Nota sobre o bolsonarismo em Goiás
Por CILEIDE ALVES*
Tem a marca BBB (bala, Bíblia e boi), representando segurança pública, evangélicos e agronegócio, a base de sustentação política do presidente Jair Bolsonaro, mas isso ficou ainda mais evidente em Goiás nesta tensa semana de protestos de viés golpista patrocinados pelo Palácio do Planalto. A proximidade com Brasília, o conservadorismo sócio-político da população e a economia fincada no agronegócio explicam o que aconteceu, mas um foco mais aproximado revela uma fotografia detalhada desta história.
Presidente da Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg), o deputado federal José Mário Schreiner (DEM), representante do boi na marca BBB, publicou um vídeo nas redes sociais na noite de segunda-feira (6) com imagens do trânsito de caminhões na entrada de Brasília, todos devidamente paramentados para a manifestação do dia seguinte. Poucas horas depois, centenas de caminhões romperam o bloqueio da Polícia Militar e ocuparam parte da Esplanada dos Ministérios, de onde só começariam a sair na tarde de quinta-feira (9), após a divulgação da carta de Bolsonaro recuando dos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).
As faixas nos caminhões estacionados em Brasília, muitas delas com mensagens antidemocráticas, deixaram à vista marcas de empresas. A imprensaidentificou ao menos 19 caminhões com nomes e logos de duas companhias do agrobusiness de Goiás: 17 da Grão Dourado, empresa de armazenagem, industrialização e empacotamento de grãos, de Piracanjuba, e dois da Dez Alimentos, indústria de processamento de tomates, em Morrinhos.
Uma foto do jornalista Vinícius Sassine, publicada na Folha de S.Paulo, em 8 de setembro, mostra um caminhão da Dez Alimentos com uma faixa gigante onde se lê: “Pres. Bolsonaro, o câncer tem nome: STF, TSE, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Zé Dirceu, Lula, Dilma, Gleisi, Omar Azis, Renan Calheiros, Randolfe, Pacheco, Lira, Rodrigo Maia, Alcolumbre, etc.” Diretor da indústria e presidente do Sindicato Rural de Morrinhos, Arthur Chiari, publicou antes das manifestações posts em grupos de WhatsApp fotos de um ônibus contratado pelo Sindicato Rural para levar manifestantes de Morrinhos a Brasília. A família Chiari é grande produtora rural do sul de Goiás. Produz7 mil litros de leite por dia, tem uma das maiores áreas irrigadas do Estado e gado de elite, com laboratório de melhoramento genético, além da indústria de processamento de tomate.
O agronegócio também deu uma forcinha aos bloqueios das rodovias em 15 Estados brasileiros, a julgar pelas informações do presidente do Sindicatos dos Transportadores Autônomos de Carga de Goiás (Sinditac-GO), Vantuir Rodrigues, ao site Poder 360. “O caminhoneiro autônomo não está participando. Nada dessa pauta nos interessa. Quem está parado é o agronegócio. O agronegócio que quer destituir o STF, que está fazendo uma manifestação pró-governo. Só que estão usando a categoria como bode expiatório”, afirmou.
Os deputados João Campos (Republicanos), Glaustin da Fokus (PSC) e o senador Luiz do Carmo (MDB) – o “b” de Bíblia – empurraram suas bases religiosas para as manifestações como se pode ver por suas redes sociais. Francisco Júnior (PSD), igualmente da bancada religiosa, não declarou apoio público ao protesto, mas divulgou um vídeo enaltecendo o valor da liberdade no Dia da Independência. Certamente não é coincidência com o fato de a liberdade ter sido o mote dos discursos bolsonaristas.
O próprio Bolsonaro contribuiu para a mobilização em Goiás, dada a força de sua base no Estado e da proximidade com Brasília. No final de agosto ele passou dois dias em Goiânia em eventos no Comando Especial do Exército, onde passou a noite, e no 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos de Goiás, que reuniu os principais pastores das maiores denominações evangélicas do Estado. Foi neste encontro que Bolsonaro disse, pela primeira vez, que só deixaria o poder “preso, morto ou com a vitória” e que não considerava a primeira hipótese. Dois dias depois, em 30 de agosto, ele concedeu entrevista exclusiva a uma emissora de rádio da igreja do pastor César Augusto, um dos líderes religiosos brasileiros que gravaram um vídeo convocando os evangélicos para a manifestação de 7 de setembro e que apareceu ao lado do presidente no palanque na Avenida Paulista.
Fechando a marca BBB, na parte da bala, estão os deputados Vitor Hugo (PSL), Magda Mofatto (PL) e novamente João Campos, que é delegado da Polícia Civil, além de pastor evangélico. A atuação de Vitor Hugo dispensa apresentações, pois ele é um dos deputados mais próximos de Bolsonaro, mas a de Mofatto vale registro. Depois de estrelar em junho um vídeo armada com fuzil em um helicóptero anunciado que prenderia o criminoso Lázaro Barbosa, desta vez a deputada dirigiu um caminhão para comunicar sua partida para o protesto de Brasília. Vale lembrar que durante a mobilização para esses atos, Vitor Hugo trouxe a Goiânia o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente, para um evento em homenagens a policiais militares.
Por fim há o grupo dos calados, políticos que apoiam ou apoiaram Bolsonaro, mas que se recolheram nesta que foi a semana dos fatos mais graves da história recente. Entre eles o governador Ronaldo Caiado (DEM). Em contato com O POPULAR nesta sexta-feira (10), Caiado se recusou a responder perguntas sobre os acontecimentos. Destaque nacional em suas épocas de tribuna no Congresso Nacional pela ferocidade de suas declarações, agora Caiado engole palavras para evitar se atritar com o presidente da República. Neste grupo estão ainda o senador Vanderlan Cardoso (PSD), delegado Waldir Soares (PSL) e José Nelto (Podemos), que se diz independente, mas regularmente votacom o governo.
Esses grupos políticos despontam como a força motriz do bolsonarismo em Goiás, seja por conveniências políticas, por afinidades político-ideológicas e por interesses econômicos ou pela combinação de tudo isso. Independentemente de suas razões, foram protagonistas no Estado do levante antidemocráticoque, por pouco, não mergulhou o país em um caos institucional.
*Cileide Alves é jornalista e mestre em história pela UFG. Autora do livro Iris Rezende: De líder estudantil a governador (1958/1983).
Versão ampliada de artigo publicado originalmente no jornal O Popular