O batalhão sagrado de Tebas

Arshile Gorky (1904-1948), Tito Villa, 1936.
image_pdf

Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*

As comprovações arqueológicas do relato considerado como fantasia até o século XIX.

No ano de 338 A.C. travou-se a batalha final da guerra que opôs tebanos e atenienses, afinal derrotados, às hostes de Filipe II da Macedônia, assessorado por seu filho Alexandre, que futuramente receberia a alcunha de “O Grande”. O terreno do confronto foi a planície de Queroneia, próxima à cidade do mesmo nome, na Grécia Central, e próxima também de Tebas. Não foi um episódio de pouca monta. Na opinião de muitos estudiosos, o prélio e a derrota marcam o fim da época clássica.

Os eventos eram conhecidos no passado, mas quem tratou deles com maior minúcia foi Pausânias, viajante e geógrafo grego que viveu no século segundo de nossa era e escreveu uma Descrição da Grécia em vários volumes, alguns dos quais chegaram até nós.

É ele quem conta uma bela história, que ficou conhecida como a história do Batalhão Sagrado de Tebas – designação dada já na Antiguidade. Diz ele que esse grupo de elite enfrentou as forças macedônias muito superiores em número, não arredou pé e foi dizimado até o último homem. Seu contingente era de 300 guerreiros. Detalhe adicional, eram todos pares de amantes, na boa tradição de Esparta, confiando em que um homem não faria feio na presença de seu amado. Consta que o batalhão pode ter sido formado por espartanos, originários daquela cidade-estado. Um leão colossal de mármore teria sido erigido no local, perpetuando a memória desses bravos e prestando homenagem a seu espírito indômito, que simboliza.

Esse relato foi sempre considerado fantástico. Nem por ser comentado com aprovação em O banquete, de Platão, foi tido por menos ilusório. Também a Ilíada e a Odisseia, até que as escavações de Schliemann no século XIX desenterrassem Troia e Micenas, passavam por obras de pura ficção.

Cerca de dois mil anos mais tarde, um grupo de jovens arquitetos ingleses de educação clássica cavalgava pela planície de Queroneia, lendo Pausânias e revivendo os fastos do Batalhão Sagrado. O cavalo de um deles tropeça numa pedra que, a um segundo exame, parecia mais um fragmento de escultura. Foram escavá-la e acharam o leão celebratório. Estava em pedaços, mas foi reconstituído e lá está, podendo ser visitado hoje em dia, no mesmo lugar.

Mais sessenta anos se passaram, e sondagens arqueológicas feitas ao pé do leão depararam com uma vala comum, da qual exumaram 254 esqueletos dispostos simetricamente em 7 fileiras, deitados de costas com todo o decoro, muitos deles de mãos dadas ou braços enlaçados. Desenhos feitos na hora, trazendo inclusive as marcas dos ferimentos mortais, foram mais tarde reproduzidos e documentaram livros escritos sobre o episódio bélico. O mais recente é The sacred band, de James Romm, especialista em estudos da Antiguidade, editado pela Scribner. As ilustrações atuais do volume aproveitam e retomam as que nos chegaram dessa época.

Quem traz uma notícia recente, acompanhada pelo comovente croqui das sete fileiras de corpos, é a revista New Yorker na edição de 19 de abril de 2021.

*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Senac/Ouro sobre azul).

 

 

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
5
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
6
A riqueza como tempo do bem viver
15 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: Da acumulação material de Aristóteles e Marx às capacidades humanas de Sen, a riqueza culmina em um novo paradigma: o tempo livre e qualificado para o bem viver, desafio que redireciona o desenvolvimento e a missão do IBGE no século XXI
7
A crise do combate ao trabalho análogo à escravidão
13 Dec 2025 Por CARLOS BAUER: A criação de uma terceira instância política para reverter autuações consolidadas, como nos casos Apaeb, JBS e Santa Colomba, esvazia a "Lista Suja", intimida auditores e abre um perigoso canal de impunidade, ameaçando décadas de avanços em direitos humanos
8
Norbert Elias comentado por Sergio Miceli
14 Dec 2025 Por SÉRGIO MICELI: Republicamos duas resenhas, em homenagem ao sociólogo falecido na última sexta-feira
9
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
12
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
13
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
14
Benjamim
13 Dec 2025 Por HOMERO VIZEU ARAÚJO: Comentário sobre o livro de Chico Buarque publicado em 1995
15
Violência de gênero: além do binarismo e das narrativas gastas
14 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Feminicídio e LGBTfobia não se explicam apenas por “machismo” ou “misoginia”: é preciso compreender como a ideia de normalidade e a metafísica médica alimentam a agressão
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES