Economia comportamental ou psicologia econômica

Imagem: Plato Terentev

Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

As ciências exatas, naturais, sociais, humanas e outras formas de conhecimento começam a buscar o diálogo pluridisciplinar

Na metodologia científica, aponta-se uma dualidade metodológica entre as Ciências Exatas, de um lado, e as Ciências Naturais e as Ciências Sociais, de outro. O método dedutivo-racional sustenta a mente humana ser a originadora do processo de conhecimento. O método histórico-indutivo sugere o papel da abstração ser ordenar os dados da experiência vivenciada, segundo categorias conceituais lógicas, na sequência concreto-abstração-concreto pensado.

Discute-se se essas categorias lógico-conceituais são inatas à mente humana, surgidas ao intelecto a priori, de modo independente da experiência. Seria o caso, por exemplo, da matemática.

Esse individualismo metodológico se distingue da concepção da sociedade como uma realidade autônoma em relação ao indivíduo, de acordo com o holismo metodológico. Para este, a análise dos fenômenos sociais tem seu ponto de partida na ação social.

A ciência econômica é vista pelos adeptos do primeiro método como o conjunto das teorias das melhores decisões individuais. O ponto de partida dessa microssociologia seria então uma teoria da escolha racional [rational choice]. A macroeconomia seria mera agregação dessas escolhas uniformes, porque seriam baseadas nos mesmos fundamentos microeconômicos, orientados pela melhor teoria econômica.

Na autodenominada “corrente principal” [mainstream], por exemplo, na Economia da Confiança hoje predominante na ortodoxia, a análise das resultantes da ação humana é feita dessa perspectiva individualista. A única teoria econômica válida seria derivada, logicamente, dos princípios básicos da ação humana individual, segundo a praxeologia, isto é, o estudo dos fatores responsáveis pelas pessoas atingirem seus propósitos.

Este método permitiria a descoberta de leis econômicas fundamentais válidas para toda a ação humana. Buscaria a explicação dos fenômenos econômicos nas ações dos indivíduos, e não em entidades coletivas – instituições, sindicatos, Estado etc. – como por exemplo faz o historicismo.

O pensamento econômico ortodoxo rejeita conceitos e agregados macroeconômicos caso eles não sejam fundamentados na ação humana individual, o ponto de partida para a escolha. O holismo, cuja etimologia vem do grego holos (“inteiro” ou “todo”), contrapõe-se a esse reducionismo.

Para o holismo metodológico, adotado por economistas classificados por seus adversários como heterodoxos, as propriedades de um sistema ou organismo não podem ser explicadas apenas pela soma dos seus componentes. O sistema complexo emerge das interações de seus componentes e, em retroalimentação, influencia como se comportam as partes.

Desde Aristóteles, essa linha de pensamento observa a tendência da Natureza (e da Sociedade), através de evolução criativa, formar ou configurar um “todo” distinto da mera soma ou agregação de suas partes. Tanto o mundo natural, como o social, ambos são analisados como um todo integrado ou um organismo. A síntese do conjunto prevaleceria sobre a análise dos detalhes individuais. Seria mais relevante o entendimento inicial do conjunto da existência humana para, a partir da análise dessa resultante, descer para o nível das decisões interativas.

A complexidade de uma questão ou um problema em particular acontece em todas as áreas de conhecimento. Hoje, já com a experiência de ensinar os métodos de análise econômica, entendo o comentário irônico do editor da revista onde foi publicado o meu primeiro artigo em 1978.

Como eu usei o conceito de “complexo cafeeiro”, copiado da tese do meu saudoso orientador – Professor Wilson Cano –, ele me disse: “a economia chupa conceitos da psicologia”… Pensei em Complexo de Édipo (desejo inconsciente de substituir o pai) e Complexo de Inferioridade (sentimento capaz de tornar a pessoa retraída ou agressiva), mas confesso não ter na época conhecimento suficiente para pensar em outros termos comuns a ambas, como “ciclos de vida”, “crise do desenvolvimento”, “depressão” etc.

Como passageiro do tempo, mais adiante, na minha carreira docente e de pesquisador, deparei-me enfim com a chamada por economistas de economia comportamental, em especial, as finanças comportamentais dentro de minha especialização. Descobri os psicólogos denominarem essa área de conhecimento de psicologia econômica.

A ênfase da psicologia cognitiva nos processos mentais levou os conceitos de percepção e de critério para o campo da resolução de problemas decisórios. Antes, a percepção do risco acerca de um futuro incerto no processo da tomada de decisão econômico-financeira era considerada uma questão estatística, para avaliação da probabilidade de sucesso, em vez de um tema de psicologia.

Daniel Kahneman e Amos Tversky reviram as teorias acerca da tomada de decisão perante a incerteza no artigo Judgment under Uncertainity: Heuristics and Biases, publicado em 1974. Demonstraram não ser verdadeira a crença generalizada de as pessoas decidirem, racionalmente, com base em estatísticas e probabilidades.

Pelo contrário, decidem com base em “regras de bolso”, lugares-comuns segundo critérios heurísticos a partir de exemplos concretos ou de pequenas amostras vivenciadas ou casos. Heurística é um procedimento mental simples capaz de ajudar a encontrar quaisquer respostas, mesmo sendo imperfeitas, para questões difíceis. Por isso, muitas decisões financeiras costumam ser inadequadas ao futuro contexto. Elas se baseiam em informação facilmente acessível em vez de em probabilidades reais.

O ser humano, auto classificado como um animal racional, erra recorrentemente. Por exemplo, “a prova da repetição do mesmo erro é o segundo casamento”… Esta piada demonstra muitas decisões serem tomadas por paixão ou emoção – e não pela razão.

Kahneman e Tversky descobriram: este método de resolução de problemas, baseado na experiência com uma amostra reduzida ou viesada, segue um padrão. Há, por exemplo, a tendência de sobrevalorizar as probabilidades de suceder algo de pouco provável (um acidente aéreo enquanto o passageiro bebe um drinque) e a subestimar as de ocorrer algo mais provável (um acidente de trânsito depois do motorista beber álcool). Aliás, a grande maioria dos motoristas se considera superior aos demais. Isso é comprovado mesmo em pesquisa com eles na área hospitalar dos acidentados…

Conclusões desse tipo foram a base da chamada teoria da perspectiva ou prospecto (“o esperado”), apresentada por Kahneman e Tversky, em 1979. Desenvolveram a área de conhecimento interdisciplinar denominada “economia comportamental”.

Hoje, com conhecimento mais acessível via internet dos métodos comuns de diversas áreas de conhecimento, o desafio é organizar um conhecimento transdisciplinar. A ciência está sempre em processo contínuo de oscilação entre divisão e unificação: hibridização de ciências; importações e exportações metodológicas entre ciências; desafio de uma equipe interdisciplinar ou multidisciplinar assumir assuntos complexos de pesquisa e conceber teorias transdisciplinares – e as ensinar em educação inovadora.

A transdisciplinaridade exige multiníveis, colaboração, cooperação e coordenação sistêmica. A complexidade, emergente de interações entre múltiplos componentes existentes na realidade e, por isso, transpondo as fronteiras profissionais estabelecidas, historicamente, é um desafio intelectual para a filosofia, epistemologia, linguística, pedagogia, matemática, química, física, meteorologia, estatística, biologia, sociologia, economia, política, arquitetura, medicina, psicologia e tecnologia das informações.

As ciências exatas, naturais, sociais, humanas e outras formas de conhecimento começam a buscar o diálogo pluridisciplinar. A partir de então, o paradigma disjuntor-redutor é superado, gradualmente, pelos diálogos multi, inter e transdisciplinares.

Nesse contexto da história da ciência emerge o pensamento complexo ou paradigma da complexidade. Visa associar senão fundir, sem separar as diversas disciplinas e contribuições científicas, assim como as diversas formas de conhecimento de outras instâncias da realidade, como Estado, mercado e comunidade com este terceiro incluído como sociedade civil.

O pensamento complexo questiona todas as formas de pensamento dogmático, unilateralmente quantitativo ou instrumental. A incerteza faz parte desse novo paradigma, como uma abertura de novas perspectivas, e não como um princípio do individualismo metodológico imobilizador do pensamento.

Essa democracia cognitiva visa estabelecer o diálogo entre as diversas áreas de conhecimento. Este é o caminho do pensamento complexo, um caminho feito no próprio transcurso, ao se fazer e repensar-se continuamente.

Na nova edição revista da Cartilha de finanças pessoais de minha autoria como guia didático do curso oferecido por mim, no último ano da graduação dos estudantes do IE-UNICAMP, eu me utilizo desses conceitos em Finanças Comportamentais. Envio-a para download gratuito: Fernando Nogueira da Costa – Cartilha de finanças pessoais – 2023

Educação Financeira é uma necessidade para todos!

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Rede de apoio e enriquecimento.

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
Geraldo Vandré e Chico Buarque
28 Oct 2025 Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO: Do menestrel ceifado pela ditadura ao cronista das almas femininas, duas trajetórias que, em tons distintos, consagraram a canção como instrumento de resistência e de reinvenção da vida íntima
2
O Fédon de Platão
27 Oct 2025 Por PAULO MARTINS: Considerações sobre o diálogo de Platão, a partir de uma nova tradução recém-publicada
3
O papel social da leitura
28 Oct 2025 Por DÉBORA TAVARES: Mais que decifrar palavras, a leitura é um direito humano que organiza o caos interior e nos humaniza; sua negação, fruto de uma estrutura social desigual, é uma mutilação da personalidade e um obstáculo à emancipação
4
Aceleração
20 Oct 2025 Por SLAVOJ ŽIŽEK: A verdadeira aceleração necessária não é em direção ao abismo, mas uma ruptura ética que interrompa nossa passividade diante dos múltiplos apocalipses que coexistem com a banalidade cotidiana
5
Paris, Texas
27 Oct 2025 Por VINÍCIUS DE OLIVEIRA PRUSCH: Comentário sobre o filme de Wim Wenders
6
Não existe alternativa?
23 Jun 2023 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
7
Por que o ano de 1968 ainda não terminou? – II
16 Oct 2025 Por PAULO SILVEIRA: Não me parece que para nossos filhos e netos tenhamos o direito de lhes barrar a saída para o futuro. A menos que queiramos lhes deixar uma herança maldita.
8
Riqueza é tempo livre
30 Oct 2025 Por THIAGO TURIBIO: A verdadeira riqueza, já tornada possível, reside no tempo livre para o desenvolvimento humano, e não na acumulação infinita de bens sob o jugo do trabalho mediado pelo valor
9
As raízes teóricas do realismo socialista
20 Aug 2025 Por CELSO FREDERICO: O realismo socialista não foi uma estética orgânica, mas uma construção dogmática. Através da manipulação de textos de Lênin e da tradição crítica russa, o stalinismo forjou um instrumento de propaganda, esvaziando a literatura de seu conflito e complexidade em nome do "herói positivo"
10
CIEPs – 40 anos
09 May 2025 Por MICHEL HOOG CHAUI DO VALE & NILCE ARAVECCHIA: Os CIEPs foram algo excepcional no país naquele momento: uma escola de tempo integral para as crianças pobres que se concentravam massivamente nos grandes centros urbanos
11
Filosofia & política
14 Oct 2025 Por MARILENA CHAUI: Prefácio do livro póstumo de Gerd Bornheim, recém-lançado.
12
A era do capitalismo de vigilância
16 Mar 2025 Por JOSÉ MICAELSON LACERDA MORAIS: Comentário sobre o livro de Shoshana Zuboff.
13
Nota sobre a criação artificial
06 Oct 2025 Por ALEXANDRE DE MELO ANDRADE: A verdadeira criação, fruto da liberdade e da subjetividade humanas, revela-se justamente em nossa imperfeição e nosso mistério, aspectos que a eficiência técnica da IA não pode reproduzir, mas apenas simular
14
Leopoldo María Panero
28 Oct 2025 Por ERIVELTO DA ROCHA CARVALHO: Considerações a respeito da biografia do poeta espanhol redigida por J. Benito Fernández
15
As duas modernidades eurocêntricas
27 Oct 2025 Por LUIS EUSTÁQUIO SOARES: Do saqueio colonial ao imperialismo de crédito, a modernidade ocidental revela-se um projeto de dominação mutante, cujo fracasso espiritual clama por alternativas que não repliquem seu narcisismo genocida
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES