Por PEDRO MIGUEL CARDOSO*
O rumo seguido pela economia global é social e ecologicamente insustentável e a expropriação das grandes fortunas são medidas imperativas
Em meios de comunicação social internacional tem sido levantada uma questão – inevitável no quadro do regime do capital a que estamos submetidos: quem será o primeiro trilionário (1 trilião em inglês ou 1 trilhão em português do Brasil equivale a mil biliões em português de Portugal) da história? Jeff Bezos fundador da Amazon? Bill Gates fundador da Microsoft? E como não há mulheres nesta corrida da frente, algum outro super-rico? Entraremos a prazo na época dos trilionários! Façamos um breve diagnóstico desta problemática socioeconómica e apresentemos o óbvio tratamento. Há uma palavra que resume o problema e a solução: expropriações!
Os grandes capitalistas expropriam a sociedade e apropriam-se da natureza
Todas as fortunas são baseadas em mecanismos de expropriação à sociedade. Muitas vezes, literalmente um roubo! Usando práticas ilegais e de violência explícita. Seja no passado como na atualidade os exemplos são inúmeros. A expropriação e expulsão dos camponeses do campo, ações de saque colonial, o desvio de recursos públicos, etc. E depois temos as práticas que são legalizadas, o que não significa que sejam eticamente corretas, ou garantidas legalmente com destaque na atualidade para os salários injustos pagos à esmagadora maioria dos trabalhadores, para as dívidas com juros farfalhudos e para os famosos paraísos que são infernos fiscais – os recentes papéis de Pandora recordam-nos a dimensão do problema.
Há pessoas e conglomerados económico-financeiros com mais dinheiro que países inteiros e muitos milhões de pessoas que vivem na miséria. Segundo um estudo publicado em 2017 pela organização Oxfam, intitulado “uma economia para os 99%”, os 8 super-ricos têm tanta riqueza como as 3,6 mil milhões de pessoas mais pobres do mundo. Os super-ricos não precisam de jogar na lotaria, porque ganham a lotaria todas as semanas, podem comprar todos os bilhetes! E o que fazem por isso? Muito pouco! São como carrapatos gigantes presos ao corpo socioeconómico que sugam a riqueza produzida por milhões e milhões de pessoas e as ofertas da natureza.
A natureza é também apropriada e expropriada do comum pelo capital, a baixo custo e sem que os custos das externalidades negativas das atividades sejam pagos. Para a valorização e para os lucros do capital, o fluxo de mão de obra e recursos naturais baratos não pode parar. As emissões de gases com efeito de estufa, a poluição, a perda da biodiversidade, a degradação dos ecossistemas que resultam de muitas atividades são custos não pagos por quem enriquece com elas. Quem paga a fatura, em regra, são as comunidades, os Estados e as gerações futuras que viverão num planeta empobrecido.
Por que é que devem ser expropriados?
A primeira razão é que a acumulação capitalista, se não for travada, impõe determinações destrutivas para as pessoas e os ecossistemas. A lógica de competição entre os capitais impõe o crescer ou ser engolido. A produção capitalista não pode ser racional e sustentável porque apenas está ao serviço da valorização do capital, através dos mercados.
A segunda razão é que não há democracia, mesmo que meramente formal e restrita à esfera político-institucional (uma verdadeira democracia económica e social é incompatível com o capitalismo), que seja saudável com desigualdades assim. Os poderosos detentores das maiores fortunas têm capacidade para influenciar determinantemente os resultados das eleições, nomeadamente pelo controlo dos órgãos de comunicação social privados e também dos públicos. A corrupção, as portas giratórias e o financiamento político são outros mecanismos usados para controlar o Estado e condicionar a “democracia” liberal.
A terceira razão é evidente pelo que foi exposto acima: os capitalistas, sobretudo os grandes, expropriam e por isso devem ser expropriados. Se expropriam a sociedade e abusam da natureza é totalmente legítimo e justo que sejam expropriados. É apenas a sociedade a reaver o que lhe foi subtraído, retirado ou roubado.
Como devem ser expropriados?
A taxação das fortunas ou os impostos progressivos têm atualmente impacto limitado como forma de tratamento, devido aos mecanismos internacionais de fuga e proteção de fortunas. Por isso, a somar ao combate para acabar com esses estratagemas, é cada vez mais necessário trazer para a mesa das soluções, o uso formas de expropriação de bens imóveis que não possam sair do país. Além disso, a expropriação da banca, empresas energéticas e farmacêuticas nas mãos de privados são alavancas fundamentais para devolver aos Estados e aos povos capacidade de enfrentarem os difíceis desafios que têm pela frente. O cancelamento de dívidas ilegítimas e uma mudança radical na organização e funcionamento do sistema financeiro e monetário global são também necessidades de sobrevivência para a humanidade.
Resumindo: o rumo seguido pela economia global é social e ecologicamente insustentável e a expropriação das grandes fortunas são medidas não apenas justas – moral, económica e politicamente – mas também imperativas.
*Pedro Miguel Cardoso é pesquisador em economia política e ecológica.
Publicado originalmente no portal Brasil 247.