Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
O social-desenvolvimentismo dos economistas de esquerda pró-trabalhadores e o novo-desenvolvimentismo dos economistas pró-industriais
Luiz Carlos Bresser-Pereira e Tiago Porto comentaram: “Edmar Bacha tem o mérito de discutir a doença holandesa. Esse é um tema que os economistas brasileiros, tanto os de direita quanto os de esquerda, parecem querer fugir como o diabo foge da cruz” (Valor econômico, 02/09/24).
Como faço há anos, darei aqui mais explicações sobre as diferentes perspectivas entre o social-desenvolvimentismo dos economistas de esquerda pró-trabalhadores e o novo-desenvolvimentismo dos economistas pró-industriais.
As classificações “wage-led” (liderada pelos salários) e “export-led” (liderada pelas exportações) referem-se a dois tipos distintos de regimes de crescimento econômico. Cada um tem características específicas determinantes de como o crescimento é impulsionado em uma economia.
Em uma economia wage-led, o crescimento econômico é impulsionado principalmente pelo aumento dos salários reais. Gera um efeito positivo sobre a demanda agregada interna.
Entre as principais condições definidoras desse tipo de economia, destaca-se o fato de os trabalhadores, em geral, terem uma propensão marginal a consumir mais elevada em relação aos capitalistas ou detentores de capital. Quando os salários aumentam, há um crescimento mais relevante no consumo, impulsionando a demanda agregada.
A economia depende de uma base de consumidores domésticos grande como a existente em um país com 212,6 milhões habitantes, capazes de responder positivamente ao aumento dos salários. O consumo das famílias representa uma parcela substancial do PIB: de 1995 a 2023, a média anual foi de 62,7%.
Em um regime wage-led, o crescimento econômico não depende fortemente das exportações. Isso geralmente ocorre em economias grandes e relativamente fechadas, onde a demanda interna é o principal motor do crescimento. No mesmo período, a exportação cresceu de 7,5% para 18,1% do PIB e a importação de 9,5% para 15,7%do PIB, ou seja, o fluxo comercial dobrou de 17% para 33,9% do PIB!
O social-desenvolvimentismo defende um mercado de trabalho organizado. Sindicatos fortes e políticas públicas devem garantir a negociação coletiva, o queé importante para se obter aumentos salariais capazes de sustentarem a demanda.
Governos com hegemonia de partido de origem trabalhista, em economias wage-led, adotam políticas de modo a promover a redistribuição de renda, como aumentos no salário mínimo, benefícios sociais e uma política fiscal progressiva sobre rendas mais altas, para fortalecer o poder de compra dos trabalhadores.
O novo-desenvolvimentismo defende a transformação da economia brasileira em export-led, como as dos Tigres Asiáticos, embora esteja distante de CGV (Cadeias Globais de Valor). Imagina o crescimento econômico ser impulsionado principalmente pelo aumento das exportações, gerando um maior superávit comercial (US$ 98,8 bilhões em 2023) e maior acumulação de reservas cambiais (US$ 355 bilhões).
Não percebe o círculo vicioso. Parte das exportadoras têm grandes participações acionárias de estrangeiros e farão remessa de lucros obtidos com as exportações para o exterior, gerando déficit no balanço de transações correntes e maior necessidade de IDP (Investimento Direto no País) para equilíbrio do balanço de pagamentos com progressiva desnacionalização econômica.
A economia export-led precisa ser altamente competitiva no mercado internacional, com uma base de produção com inovação tecnológica não disponível no Brasil e custos relativamente baixos, ou seja, elevada relação câmbio / salário. Assim, os produtos e serviços do país seriam atraentes nos mercados externos.
Nesse projeto novo-desenvolvimentista, o crescimento seria dependente da demanda externa, e as exportações teriam de passar a representar uma parte mais substancial do PIB. Economias export-led possuem uma alta elasticidade da demanda de exportações, ou seja, o crescimento das exportações responde fortemente às condições econômicas globais, inclusive às cotações voláteis de commodities.
Os economistas novos-desenvolvimentistas, defendem os policy-makers brasileiros adotarem políticas cambiais de modo a manter a moeda nacional relativamente desvalorizada, tornando as exportações industriais mais competitivas – e mais ainda as agropecuárias e as extrativas de minerais e petróleo. Além disso, pensam em conceder subsídios ou incentivos diretos ao setor exportador industrial.
Como reagirá o Banco Central do Brasil independente com a meta de controle da inflação? Alterará a política cambial, fazendo intervenções “sujas” no regime de câmbio flexível em benefício dos industriais e prejuízo dos trabalhadores diante a maior inflação importada?
Esse projeto exigiria maiores investimentos em infraestrutura exportadora. O governo e o setor privado teriam de investir fortemente em infraestrutura de modo a apoiar as exportações, como portos, rodovias, e centros logísticos, além de promover acordos comerciais favoráveis.
Pior social e politicamente seria, em um regime export-led, haver uma moderação ou contenção do crescimento salarial para manter a competitividade dos preços no mercado internacional. Isso limitaria o crescimento da demanda interna, com a economia dependendo mais das exportações para sustentar o crescimento.
A indústria brasileira não é integrada em Cadeias Globais de Valor, exceto com a indústria automobilística do norte da Argentina. Não possui segmentos importantes da produção focados em setores competitivos no comércio internacional, como manufaturas de alta tecnologia, commodities ou serviços especializados.
Na prática, economias não são puramente wage-led ou export-led, mas podem exibir características de ambos os regimes em diferentes contextos. Por exemplo, a orientação pragmática da economia brasileira desnacionalizada é influenciada pela política econômica em busca de satisfazer também aos investidores estrangeiros com estratégia de exploração do mercado interno.
As políticas fiscais e monetárias expansionistas tornam a economia mais wage-led, enquanto as políticas voltadas para a competitividade externa favoreceriam um regime export-led. Com o tempo, a economia brasileira poderá transitar de um regime para outro, devido a mudanças estruturais, como a globalização, inovações tecnológicas ou mudanças na distribuição de renda – e não por causa de uma política cambial extemporânea e inadequada ao combate inflacionário.
Na verdade, as economias wage-led e export-led não são mutuamente exclusivas. Uma orientação pragmática da economia brasileira pode estimular a demanda doméstica (wage-led) e, ao mesmo tempo, explorar mercados externos (export-led) para maximizar o crescimento.
Para determinar se uma economia é wage-led ou export-led, é necessário analisar como o crescimento econômico é impulsionado e quais são os principais motores da demanda agregada. Enquanto uma economia wage-led se baseia principalmente na força da demanda doméstica, alimentada pelo aumento dos salários, uma economia export-led depende da competitividade internacional e da demanda externa para sustentar seu crescimento.
Ambos os regimes têm suas próprias vantagens e desvantagens, a depender de como, de acordo com suas circunstâncias estruturais e demográficas, ela equilibra essas diferentes forças.
“Detalhe” relevante: é um erro de análise factual pregar o diagnóstico da desindustrialização por conta da “doença holandesa”. Na realidade, essa pressuposta “desindustrialização” é um mito dos lobistas industriais!
Segundo o IBGE-SCN 1T24, a participação relativa no valor adicionado a preços básicos (desconsiderando a média de 14,1% de impostos para atingir o PIB) da Indústria Geral na estrutura setorial da produção praticamente se mantém em torno de 21,9% de 1995 a 2023. Tampouco a da Indústria de Transformação se altera tanto entre 1996 (13,1%) e 2023 (13,3%), embora tenha sofrido uma queda abaixo de sua média histórica (12,4%) no ciclo de 2011 a 2020, quando sua participação média ficou em 10,7%. Esse ciclo foi superado nos últimos três anos.
A indústria brasileira sempre foi desnacionalizada e sem autonomia tecnológica. A estratégia de seus acionistas estrangeiros visa explorar o mercado interno!
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb
A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA