Ideia de raça

Imagem: Hamilton Grimaldi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por GERALDO OLIVEIRA*

Subterfúgios do afrodescendente ante ao racismo fenótipo

Quando se expressa a respeito da formação étnica nacional, um dos pontos elencados e propiciador de debates é a consideração com referência à as diferenças raciais, e sua consequente miscigenação produzida desde os tempos coloniais. Essa mistura racial produziu uma variação de características físicas, que vai desde a coloração da pele, o aspecto do cabelo e formato facial, e que de certa maneira, deve ter influenciado a concepção de uma nação fundada na democracia racial de seu povo.

Referente a essa ideia de raça, é salutar esclarecer que no sentido biológico do termo, essa concepção é inapropriada, devido a existência de mais variação genotípica entre os indivíduos do que entre as raças. E ademais, raça é uma construção social associada a crença biológica, com o objetivo de diferenciar a capacidade e direitos de grupos, com características genotípicas ou fenotípicas reais ou imputadas. (MASON, apud SANTOS, 2005).

A respeito da teoria de democracia racial e da política de branqueamento produzida no final do século XIX e no limiar do século XX, é imprescindível destacar que ambas escamoteavam um racismo e uma negação cultural, que conforme salienta Souza (2019), expressa a não percepção de nenhuma virtualidade no negro, inclusive e em suas manifestações culturais.

Para sustentar as teses racistas (RODRIGUES apud MUNANGA, 2009) salienta que o médico maranhense, Raimundo Nina Rodrigues, influenciado pelo pensamento da época – especialmente pelas escolas evolucionista inglesa, a de criminologia italiana e a nova escola médico-legal francesa -, elabora no limiar do século XX as suas teorias raciais, em que aponta que o único caminho para o desenvolvimento de uma civilização no Brasil  seria na aposta no branco. Por que o negro, devido a sua inferioridade racial, no processo de miscigenação não contribuiria para elevação civilizatória e racial, ao contrário, produziria desequilíbrio, degeneração e perturbação que perpetuaria nas gerações futuras.

Certamente, tais argumentações ideológicas, sustentadas pelo poderio político e econômico do branco, disseminou a autonegação do negro, e o levou a ter como única referência plausível, ou seu próprio espelho de significação e sentido, a identidade imposta pelo branco.

Por isso que, ao analisar a desigualdade racial no Brasil, Ribeiro (2017) aponta  o fenômeno do embranquecimento entre a população negra, que ocorre ou diante da mobilidade social ascendente, produzida por fatores econômicos, ou então pelo processo de educacional, que como sabemos, toda sua estruturação, organização e conteúdo, traz a marca do grupo dominante e branco.

A teoria bourdieusiana, nesse quesito, é muito peculiar para explicar a inculcação dos interesses dos grupos dominantes por meio do processo educacional.  Comentando a respeito de Bourdieu, Silva; São João(2014) expressa que por meio da ação pedagógica, os grupos dominantes inculcam de forma arbitraria suas convicções, valores e preferencias, e de outro lado, o educando aceita e naturaliza os conteúdos impostos.

O processo de negação e introjeção do outro, no caso referenciado o branco, produziu a nível nacional uma espécie de classificação ou hierarquização racial, que segundo Ribeiro (2017) pode ser definido como hierarquia de status. Segundo o autor, como a raça no Brasil é definida pela aparência e não pela origem ou ancestralidade, como nos Estados Unidos, surge então, uma classificação de status que vai do branco claro (caucasoide) ao bem escuro preto (negroide). E nessa estratificação, também denominada de continuo racial, as pessoas que não tem a pele escura ou preta, e que não são claras ou brancas, tendem a se classificar mais próximo do branco, ou então branco, denominado pelo autor como classificação ambígua.

Mas como isso está fundamentado num  racismo fenótipo e na auto negação, Nascimento (2016) aponta que em suas pesquisas de campo no Rio de Janeiro pode perceber nas entrevistas, o discurso proferido pelas mães as filhas, que elas deveriam “embranquecer o útero”, que em outras palavras, significa opor ao seu próprio referencial, e gerar filhos que refletem e que tenham as características do caucasiano europeu.

Todavia, quando refletimos sobre o desejo de embranquecimento do útero, e aliamos com a proposta dos governos no início do século passado em incentivar a emigração branca, percebemos que  o intuito não é valorização das diferenças produzidas pelos casamentos interraciais, mas sim, a crença fundamentada na pseudociência da época, que a formação genética do povo negro africano, não se sustentaria nos cruzamentos interraciais, e que com tempo a sociedade seria menos negra e estamparia a característica do branco caucasiano.  (NASCIMENTO, 2016).

A despeito dos casamentos interraciais no Brasil, Ribeiro (2017) destaca, que apesar da não existência de leis segregacionistas, e que os casamentos interraciais são mais comuns do que nos EUA, mas por outro lado, aponta que os padrões de casamentos não são aleatórios. Nos bairros e regiões de classes mais baixas, onde os níveis de segregação espacial, (branco versus não brancos) são mais moderados, a sociabilidade e as amizades raciais facilitam os casamentos interraciais, do que nos bairros ricos que são predominantemente brancos. Ademais, o autor atesta que as barreiras interraciais estão diminuindo, e que são mais fracas nas regiões do nordeste, e que são mais fluidas entre brancos e pardos do que entre pretos e pardos. E outro fenômeno evidenciado, é que os pretos pobres, tendem a casar entre si devido à sua presença majoritária nos extratos sociais inferiores, e com os brancos, normalmente depende se o negro possui elevada educação. E ainda temos, o chamado troca de status, que significa que homens pretos e pardos mais educados, tendem a se casar com mulheres brancas menos educadas.

Esse contexto que impõe aos negros, em que um grupo étnico se torna a única referência e definidora de comportamentos e visões de mundo, só pode ter como resultado, a aniquilação das diferenças e a impossibilidade da convivência na diversidade. Estratificar ou classificar é determinar escala de valores, que indubitavelmente, apaga a compreensão que cada ser humano é uma pessoa, dotada de capacidade e direitos e que merece ser enaltecido.

*Geraldo Oliveira é mestre em Ciências Sociais pela PUC-Minas.

 

Referências


MUNANGA, Kabengele. Negros e mestiços na obra de Nina Rodrigues. In: ALMEIDA, Adroaldo José Silva; SANTOS, Lyndon de Araújo; FERRETTI, Sergio (org.). Religião, raça e identidade: colóquio do centenário da morte de Nina Rodrigues. São Paulo: Paulinas, 2009. (Coleções estudos da ABHR; 6)

NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo; Perspectiva, 2016.

RIBEIRO, Carlos Antônio Costa. CONTÍNUO RACIAL, MOBILIDADE SOCIAL E “EMBRANQUECIMENTO”. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 32, n. 95. 2017.   Disponivel<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092017000300512&lng=en&nrm=iso

SANTOS, José Alcides F. “Efeitos de Classe na Desigualdade Racial no Brasil”. Dados, v. 48, n. 1, pp. 21 a 65, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582005000100003

SILVA, Joao Henrique; SÃO JOÃO, Adriano.Bourdieu: escola e dominação. Revista Filosofia Ciência e vida, n. 95, p.15-23, jun., 2014

 

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
João Lanari Bo Vanderlei Tenório Celso Frederico José Micaelson Lacerda Morais Elias Jabbour Marcelo Guimarães Lima André Márcio Neves Soares Eleutério F. S. Prado José Costa Júnior Gerson Almeida Lincoln Secco Paulo Fernandes Silveira Ricardo Fabbrini Denilson Cordeiro Remy José Fontana Vladimir Safatle José Luís Fiori Paulo Capel Narvai Leonardo Boff Francisco Fernandes Ladeira Boaventura de Sousa Santos Jorge Luiz Souto Maior Daniel Brazil Francisco de Oliveira Barros Júnior Sergio Amadeu da Silveira Vinício Carrilho Martinez Paulo Martins Tales Ab'Sáber Osvaldo Coggiola Milton Pinheiro Celso Favaretto Henri Acselrad Tadeu Valadares Ricardo Musse Marcos Aurélio da Silva Michael Roberts João Carlos Salles João Carlos Loebens Antonino Infranca Gilberto Lopes Luis Felipe Miguel Antônio Sales Rios Neto Leonardo Avritzer Carla Teixeira Anselm Jappe Ronald Rocha Luciano Nascimento Slavoj Žižek Chico Whitaker Flávio Aguiar Maria Rita Kehl Bruno Machado Marilia Pacheco Fiorillo Lorenzo Vitral João Adolfo Hansen Luiz Renato Martins Leonardo Sacramento Bruno Fabricio Alcebino da Silva Jean Marc Von Der Weid Gilberto Maringoni Marilena Chauí Mário Maestri Henry Burnett Annateresa Fabris Daniel Afonso da Silva Berenice Bento Matheus Silveira de Souza Valerio Arcary Tarso Genro Bento Prado Jr. Eleonora Albano Mariarosaria Fabris Marjorie C. Marona Claudio Katz Valerio Arcary Salem Nasser João Sette Whitaker Ferreira Dênis de Moraes Armando Boito Luiz Bernardo Pericás Andrés del Río Thomas Piketty Fernando Nogueira da Costa João Paulo Ayub Fonseca João Feres Júnior Renato Dagnino Alexandre Aragão de Albuquerque Plínio de Arruda Sampaio Jr. Luiz Marques Leda Maria Paulani Luís Fernando Vitagliano Ronald León Núñez Michel Goulart da Silva Ronaldo Tadeu de Souza Eliziário Andrade André Singer Alysson Leandro Mascaro Benicio Viero Schmidt Liszt Vieira Igor Felippe Santos Michael Löwy Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Otaviano Helene Rafael R. Ioris Bernardo Ricupero Manchetômetro Carlos Tautz Alexandre de Freitas Barbosa Juarez Guimarães Paulo Sérgio Pinheiro Marcos Silva José Raimundo Trindade Daniel Costa Fábio Konder Comparato Everaldo de Oliveira Andrade José Geraldo Couto Sandra Bitencourt Alexandre de Lima Castro Tranjan Antonio Martins Marcelo Módolo Ricardo Abramovay Rodrigo de Faria Dennis Oliveira Julian Rodrigues Érico Andrade Marcus Ianoni Andrew Korybko Rubens Pinto Lyra José Machado Moita Neto Fernão Pessoa Ramos Chico Alencar Lucas Fiaschetti Estevez Luiz Roberto Alves Walnice Nogueira Galvão Manuel Domingos Neto Priscila Figueiredo Heraldo Campos Gabriel Cohn Luiz Carlos Bresser-Pereira Airton Paschoa Samuel Kilsztajn Jorge Branco Ladislau Dowbor Jean Pierre Chauvin Yuri Martins-Fontes Paulo Nogueira Batista Jr Eugênio Bucci Flávio R. Kothe José Dirceu Atilio A. Boron Caio Bugiato Francisco Pereira de Farias Kátia Gerab Baggio Luiz Eduardo Soares Eduardo Borges Ricardo Antunes Ari Marcelo Solon Luiz Werneck Vianna Afrânio Catani Eugênio Trivinho

NOVAS PUBLICAÇÕES