Em defesa da greve nas Universidades Federais

Imagem: King Siberia
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Por WAGNER MIQUÉIAS DAMASCENO*

Derrubar o Arcabouço Fiscal é parte inseparável da luta em defesa do serviço público

A greve dos professores nas Universidades Federais foi deflagrada no dia 15 de abril deste ano. Até agora, já são 39 Universidades em greve e 11 com indicativo de greve para os próximos dias. Os Técnicos Administrativos em Educação (TAEs) das universidades e institutos federais já estão em greve, desde 11 de março.

Mas por que os professores decidiram cruzar os braços e entrar em greve? Por três demandas negligenciadas pelo governo: (i) recomposição salarial, (ii) reestruturação da carreira docente e (iii) recomposição do orçamento das Universidades e Institutos Federais.

A exigência por recomposição salarial é uma tentativa de repor as perdas dos últimos 14 anos. Essas perdas salariais perfazem 39%, como demonstra estudo específico do DIEESE. Ora, exigir que seus salários sejam recompostos conforme a inflação – cujos índices são produzidos pelo próprio Estado – é um direito de todo trabalhador. Entretanto, a resposta do governo federal, ainda no ano passado, foi categórica: reajuste zero para 2024.

Aqueles que são contrários à greve dos professores e se perfilam ao lado do governo, argumentam que, no ano passado, o governo Lula concedeu 9% de reajuste salarial para os professores e técnicos das Universidades Federais. Entretanto, se esquecem que: (a) o que foi exigido por essas categorias era uma recomposição emergencial de 26,9%; (b) que o percentual de 9% já havia sido decidido no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2022, feito pelo governo anterior; (c) e que, ainda assim, Lula tentou reduzi-lo a 8% em 2023.

Achamos a proposta de reajuste zero inadmissível e incongruente com a campanha do presidente durante as eleições. Além de sermos responsáveis pela formação de profissionais para o mundo do trabalho (médicos, engenheiros, sociólogos, professores, advogados, físicos etc.) nós, professores universitários, somos os principais responsáveis pela produção científica no país. A pandemia da COVID-19 mostrou a importância da ciência e dos cientistas para toda a sociedade.

Outra exigência da greve é a reestruturação da carreira. Isso significa unir o vencimento básico, a retribuição por titulação e todos os demais benefícios numa só remuneração salarial acabando, assim, com os chamados “penduricalhos” que não são incorporados à aposentadoria. Significa, também, a luta por uma carreira única no magistério federal e a estruturação de uma carreira que nos permita progredir e alcançar o seu topo.

A terceira exigência é a recomposição do orçamento das Universidades Federais. Segundo relatório do Observatório do Conhecimento, as universidades federais vêm perdendo orçamento nos últimos dez anos, como observável no gráfico abaixo.

Isso se traduz em universidades com falta de salas, salas sem ar condicionados e sem portas, cadeiras quebradas, obras inacabadas, redes de internet precárias, falta de laboratórios, laboratórios sem equipamentos etc.

Investir nas Universidades Federais é uma excelente forma de absorver uma força de trabalho especializada através de concursos públicos. E é uma importante medida para reverter a posição subordinada do Brasil na divisão mundial do trabalho.

O Brasil vem se cristalizando como uma neocolônia dos Estados Unidos, da União Europeia e da China, tornando-se um país cuja razão de existir é exportar matérias-primas produzidas ou extraídas em território nacional, para depois comprar desses países os produtos transformados com maior valor agregado. Não por acaso o carro chefe da economia brasileira, nas últimas décadas, tem sido a agropecuária, enquanto o papel da indústria de transformação no PIB declina.

Reindustrializar o país, investir em cadeias produtivas estratégicas e promover uma transição energética – fundamental para o enfrentamento à crise climática – não são tarefas exequíveis sem Universidades e Institutos Federais fortes e sem seus profissionais valorizados.

Dinheiro para isso tem, o problema reside na opção política feita pelo governo. O contingenciamento do orçamento das Universidades Federais obedece aos ditames do Arcabouço Fiscal, cuja razão de existir é restringir o investimento do Estado com serviços públicos para destinar bilhões de reais do dinheiro público para o pagamento de juros e amortizações da mal chamada dívida pública. Para termos uma ideia, em 2023, foram pagos R$ 1,89 trilhões para banqueiros e rentistas, enquanto foi destinado apenas R$ 129,4 bilhões para toda a Educação.

O que dizem os contrários à greve?

Quem diz que a greve docente favorece a extrema direita ignora um fato da realidade: governistas e bolsonaristas – dentro e fora das universidades – estão unidos tacitamente contra a greve.

Hostis às lutas dos trabalhadores e portadores de uma visão de mundo reacionária e anticientífica, os bolsonaristas se opõem à greve dos professores, ainda que, no plano do discurso, tentem usar dela para desgastar o governo Lula.

Já os petistas e governistas, desejam subordinar a luta dos professores à defesa do governo Lula. Alegam que a greve enfraquecerá um governo aliado e pavimentará o retorno da extrema-direita ao poder. O resultado dessa chantagem política é permitir que o governo Lula fique com as mãos livres para implementar um receituário neoliberal, enquanto os trabalhadores suportam resignados a perda de direitos e a corrosão do serviço público por temerem o retorno de Jair Bolsonaro ao poder.

Isso ajuda a entender, por exemplo, porque o Arcabouço Fiscal não encontrou a mesma resistência que encontrou a Lei de Teto de Gastos de Michel Temer (MDB). Em junho de 2016, Michel Temer criou a Lei do Teto de Gastos (PEC 241/16) para congelar investimentos nos Serviços Públicos Federais e, assim, garantir superávit para destinar bilhões aos banqueiros. Para aprová-la no congresso, Temer enfrentou atos nas principais capitais do país e enfrentou um ato em Brasília, com cerca de 20 mil manifestantes em dezembro de 2016.

Já o governo Lula criou e conseguiu aprovar o Arcabouço Fiscal – que nada mais é do que uma nova lei do teto de gastos semelhante à feita por Michel Temer – sem enfrentar qualquer resistência popular semelhante! Derrubar o Arcabouço Fiscal é parte inseparável da luta em defesa do serviço público.

Por fim, é preciso dizer que o que realmente fortalece a extrema direita não é a luta dos trabalhadores contra um governo que aplica políticas econômicas neoliberais, mas, sim, a aplicação de uma agenda econômica neoliberal. Quem tem o sincero temor de que a extrema direita possa retornar ao poder deve apostar na mobilização independente dos trabalhadores como a única forma de combater qualquer ameaça reacionária.

Afinal, a história já ensinou fartamente que não se combate a extrema direita através de projetos conciliatórios, mas mobilizando os trabalhadores em torno de seus interesses próprios que são os interesses da esmagadora maioria da sociedade.

*Wagner Miquéias Damasceno é professor do Departamento de Ciências Sociais da UNIRIO. Autor do livro Racismo, escravidão e capitalismo no brasil: uma abordagem marxista (Editora Mireveja).


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