Movimento estudantil, luta de classes e hegemonia

Imagem: Erik Mclean
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Por GABRIEL TELES*

A relação direta entre o movimento estudantil e a dinâmica das lutas de classes na sociedade capitalista

O presente trabalho tem como objetivo uma breve análise da relação entre movimento estudantil e a dinâmica da luta de classes no interior dos conflitos da sociedade capitalista. Trata-se de perceber o movimento estudantil a partir de sua base social e sua relação com as lutas entre as classes sociais no interior do capitalismo. Portanto, buscamos responder a seguinte questão: qual o impacto da luta de classes no interior do movimento estudantil, sobretudo em sua composição social e na constituição de uma hegemonia interna?

O presente trabalho, portanto, possui o seguinte itinerário: (1) apresentação de uma análise crítica da discussão sobre o movimento estudantil; (2) apresentação concepção marxista de movimento estudantil; (3) a relação entre movimento estudantil, classes sociais e as lutas de classes. A discussão aqui realizada é expressão de um resultado parcial de uma pesquisa mais ampla, que versa sobre a análise marxista sobre o movimento estudantil em nível teórico, já iniciada em outros trabalhos.

 

Movimento estudantil: a disputa por seu significado

O movimento estudantil se apresenta, na paisagem contraditória da sociedade capitalista, enquanto um dos movimentos sociais de maior importância no ensejo pela transformação social. Por esse ângulo, as experiências de luta e resistência dos estudantes torna-se alvo de debates e interpretações sobre o seu significado histórico e seu potencial transformador e/ou conservador. Assim, o movimento estudantil é prenhe de diversas interpretações e abordagens teórico-metodológicas, que buscam elucidar e efetivar o processo analítico. Por esse motivo, é impossível colocar a existência de tão-somente uma “interpretação” ou “explicação” do movimento estudantil.

O que descortina toda essa gama de abordagens distintas acerca das mobilizações do movimento estudantil, entre outros elementos, é a perspectiva social e política da qual um pesquisador está partindo. Há uma batalha em torno do que pode vir a ser o termo “movimento estudantil”. É o que Mikhail Bakhtin (2009) chama de luta de classes em torno do signo. Os fenômenos/seres existem independentemente da consciência que os seres humanos possuem sobre ele. Quando há a percepção desse fenômeno/ser, ou seja, quando há a sua consciência, então os definimos ou conceituamos a fim de expressar o seu significado. Nesse sentido, o movimento estudantil (ser) existe, independente da ideia que temos sobre ele (signo).

Em suma, essa diversidade existente é caudatária da luta de classes, onde a perspectiva de classe possui um papel importante que deriva uma escolha teórica e metodológica. Deste modo, o movimento estudantil foi analisado sob diversos pilares interpretativos. Podemos estruturar essas análises em duas grandes abordagens: as geracionais (FEUER, 1969; ALTABACH, 1967) e as classistas (MARTINS FILHO, 1987; FORACCHI, 1965; FORACCHI, 1977; FORACCHI, 1969).

A abordagem geracional ancora-se em uma análise que focaliza o caráter geracional do movimento estudantil, especialmente vinculando-o as discussões da juventude no geral. Trata-se de pensar o movimento estudantil enquanto um movimento essencialmente juvenil, onde as discussões giram em torno da rebeldia juvenil, seus aspectos culturais, modos de ser, etc. Geralmente, nesta abordagem, o conflito e as mobilizações geradas no interior da condição estudantil não é vista sobre o prisma e vinculados a conflitos mais gerais da sociedade (tal como a luta de classes), mas sim por questões pontuais, insuladas das demais determinações da totalidade das relações sociais da sociedade capitalista.

Nessa perspectiva, perde-se de vista as múltiplas determinações do fenômeno estudado e cria-se modelos analíticos que não conseguem desnudar a realidade concreta. Além disso, um outro problema analítico é vincular a base do movimento estudantil diretamente a juventude. Nem todo movimento juvenil está ligado a condição e pautas estudantis e nem todos os integrantes do movimento estudantil são de origem juvenil (DOS ANJOS & TELES, 2019). Assim, a base social do movimento estudantil são os estudantes (aprofundaremos essa questão logo adiante).

A abordagem classista nas análises do movimento estudantil avança no sentido de colocar que a base social do movimento estudantil possui uma composição de classe. Assim, vincula-se os conflitos e mobilizações deste movimento social a conflitos e mobilizações da sociedade no geral. No entanto, grande parte da literatura da abordagem classista do movimento estudantil, sobretudo as pesquisas brasileiras, relegam o movimento estudantil enquanto um movimento essencialmente de “classe média” e/ou derivado da pequena-burguesia (FORACCHI, 1977; COIMBRA, 1981; POERNER, 2004; ALBUQUERQUE, 1977). Trata-se de um essencialismo que não corresponde à realidade.

Marialice Foracchi em seu livro clássico O estudante e a transformação da sociedade brasileira, por exemplo, demonstra os vínculos entre o estudante universitário e a sua classe de origem, a classe média. Essa vinculação entre estudante e classe média se dá recorrendo às relações familiares (que expressam vínculos de dependência e manutenção) e as relações de produção derivadas do sustento do núcleo familiar. A autora, que avança em muitos aspectos acerca da condição estudantil, especialmente a transformação do jovem em estudante, cai em essencialismo relegando a condição estudantil de sua época como a essência da condição estudantil no geral em nível conceitual. Em sua época, sem dúvidas, as chamadas “classe média” podiam ser a quase totalidade dos estudantes universitários, mas este elemento não deve ser transplantado para a análise teórica e abstrata[i] acerca do movimento estudantil.

Em síntese, tanto a abordagem geracional quanto a abordagem classista, apesar de seus elementos que contribuem para a análise do movimento estudantil, não conseguem avançar na análise conceitual do movimento estudantil. Em nossa perspectiva, a concepção marxista do movimento estudantil consegue desvincular dos limites das abordagens citadas e avançar na discussão. É o que colocaremos de forma breve no próximo tópico.

 

Elementos para uma concepção marxista de movimento estudantil

A concepção marxista de movimento estudantil pressupõe uma concepção marxista de movimento social e da sociedade no geral. Nesse sentido, à luz do método dialético, é impossível analisar o movimento estudantil apartado da sociedade e suas determinações. Assim, se é certo que este movimento pode ser caracterizado como uma totalidade, é igualmente certo que ele está inserido numa totalidade maior que é a sociedade capitalista (TELES, 2018). Assim, entendemos movimento social como uma mobilização de grupos sociais (JENSEN, 2014) derivadas de determinadas situações sociais que geram insatisfação social, senso de pertencimento e determinados objetivos.[ii] (VIANA, 2016; TELES, 2017).

O movimento estudantil contempla todos estes elementos e é, portanto, um movimento social específico. O grupo social de base do movimento estudantil é, obviamente, os estudantes. É a sua situação social específica (condição estudantil) que gera este grupo social, sendo caracterizado enquanto um grupo situacional. No entanto, é necessário que os estudantes possuam uma insatisfação sobre a sua situação, percebendo-a coletivamente e mobilizo-a a partir de determinados objetivos.

Assim, a condição estudantil produz uma variedade de formas de insatisfações sociais, especialmente aquelas que giram em torno do espaço escolar/universitário, tais como a precarização da assistência estudantil, relação entre professores/estudantes, falta de infraestrutura na escola/universidade etc., além de outras situações específicas dos subgrupos que formam os estudantes.

O senso de pertencimento no interior dos estudantes é facilitado pelo fato de passarem grande parte de seus dias em um mesmo local, o espaço escolar/universitário. Assim, este espaço é o local onde ocorre o processo de aprendizagem a partir das instituições escolares, mas é igualmente um espaço de socialização, troca de experiência entre os estudantes. A consciência e percepção de suas insatisfações só podem ser sanadas a partir de sua coletividade, enquanto problema não dos indivíduos estudantes, mas do grupo estudantil em sua totalidade. Se estes estudantes se mobilizam a partir de um objetivo, então teremos um movimento estudantil.

Em síntese, entendemos movimento estudantil enquanto um movimento social específico que expressa a mobilização de estudantes derivados de sua condição estudantil.

Tal movimento é constituído pelo grupo social estudantil, que se articula através de reivindicações referentes a da área educacional[iii].

Estes são os elementos fundamentais de uma discussão marxista acerca da conceituação e definição do movimento estudantil. Existem, evidentemente, outras determinações, o que pode ser visto em Sanchez (2000), Bringel (2009), Cohn-Bendit (1981), Guimarães (2011), entre outros autores.

Já evidenciado o nosso conceito de movimento estudantil, resta-nos saber como se dá a relação entre este movimento estudantil e a dinâmica da luta de classes no interior da sociedade capitalista.

 

Movimento estudantil e lutas de classes

Um dos pilares da análise histórica da humanidade, a partir do marxismo, é a ideia que a luta de classes é o motor da história. Marx e Engels, no Manifesto comunista já colocavam: “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes” (MARX & ENGELS, 2010, P. 40). Assim, a dinâmica deste determinado conflito social torna-se de grande importância analítica, já que as transformações societárias perpassam as lutas das classes sociais postas em uma determinada sociedade e há consequências para outras relações sociais, tais como os conflitos dos grupos dos movimentos sociais.

Compreendemos aqui classes sociais no sentido marxista, isto é, como um conjunto de indivíduos que possuem um determinado modo de vida, interesses e lutas em comum contra outras classes sociais a partir de uma determinada atividade estabelecida na divisão social do trabalho, derivada pelo modo de produção dominante (MARX, 2010; MARX, 1986; MARX & ENGELS, 1992; VIANA, 2012).

A dinâmica das lutas de classes traz consequências diretas para o movimento estudantil, e a forma como colocaremos essa relação será a partir de dois elementos: a composição de classe do movimento estudantil e a hegemonia em seu interior.

A base social do movimento estudantil, como já colocamos, são os estudantes, que não são homogêneos. Um estudante possui um determinado pertencimento de classe, já que ele pode ser vinculado à burguesia, proletariado, camponês, etc. Por esse ângulo, o movimento estudantil é um movimento essencialmente policlassista (excetuando algumas poucas ramificações deste movimento que podem apresentar tendências monoclassistas). Este elemento trará consequências profundas em suas mobilizações, objetivos, etc., já que um determinado pertencimento de classe gera formas diferentes de agir no mundo, acesso a bens, recursos, determinada forma cultural, etc. Assim, a composição de classe do movimento estudantil reflete o pertencimento de classe dos indivíduos que o compõe.

Outro elemento, igualmente importante, é a hegemonia no interior do movimento estudantil. Hegemonia entendida como vigência cultural, o que remete ao que é predominante do ponto de vista das representações, cultural, valores, etc., no interior de uma determinada coletividade (MARÍAS, 1955; MACHADO NETO, 1968; VIANA, 2016)[iv]. Assim, quando nos referimos a hegemonia no movimento estudantil trata-se do que é vigente em sua dinâmica mobilizadora. Além destas questões, é necessário também explicitar que analisar a composição de classe do movimento estudantil e examinar a sua posição de classe são aspectos distintos do processo analítico.

Por esse ângulo, assimilando estes aspectos (composição de classe e hegemonia) podemos notar que o movimento estudantil possui diversas ramificações (organizações, subgrupos, manifestações, etc.) e tendências (orientações políticas a partir de ideologias, doutrinas, teoria, etc.) em sua dinâmica. Por isso podemos ver uma multiplicidade de expressões no interior do movimento estudantil, algumas delas antagônicas entre si.

Mas qual a relação entre a composição social e hegemonia? Nildo Viana, ao tratar dos movimentos sociais a nível teórico nos ajuda a compreender essa questão na análise concreta do movimento estudantil: “Quando a composição social do movimento social ou de determinada ramificação é das classes desprivilegiadas, ela tende a ter especificidades e mais elementos contraditórios quando submetida à hegemonia burguesa. Quando a composição social é marcadamente das classes privilegiadas, então a hegemonia burguesa tende a reinar sem grandes contradições, a não ser em ramificações determinadas. Mas existem divergência em ambos os casos e em todos os sentidos, o que somente análises de casos concretos pode resolver. É possível, por exemplo, setores de um movimento social cuja composição social é predominantemente das classes desprivilegiadas romperem com toda contradição e aderirem totalmente à hegemonia burguesa ou à hegemonia proletária. Da mesma forma, o mesmo pode ocorrer no caso de um movimento social cuja composição social é das classes privilegiadas (especialmente na classe menos integrada no seu interior, a intelectualidade), o que é mais comum quando há ascensão das lutas sociais, especialmente as lutas operárias” (VIANA, 2016, P. 57-58).

Posto isso, podemos avançar no sentido de pensar os tipos de movimento estudantil existentes, tendo em vista tanto a sua composição de classe quanto a hegemonia. Nesse sentido, há três variantes de movimento estudantil: o movimento estudantil conservador, reformista e revolucionário.

O movimento estudantil conservador expressa a hegemonia burguesa no seu interior, contribuindo para a reprodução da sociedade a partir de objetivos específicos estudantis. Exemplos: juventude estudantil nazista na Alemanha, estudantes democráticos cristãos no Brasil, etc. A sua ação está articulada, geralmente, com a ala reacionária do bloco dominante. Em tempos de estabilização da dinâmica da acumulação de capital, o movimento estudantil conservador possui pouca adesão ou ressonância política no interior dos conflitos estudantis. É nos momentos de crise do capitalismo, na intensificação e radicalização dos conflitos sociais que esta tendência emerge com mais força e número, expressando a reação das classes sociais superiores ligadas ao bloco dominante.

Associadas a doutrinas, ideologias e representações que expressam objetivos reacionários, assumem formas variadas de acordo com cada caso concreto, tais como as variantes conservantista, fascista, liberal-conservantista, neonazistas, etc. Tais objetivos apontam para o combate as organizações estudantis radicais e revolucionárias, a busca pela hegemonia conservadora no interior do grupo estudantil (utilizando-se do discurso moral, criação de inimigos imaginários, etc.), a articulação com outros movimentos sociais que possuem tendências conservadoras, entre outras reivindicações.

A relação do movimento estudantil conservador com o Estado dependerá da composição política que assume o controle estatal. Se o governo estiver ligado a partidos de esquerda (progressistas), a relação é de combate e denúncia. Caso sejam governos ligados a partidos de direita, a relação é de aliança e defesa. Um exemplo concreto deste último caso é a história e o desenvolvimento da juventude estudantil hitlerista. Inicialmente era uma organização no seio da juventude e dos estudantes de cunho paramilitar que apoiava a ascensão do partido nazista na Alemanha.

Com a tomada do poder por Hitler, a juventude estudantil hitlerista se torna política de estado, tornando, a partir de 1933, uma organização ligada ao ministério da Educação e incentivada pelo Estado no geral e pela instituição escolar/universitária em específico, angariando cerca de dois milhões de estudantes no final do primeiro ano de governo nazista. Em 1939 a filiação a essa organização tornou-se obrigatória em toda a Alemanha o que a fez chegar ao número surpreendente de 5 milhões de filiados (MONTEIRO, 2013). Tal organização mobilizadora, neste momento, metamorfoseia, se autonomizando, perdendo o seu vínculo com o movimento estudantil e se tornando uma autêntica organização burocrática ligada diretamente ao Estado.

O movimento estudantil reformista (ou progressista) expressa sua ambiguidade entre a hegemonia burguesa e burocrática, lutando por reformas pontuais tanto no que concerne à educação em específico quanto as que atingem a sociedade no geral. Devido a sua composição social ampla e pela dinâmica interna dos conflitos estudantis, é a variante com o maior número de organizações, correntes, indivíduos mobilizados, etc. A determinação fundamental do movimento estudantil reformista é a sua relação e sua reivindicação endereçada ao Estado.

A mobilização, das mais variadas tendências no interior do movimento estudantil reformista, está ligada as reformas sociais, alterações em políticas educacionais, mais verbas para a educação e pesquisa, mudanças legislativas, etc. Assim, as ramificações do movimento estudantil reformista estão ligadas, quase sempre, ao bloco progressista, hegemonizados por partidos políticos de esquerda ou as juventudes ligadas a esses mesmos partidos. Devido a sua amplitude, esse tipo de movimento estudantil possui diversas tendências, indo desde as mais moderadas até suas alas extremistas – que supostamente reivindicam a transformação radical da sociedade.

Um exemplo nacional de um movimento estudantil reformista é a União Nacional dos Estudantes (UNE), que analisamos em outros trabalhos (TELES, 2019a; MAIA & TELES, 2016). Hegemonicamente, desde a sua fundação, a sua diretoria está ligada aos partidos políticos de “esquerda”, “reformista”, (excetuando alguns mandatos na década de 50 e 60) e nunca buscou romper com a legalidade estatal. A UNE, especialmente a partir da redemocratização do país no final da década de 1980, sempre esteve integrada e articulada ao bloco progressista, sobretudo aos setores mais competitivos eleitoralmente – Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido dos Trabalhadores (PT). Desde a década de 1980, estes dois partidos políticos hegemonizaram a UNE, criando um aparelhamento que perdura há mais de 30 anos. Assim, até 2002, se consolidaram sempre como oposição ao governo federal. Mas é a partir de 2003, quando parte do bloco progressista consegue chegar ao poder federal que ocorre uma metamorfose: de oposição ao governo torna-se situação às suas medidas.

Dessa forma, a UNE nos governos petistas significou, no interior do movimento estudantil, a mobilização pela modernização do capitalismo subordinado brasileiro. O elemento que explica a mobilização desta entidade contra os governos neoliberais de Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), ao mesmo tempo em que há a defesa do governo de Luís Inácio Lula da Silva, é a composição da diretoria da UNE, aparelhada por partidos políticos, especialmente o PCdoB, que compunha o governo federal.

Os reais objetivos desta entidade, materializado em suas diversas mobilizações e reivindicações, significaram a manutenção das medidas neoliberais não apenas nas políticas educacionais (principalmente o ProUni e REUNI), mas em toda a sociedade brasileira implementadas pelo governo Lula (TELES, 2019b) e posteriormente ao governo Dilma. O processo de dissimulação-simulação foi a estratégia mais utilizada pela UNE para ofuscar seus reis interesses, apresentando-os como interesses dos estudantes no geral.

Por fim, o movimento estudantil revolucionário, devido ao peso da hegemonia burguesa na sociedade, é marginalizado e periférico pois expressa a hegemonia proletária, articulando as demandas estudantis específicas com a questão da transformação social revolucionária. Uma hegemonia dos movimentos sociais revolucionários torna-se raro na sociedade capitalista devido ao seu caráter revolucionário; daí que sua hegemonia só aparece em momentos de radicalização da luta de classes, articuladas, geralmente, ao movimento operário no estágio autônomo ou autogestionário de suas lutas[v].

Aqui, para não haver dúvidas ou interpretações equivocadas, estamos nos referindo a hegemonia no interior do movimento estudantil, e não na possibilidade de sua existência ou manutenção. Por esse ângulo, mesmo que não haja uma hegemonia da variedade revolucionária do movimento estudantil, as ramificações revolucionárias existem, apesar de seu pouco número em tempos não revolucionários.

O elemento fundamental dessa variedade é o ensejo pela transformação radical da sociedade e, portanto, da própria condição estudantil. O objetivo revolucionário no interior das reivindicações estudantis exige a articulação com o proletariado revolucionário, a classe social que tem a possibilidade e potencialidade de transformar o conjunto da sociedade devido a sua posição na divisão social do trabalho. Assim, as reivindicações específicas do grupo estudantil estão relacionadas as reivindicações universais da emancipação humana via revolução proletária. Devido aos seus objetivos e reivindicações, o movimento estudantil revolucionário possui uma orientação antiestatista em relação ao Estado e é alvo de repressão em suas mobilizações no geral.

O exemplo mais conhecido e radical dessa variedade foi a rebelião estudantil na França, especialmente na cidade de Paris, em 1968 (BRAGA & VIANA, 2019). O maio de 68 na França tornou-se a expressão mais profunda e radical da totalidade das lutas ocorridas no final da década de 60, época de crise de acumulação do modo de produção capitalista e da contestação mais ampla da sociedade por diversos setores das classes inferiores e dos movimentos sociais (especialmente o movimento estudantil).

Nesse contexto, o movimento estudantil francês se radicaliza em suas lutas contra a reorganização precarizante da educação no país (Plano Fouchet), cuja qualidade do ensino se deteriorou e a manutenção da condição estudantil tornara-se difícil. As ruas são tomadas, as universidades são ocupadas de forma generalizada e ocorre um aprofundamento dos conflitos gerais na França, aglutinando novos setores da sociedade civil e a radicalização de determinados setores do movimento operário francês, que fizeram a maior greve geral da história do país[vi]. A aliança operária-estudantil foi fundamental para criar um clima pré-revolucionário na França daquele período, possibilitando a concretização do projeto autogestionário (processo revolucionário) e a possibilidade das relações capitalistas tanto no plano das relações de produção quanto no interior das demais relações sociais[vii].

Devido ao espaço, não podemos desenvolver e aprofundar cada característica no que concerne a composição de classe e movimento estudantil, o que deixaremos para um outro trabalho ainda em desenvolvimento. Mas estes elementos são suficientes para demonstrar a complexidade e multiplicidade do movimento estudantil e sua relação com as lutas de classes.

 

Últimas palavras

A discussão expressa no presente texto apontou para a importância e a relação direta entre o movimento estudantil e a dinâmica das lutas de classes na sociedade capitalista. Trata-se de uma agenda de pesquisa que, com o devido desenvolvimento e aprofundamento, contribuirá para a elucidação deste fenômeno social à luz do marxismo.

A nossa contribuição aqui foi demonstrar não apenas a relação entre o movimento estudantil e a luta de classes, mas como os objetivos, reivindicações, formas de organização e as demais relações sociais (Estado, sociedade civil, etc.) desse movimento social específico, estão imerso e fazem parte da paisagem contraditória da sociedade capitalista cuja a dinâmica da luta de classes é fundamental.

*Gabriel Teles é doutorando em sociologia na Universidade de São Paulo (USP). Autor, entre outros livros, de Análise marxista dos movimentos sociais (Edições Redelp).

Publicado originalmente na revista Despierta, vol. 6; no. 06.

 

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Notas


[i] Entendemos abstração aqui no sentido de Marx, ou seja, como capacidade de abstração na análise dos fenômenos sociais (MARX, 2013)

[ii] A discussão acerca de cada elemento e conceito desta discussão pode ser vista de forma original em Viana (2016) e comentada por Teles (2017).

[iii] A relação com as questões referentes a Educação pode ser direta ou indireta. Assim, torna-se explicável determinadas ramificações do movimento estudantil lutar por aprovações de leis que extrapolam a questão estudantil ou a destruição da sociedade capitalista que gera a própria condição estudantil. Isso deriva da perspectiva política e objetivos colocados por cada caso concreto por algumas ramificações deste movimento.

[iv] A ideia de hegemonia nestes autores, apesar de algumas semelhanças, é distinta da colocado por Gramsci (1982) que seria “direção moral e intelectual” de uma determinada coletividade.

[v] Para a discussão a respeito dos estágios de lutas do movimento operário, ver cf. JENSEN, 2014.

[vi] “O ingresso do movimento operário no conflito se deu a partir de uma greve geral, de 24 horas, puxada pelas centrais sindicais francesas e encabeçada fundamentalmente pela CGT (Confederação Geral do Trabalho), entre os dias 13 e 14 de maio, constrangidos pela erupção estudantil. No entanto, apesar das centrais sindicais reforçarem a ideia de ser uma greve de um dia (e deixaremos isso mais claro nos próximos tópicos), o que se viu foi uma generalizada e simultânea greve, com ocupações de fábricas nunca antes vista na história francesa. Independentes dos sindicatos, os trabalhadores começaram a ocupar fábricas, cruzar os braços em greves e manter contato direto com os estudantes que buscam uma aliança com eles” (TELES, 2018).

[vii] Para maiores análises e informações sobre a rebelião estudantil no maio de 1968, cf. BRAGA & VIANA, 2019; TELES, 2018; BERNARDO, 2008; GREGOIRE & PERLMAN, 2018; WOODS, 2016; SOLIDARITY, 2006.

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