada desde que a pandemia mostrou seus piores resultados, mas tomou forma efetivamente quando o ex-presidente Lula (PT-SP) criou o mais relevante fato político-eleitoral em resposta aos esforços da “terceira via” (assim apelidada, pela mídia nacional, as heterogêneas candidaturas nem-Lula-nem-Bolsonaro). Acenou ao antigo antagonista de eleições presidenciais, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, a possibilidade de sua chapa a presidência da República em 2022 como candidato a vice. Alckmin se filiou ao PSB após 30 anos no PSDB deixando o partido do qual participou da fundação em meio a conflitos internos.

Embora a aproximação com Alckmin em si não tenha aumentado as intenções de voto para a candidatura de Lula, o ex-governador cumpre um papel fundamental na aliança que está sendo construída, o de ser o fiador do PT junto a parcela relevante do eleitorado, principalmente em SP, que não é definitivamente avessa ao partido, mas se afastou da legenda e dos candidatos petistas a presidente e a outros cargos desde a crise do mensalão de 2005. A simbologia da aliança Lula-Alckmin[xxx], que caminha para ser oficializada até março, ainda é contestada por parte significativa do mundo político e dos analistas do cenário nacional. A composição Lula-Alckmin tem o poder, por exemplo, de abrir as portas para a construção de uma candidatura de unidade nacional, com repercussões importantes em muitos estados, como é o caso de SP, para que funcione como a esperada “frente ampla” antibolsonarista.

Não é por acaso que, em seus discursos, Lula tem defendido Alckmin e declarado que aquele que for seu vice funcionará como “um contraponto ao PT”. Ou seja, ciente da força do antipetismo, sobretudo em SP, é o próprio Lula que, a partir da aliança com um histórico adversário, propõe o contraponto a seu próprio partido.

A ideia por trás disso é a viabilização de uma candidatura de união nacional[xxxi], que se apresentará com uma proposta de reconstrução do país. A partir desse conceito de reconstrução nacional, Lula, do ponto de vista da estratégia eleitoral e de seu posicionamento político, busca despolarizar o cenário político.

Por tudo isso, a aliança Lula-Alckmin significa uma guinada ao centro político, dificultando a construção de uma opção de “terceira via” e isolando o bolsonarismo em seu nicho. Através dessa despolarização, Lula impede que Bolsonaro reedite a estratégia de 2018 centrada, entre outros aspectos, no debate do petismo contra o antipetismo.

Politicamente, Lula percebe ter um vice de qualidade, seu “novo José Alencar”, enquanto que, à esquerda, onde tanto se repudiou os atos administrativos de Alckmin ao longo de anos, foram apontados diversos fatos que indicam repúdio à estratégia, dentre os quais têm peso maior sua responsabilidade frente às ações violentas da PM paulista contra professores e comunidades. Geraldo Alckmin sabidamente sustentou o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff participando indiretamente do desgaste antipetista em 2016, visando colher os votos em 2018, lançou João Dória à prefeitura de São Paulo e viu sua criatura virar monstro, pois foi sabotado internamente e caiu no ostracismo com votação pífia (2,2 milhões de votos) e a ascensão da extrema direita naquela eleição presidencial de 2018. Mas é fato que, entre procurar um vice em meio ao empresariado, e poder convencer alguém como Alckmin, Lula e o seu núcleo de apoio próximo rapidamente se convenceram da opção.

A ala mobilizada dos partidos de esquerda alegou os percalços de um possível golpismo no futuro, à imagem e semelhança do que ocorreu com Michel Temer entre 2015 e 2016. Nesse sentido, é importante lembrar que a trajetória de Temer e a de Alckmin na política apontam em direção diversa, o que a rigor nada garante em termos de fidelidade cega, mas indica uma tendência. É de outra ordem o histórico de Geraldo Alckmin, apadrinhado político do finado Mário Covas[xxxii] em São Paulo e de coerência com as diretrizes de seu partido por anos. Conduziu o estado paulista por três vezes, tendo convivido em duas delas com administrações petistas na capital entre 2001-2002 e 2012-2016. Apoiou Marta Suplicy no 2º turno da eleição de prefeito de São Paulo em 2000 como retribuição ao apoio recebido na eleição estadual de 1998, quando em ambas a estratégia era impedir a volta de Paulo Maluf (PP-SP).

Esteve ao lado de Fernando Haddad (PT-SP) quando foi anunciado o congelamento das tarifas de transporte em 2013. Já Michel Temer apresenta trajetória totalmente diversa, ainda que hoje seja alçado à condição de “mediador” pelo “tamponato” neoliberal[xxxiii] de 2016 a 2018, ou ainda por “salvar/domar” Bolsonaro por meio da carta de moderação escrita em setembro. Na verdade, a justaposição de social democratas a fisiológicos do pemedebismo[xxxiv] evidencia, mais do que convicção, o quanto vale o legado de Lula.

Aqui há um ponto interessante. Lula está envelhecendo e sua sucessão é planejada já há alguns anos, algo que foi interrompido pela ocasião do golpe parlamentar seguido da tentativa de destruição da sua biografia. Ele volta ao cenário político quando sai da cadeia em 2019 e logra, em fevereiro de 2021, a nulidade das decisões judiciais desfavoráveis, bem como a suspeição do algoz Sérgio Moro, iniciando a construção da candidatura de conciliação nacional, necessária, de acordo com o tom de sua campanha, para conter o bolsonarismo e assim estancar o desmonte institucional. Isso adiou sua retirada de cena, e agora, no cenário confuso em que vivemos, as peças do tabuleiro começam a se mexer.

A migração de muitos políticos para o PSB indica interesse em assumir a herança do lulismo fora do PT, por isso convivem os mais diversos matizes, de Tabata Amaral a Flávio Dino, de Márcio França a Marcelo Freixo e mesmo Alessandro Molon no Rio de Janeiro.  No PSOL, a disputa é pela liderança de Guilherme Boulos e seus seguidores (MTST e Povo Sem Medo) versus as correntes comunistas da velha guarda que racharam com os ex colegas de PT, assim como no PCdoB e nas legendas menores (PCB, PCO, PSTU, UP etc.). A federação entre PSOL e Rede Sustentabilidade foi firmada em junho de 2022 na esteira desse alinhamento.

Candidato a deputado federal por São Paulo, Guilherme Boulos desponta como uma liderança capaz de conduzir, desde já, não apenas a sua militância, mas a de todo o PT, numa eventual mudança de partido que pode ocorrer a partir de seu engajamento e dos realinhamentos partidários conforme os resultados das eleições. Ciro Gomes (PDT-CE), por seu turno, procura gerar um engajamento peculiar com foco na juventude, tendo a seu favor o programa alternativo[xxxv] de esquerda, pois nacionalista e de tributação a ricos, segundo uma alternativa maior ao liberalismo, na defesa do legado de Leonel Brizola, seja na condução do partido e seus ideais, seja no estilo efusivo e polêmico. Sua “metralhadora giratória” o indispõe, entretanto, em diversos meios e a ausência de apoio ao centro faz-lhe correr por fora, porque é visto com desconfiança e mesmo desdém pelo meio político e empresarial.

Isolar o bolsonarismo não é exatamente um consenso na sociedade brasileira, uma vez que a configuração eleitoral de favoritismo da chapa de Lula diz muito mais respeito à imagem pessoal do líder petista do que ao alinhamento de posturas democráticas. Enquanto Lula somou 47% das intenções e Bolsonaro 29%, Ciro Gomes teve 8% e outros candidatos, liderados pela terceira via de Simone Tebet (1%) não somam 2%, e brancos e nulos mais indecisos somam 11%[xxxvi]. Ainda que a rejeição a Bolsonaro seja de 53%, a materialização de metade dos votos em primeiro turno em Lula depende de uma campanha de convencimento de ser a sua chapa a da frente-ampla.

A terceira via como síntese do antagonismo entre posições ideológicas foi evocada a partir da figura da social democracia[xxxvii], cuja tônica seria a de combinar os pontos em comum das linhas de pensamento de direita e esquerda, de uma política econômica pautada pela austeridade com uma política social progressista. Norberto Bobbio[xxxviii] categoriza as duas vertentes políticas como fundamentalmente válidas no mundo contemporâneo, em resposta a argumentos da superação dessa dicotomia[xxxix] com a queda do muro de Berlim e o colapso das experiencias socialistas capitaneadas pela então União Soviética.

Para Norberto Bobbio, as noções de liberdade e igualdade seriam aquelas capazes de definir o alinhamento político democrático de acordo com o peso conferido por cada visão de mundo acerca das características sociais e das propostas de como evoluir. No Brasil, o PSDB reivindica ser uma terceira via desde suas origens em 1988, como uma proposta de conciliar economia e sociedade a partir de uma alternativa ao então PMBD, sendo menos radical que a esquerda consolidada em torno do PT e distante do autoritarismo ligado a conservadores do PDS e mesmo a reacionários entusiastas do regime militar.

Entretanto, os governos do PSDB, nacional e estaduais, nos anos 1990, receberam crescentemente apoio desses últimos setores, e os governos do PT, principalmente na esfera federal com Lula e Dilma, de 2003 a 2016, contrapuseram cada vez mais seus resultados àqueles desejados pelos trabalhadores e pobres, de modo a polarizar o debate. Outra interpretação da terceira via é a da alternativa a opostos “populistas”, segundo uma racionalidade que explica a política de acordo com a escola alemã da realpolitik, de modo a trazer em si uma superioridade por não estar restrita à rigidez ideológica tampouco à oposição de contraditórios[xl]. É como expressão dessa superioridade que a maioria das vozes ligadas ao establishment econômico e social denomina, portanto, a terceira via como caminho político.

Tendo em mente um caráter até mesmo de isenção e afastamento de polos opostos, Ciro Gomes se coloca como representante de uma terceira via a Lula e Bolsonaro, algo que Marina Silva e mesmo o finado Eduardo Campos tentaram, sem sucesso, em pleitos nacionais entre 2010 e 2014. Porém, o perigo dessa postura no atual contexto é ignorar a emergência democrática da ofensiva bolsonarista, para quem a eleição não é o ponto máximo do jogo político, e sim uma ocasião para demonstrar força. As evidências mostram que Bolsonaro planeja manter sua base mobilizada pela constante divulgação de atos e posturas conservadoras nos costumes e de acirramento de ânimos para garantir um anteparo a possíveis represálias das instâncias jurídicas e institucionais em eventual saída do governo.

Mobilização essa para deixá-lo livre da prisão[xli] apesar da série de crimes de responsabilidade cometidos ao longo do mandato e mesmo de investigações que podem ser abertas tanto pela Procuradoria Geral da República como pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, o fato de Bolsonaro ser tolerado, seja politicamente, seja institucionalmente, levanta o argumento da anomia política e institucional no Brasil face a essa ofensiva da extrema direita, que tem, nos dias de hoje, engajamento digital para mobilizar seguidores sem que exista, efetivamente, consenso e mesmo uma força orgânica que dê liga a um pensamento tão retrógrado e violento.

 

Conclusão

O estado de anomia em que o Brasil segue encalacrado talvez seja o mais preocupante desde 1985 quando foi necessário afastar os fantasmas da ditadura para encaminhar o país num novo rumo. Aquele ambiente tumultuado, de tantas manifestações e de crise econômica aguda, em muito nos remete aos dias de hoje, devido à centralidade da decisão que tomaremos em outubro. Até mesmo o fantasma da Guerra Fria voltou a assombrar o mundo, de maneira que, no Brasil, é perigoso evocar a tal da “tempestade perfeita” para mobilizar a opinião pública, porque ela acontece mesmo. Então, que fique claro o quanto é urgente fomentar o espírito democrático, mas de forma racional, aceitando que o país piorou muito e precisa, antes de mais nada, parar de piorar imediatamente.

A situação disruptiva e caótica da crise política que vivemos, somada à crise social, paralisa e aprisiona num vácuo destrutivo entre correntes políticas que não têm mediação. Falta urgentemente espírito democrático no Brasil, algo que somente será resgatado pela reconstrução da ideia de solidariedade, em seu sentido da escuta, da aceitação e da negociação com o diferente, mas também, e principalmente, pelo significado de uma nação coesa com fundamentos virtuosos e de aplicação concreta, isto é, que respeita sua constituição.[xlii]

*Alexandre Favaro Lucchesi é professor e doutor em Economia pela Unicamp.

 

Notas


[i] O choque das civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. RJ: Ed. Objetiva, 1997.

[ii] Em 15 de fevereiro de 2022, um temporal atingiu a região serrana do RJ deixando mortos, feridos e desaparecidos. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/03/sobe-para-232-total-de-pessoas-mortas-em-tragedia-em-petropolis.shtml

[iii] O jovem congolês Moïse Kabagambe foi morto em 24 janeiro de 2022, após cobrar o pagamento de serviço que prestava em quiosque na Barra Da Tijuca (RJ). O presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo ofendeu como “vagabundo” o congolês ao dizer que sua morte resultou de “um modo de vida indigno e o contexto de selvageria no qual vivia e transitava”. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/02/09/morte-de-moise-provoca-debate-sobre-preconceito-no-brasil

[iv] “O indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, que já eram conhecidos pelo ativismo relacionado à Amazônia, tornaram-se um marco da violência na região quando os suspeitos do duplo assassinato foram presos e confessaram os crimes […]” O crime reflete as consequências da política deliberada do governo federal de favorecer, pela paulatina desregulamentação, a atividade econômica e social de grupos e milícias ligadas ao garimpo ilegal. Disponível em: https://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2022/06/22/assassinato-de-bruno-pereira-e-dom-phillips-profissao-reporter-acompanhou-buscas-no-vale-do-javari.ghtml

[v] Sobre o Autoritarismo Brasileiro. Portugal: Ed. Objectiva, 2020

[vi] Para o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679), o estado, na figura do monstro bíblico “Leviatã”, precisa ser imposto para que os seres humanos possam coexistir em paz pois, em seu estado “de natureza” ou “natural”, são tomados por características como egoísmo e a avareza, sendo necessário um governo forte para instaurar a ordem.

[vii] A postura de candidatos de oposição no pleito eleitoral evocou temas morais e, com a eleição de Dilma Rousseff, manifestações de ódio deram a tônica.  Cf. MACHADO, Maria das Dores Campos. Aborto e ativismo religioso nas eleições de 2010. Revista Brasileira de Ciência Política, nº. 7. Brasília, janeiro – abril de 2012, pp. 25-54.

[viii] Ponto-final: A guerra de Bolsonaro contra a democracia. São Paulo, Todavia, 2020.

[ix] Crônica de uma tragédia anunciada: como a extrema direita chegou ao poder. Salvador: Ed. Sagga, 2021.

[x] Cf. FERREIRA, Wilson Roberto Vieira. Bombas Semióticas na Guerra Híbrida Brasileira (2013-2016): Por que aquilo deu nisso? São Paulo: Ed.‎ Publicações Cinegnose (1ª), 2020

[xi] Cf. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Ed. Cortez, 2021.

[xii] A maioria dos sociólogos associa o termo ao francês Émile Durkheim, que usou o conceito para falar das maneiras pelas quais as ações de um indivíduo são combinadas, ou integradas, com um sistema de normas e práticas sociais. Durkheim introduziu o conceito em sua tese de doutorado em 1893, mas nunca usou a expressão “ausência de normas”. A anomia seria, então, uma incompatibilidade, não simplesmente a ausência de normas.

[xiii] Intenção de voto em 29% dos 2.556 com mais de 16 anos entrevistados pelo Instituto Datafolha, em 183 municípios de todo o país, entre 27 e 28 de julho, com margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, índice de confiança de 95%, contratado pela Folha e registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-01192/2022.

[xiv] No Brasil, foi oficial no Comando da 12ª Brigada de Infantaria (SP), comandante do 18º Grupo de Artilharia de Campanha (MT) e oficial de Estado-Maior no Exército (DF). No exterior, foi adido de Defesa e do Exército na Guatemala.

[xv] Frequentemente associados àqueles que estudaram e formaram sua visão de mundo na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) nas décadas de 1960 e 1970, entre eles, Jair Bolsonaro.

[xvi] Dois meses antes da eleição de 2018, Villas Bôas ouviu de Dias Toffoli garantias de que o STF manteria Lula preso. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/o-general-o-tuite-e-promessa/

[xvii] “Caso Marielle: ‘Nunca havia visto um crime tão bem planejado’, diz delegado”. Disponível em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/06/20/caso-marielle-nunca-havia-visto-um-crime-tao-bem-planejado-diz-delegado.htm

[xviii] “PT aciona Ministério Público contra Braga Netto: ‘Ameaça às eleições’”. Disponível em https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/07/05/pt-aciona-ministerio-publica-contra-braga-netto-ameaca-as-eleicoes.htm

[xix] “Xadrez de como será o golpe da urna eletrônica”. Disponível em: https://jornalggn.com.br/politica/xadrez-de-como-sera-o-golpe-da-urna-eletronica-por-luis-nassif/

[xx] “’Gabinete do ódio’ é o nome dado a um grupo de assessores que trabalham no Palácio do Planalto com foco nas redes sociais, inclusive na gestão de páginas de apoio à família Bolsonaro que difundem desinformação e atacam adversários políticos do presidente”. Jamil Chade e Lucas Valença apuraram que, em novembro de 2021, um membro desse gabinete esteve em feira em Dubai interessado em adquirir a ferramenta DarkMetter, composta, em sua maioria, por programadores israelenses hackers de elite vinculada ao exército de Israel. Disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/01/17/gabinete-do-odio-usou-viagem-de-bolsonaro-para-negociar-sistema-espiao.htm

[xxi] Jaqueline Muniz, antropóloga e professora de segurança pública da UFF, estuda o comportamento das PMs e assinala que um amotinamento não seria repentino e tampouco ficaria sem punição. Para ela, se operações policiais criam desordem e violência, servem a grupos de interesse. Disponível em: https://ponte.org/jacqueline-muniz-se-a-operacao-policial-cria-desordem-e-violencia-a-quem-ela-serve/

[xxii] “Fachin e Barroso defendem urnas eletrônicas e liberdade de imprensa nas eleições”. Disponível em: https://exame.com/brasil/fachin-e-barroso-defendem-urnas-eletronicas-e-liberdade-de-imprensa-nas-eleicoes/

[xxiii] Por exemplo ver BARROS, J.R.M. e GOLDENSTEIN, L. (1998) “Economia Competitiva, solução para a vulnerabilidade”, in VELLOSO, J. P.R. (org.) O Brasil e o Mundo no limiar do novo século. Fórum Nacional, e também CARNEIRO, R. (2002) Desenvolvimento em Crise, a economia brasileira no último quarto do século XX. S. P. UNESP/IE-UNICAMP

[xxiv] A falta de coordenação política e econômica no país, escancarados pela pandemia, remete ao conceito de anomia para explicar os principais pontos do Brasil de Bolsonaro, Guedes e do Coronavírus. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/0h6o9a9PVpoFvjMkcLpp0E

[xxv] A imagem de uma praga destruidora é frequentemente associada a Bolsonaro. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/04/4997483-carmen-lucia-acusa-cupinizacao-de-orgaos-de-meio-ambiente.html

[xxvi] Desde 2018, o número de brasileiros registrados para possuir armas de fogo sextuplicou. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/07/pf-alertou-congresso-dos-riscos-da-politica-pro-armas-de-bolsonaro-mostram-documentos.shtml

[xxvii] “Em termos de negócio, comprar dez fuzis no CAC [colecionadores, atiradores ou caçadores] gera uma economia significativa”. Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/investigacoes-mostram-que-pcc-usa-politica-de-bolsonaro-para-se-armar/

[xxviii] A solidariedade social consiste na aceitação das outras funções sociais como tão importantes quanto a que um determinado indivíduo exerce. Cf. DURKHEIM, Émile. (1893) Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed. tradução. Eduardo Brandão, 1999.

[xxix] Cf. STEINER, P. (2013). Religião e economia em Durkheim: duas formas de coesão social?. Revista Pós Ciências Sociais, 10(19). Recuperado de http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/1934

[xxx] Para Cláudio Couto, essa aliança remete àquela selada no contexto da redemocratização em 1984. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/fora-da-politica/chapa-lula-alckmin-lembra-a-alianca-das-diretas-ja/

[xxxi]Para Celso Rocha de Barros, a estratégia conciliadora dessa chapa se contrapõe aos sentimentos de discórdia e animosidade incentivados pelos bolsonaristas. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2022/04/lula-com-alckmin-bolsonaro-com-ustra.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

[xxxii] É importante lembrar que o engenheiro santista, em mais de uma ocasião, demarcou uma posição pró-trabalhismo na social democracia tucana, ainda que tenha sido contestado pelo funcionalismo público e pelos professores. Apoiou Lula em 1989, recusou o embarque do PSDB no governo de Fernando Collor e garantiu o apoio de Alckmin ao PT em 2000 em São Paulo. Seu falecimento de câncer comoveu o meio político, luta que se repetiu na história do neto Bruno em 2021. Bom de debates, teve o estilo lembrado quando Márcio França enfrentou João Dória em 2018 representando acordo amplo para tentar evitar a chegada da direita ao poder.

[xxxiii] Cf. OREIRO, José Luis; PAULA, Luiz. A economia brasileira no governo Temer e Bolsonaro: uma avaliação preliminar. 13140/RG.2.2.28213.01766.

[xxxiv] Termo que reflete a dinâmica política da governabilidade brasileira. Cf. NOBRE, Marcos. Imobilismo em movimento. São Paulo: Cia das letras, 2013.

[xxxv] Cf. BARBOSA, Agnaldo de Sousa; SOARES, Guilherme Cunha. O choque das esquerdas: as diferentes visões teóricas de desenvolvimento entre PT e PDT, dos planos de 2018 aos caminhos para 2022. Brazilian Journal of Development, Vol.8, nº. 5, 2022.

[xxxvi] Op. Cit. Datafolha de 22 e 23 de junho (BR-01192/2022).

[xxxvii] Cf. GIDDENS, Anthony. O debate global sobre a terceira via. São Paulo: Ed. Unesp, 2007.

[xxxviii] Razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Ed. Unesp, 2012.

[xxxix] FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. São Paulo: Ed.‎ Rocco, 2015.

[xl] STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: A política do “nós” e “eles”. São Paulo: Ed. ‎ L&PM (1ª), 2018.

[xli] As discussões de uma PEC que torne o presidente não reeleito senador vitalício indicam que a base bolsonarista mobilizará todos os meios à disposição para protelar seu acerto de contas com a justiça. Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2022/07/e-absurda-a-pec-que-torna-bolsonaro-senador-vitalicio.ghtml

[xlii] Ensaio redigido como continuação do debate proposto em https://aterraeredonda.com.br/a-anomia-brasileira/. Agradeço ao filósofo Sérgio Luís Tomioka pelos comentários essenciais que resultaram nesta versão final.

 

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