O que fazer com o Ministério do Desenvolvimento Agrário?

Imagem: Anibal Pabon
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Por JEAN MARC VON DER WEID*

No MDA o ministro Paulo Teixeira apenas “rodou a planilha” habitual e fez mais do mesmo

1.

Passaram-se 22 meses, 98 semanas ou 684 dias desde que foi recriado o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e empossado o Ministro Paulo Teixeira. Para ser justo, o tempo passado foi um pouco menor pois, a conta acima é a partir do marco zero do governo Lula III, primeiro de janeiro.

Durante quase metade do mandato, o Ministério do Desenvolvimento Agrário gastou um bom tempo apenas se reconstituindo enquanto ministério. Criaram-se secretarias e departamentos e preencheram-se os organogramas com contratados. Muita gente boa, mas pouca gente que viveu os 14 anos e meio de governos populares. Houve uma grande perda de memória dos processos de construção das políticas. E, mais grave ainda, não houve uma avaliação das políticas aplicadas nos ditos governos.

O grupo de transição ligado ao tema agrário e agrícola (leia-se da agricultura familiar) proclamou, em um encontro virtual com mais de 500 assistentes, que o novo Ministério do Desenvolvimento Agrário se concentraria em promover o desenvolvimento da agricultura familiar com base na agroecologia. Nem nos textos produzidos nem no programa apresentado no encontro de janeiro ficou claro como é que as políticas sob controle do MDA iriam se adaptar para adotar a transição agroecológica. Era preciso avaliar as políticas anteriores e fazer a reformulação para este novo paradigma, mas isto não aconteceu.

Pressionado pelo único programa do Ministério do Desenvolvimento Agrário que atravessou todos os governos, de FHC II a Lula III, passando por Lula I e II, Dilma I e ½, Temer ½ e Bolsonaro, o PRONAF, o ministro Paulo Teixeira apenas “rodou a planilha” habitual e fez mais do mesmo. Ele apresentou o plano de safra para a agricultura familiar 2023/2024 com exatamente o mesmo formato de todos os anteriores, dando como vitória a ampliação dos recursos de 30 para 72 bilhões. Se alguma modificação pode ser registrada ela se refere ao volume de recursos disponibilizados para cada contrato dirigido ao setor mais capitalizado, com o teto subindo para 120 mil reais.

O PRONAF (Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar) começou em 1996 como um programa de crédito facilitado centrado no público de agricultores capitalizados e integrados ao mercado, sobretudo na região sul, com uns 400 mil contratos, financiando essencialmente os insumos como fertilizantes químicos, agrotóxicos e sementes “melhoradas”. Nos governos populares, ele se abriu para um público muito mais amplo, chegando a pouco mais de dois milhões de agricultores no seu auge. O escopo do crédito também se ampliou, introduzindo contratos de comercialização e de agroindustrialização, compra de máquinas, e acrescentando públicos específicos como mulheres, jovens, indígenas, quilombolas, produtores agroecológicos e orgânicos.

O valor total dos planos de safra foi subindo de menos de 5 bilhões até 29 bilhões, do último de FHC ao último de Dilma. Caiu um pouco nos anos seguintes e mais que dobrou no primeiro ano de Lula III.

Ao longo de todo este tempo, o grosso dos recursos, perto de 80%, foi investido no público-alvo inicial, a agricultura capitalizada do sul e de parte do sudeste. Os contratos no nordeste foram de valores muito menores, com média de 7 mil reais, enquanto os do sul chegavam a mais de 10 vezes isso, em média. Pode-se dizer que o programa foi o motor para a formação do que se convencionou chamar de “agronegocinho”.

No primeiro plano de safra deste governo, cerca de 400 mil contratos foram para a região sul/sudeste e 1,1 milhão para o norte/ nordeste, estes últimos muito voltados para a criação de gado. A agroecologia passou quase em branco nestes 28 anos de PRONAF, inclusive neste primeiro plano safra do novo governo.

Apesar da definição radical do grupo de transição, a agroecologia continua fora das prioridades do PRONAF e do governo. Lembremos que o orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário está centrado nos gastos de equalização dos juros do PRONAF, outra forma de falar no subsídio do erário para o agronegocinho. São 9 bilhões de um orçamento de uns 12 bilhões para dispêndios finalísticos. Não sei qual o custo da burocracia ministerial, mas o que sobra para outras ações não é muito, menos de 3 bilhões de reais. Estes recursos deveriam ser despendidos de forma racional e priorizando os não beneficiados pelo PRONAF, ou seja, cerca de 2,5 milhões de agricultores, mas não foi o caso.

O segundo programa mais importante (em valores despendidos) do Ministério do Desenvolvimento Agrário foi o PAA, Programa de Aquisição de Alimentos, da CONAB e que teve um orçamento de cerca de 750 milhões de reais, dirigidos para um público de 250 mil agricultores. Estes recursos, no entatno, são colocados pelo Ministério do Desenvolvimento Social. É um programa com um viés menos centrado no agronegocinho (mas centrado na produção e aquisição de alimentos) e que permite incentivar a produção agroecológica e orgânica, pagando 30% a mais pelos produtos. No entanto, a parte das compras nesta categoria ficou em menos de 5% dos dispêndios. Também neste programa a prioridade para a agroecologia não está funcionando.

A partir deste ponto os gastos começam a se pulverizar: 30 milhões para o programa de Quintais Produtivos, aos que o MDS acrescentou 60 milhões para beneficiar 90 mil mulheres até o fim do governo e que não conseguiu ainda atingir um público maior do que 5 mil mulheres em um ano; 200 milhões em programas de extensão rural; 100 milhões no programa ECOFORTE, gerido pelo BNDRS e voltado para projetos territoriais de desenvolvimento agroecológico, envolvendo uns 50 mil agricultores, a serem gastos em 3 anos.

Apesar de ter a ver com as políticas sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário os recursos e a gestão são totalmente autonomos em relação a este ministério. Na verdade este item deveria ficar fora desta exposição sobre o orçamento do MDA, mas serve para mostrar que o pouco que faz o governo para a poiar a transição agroecológica ocorre por fora do ministério.

Para resumir esse breve balanço, pode-se dizer que o Ministério do Desenvolvimento Agrário está repetindo as políticas do passado sem avaliá-las e isto quando muita gente, na sociedade civil e na academia, aponta para graves impactos negativos do PRONAF, para tremendos entraves nos programas de ATER e para limitações na concepção, execução e no orçamento do programa dos quintais. O PAA, apesar de ser menos questionado, também padece de entraves burocráticos que dificultam a sua massificação.

2.

Após quase dois anos o Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou o lançamento de um documento definindo sua missão, metas, objetivos, etc. Mas trata-se de generalidades que não afetam a orientação das políticas em curso.

Enquanto formalidades sem significância são discutidas e propagandeadas triunfalmente, o ministro gasta a maior parte do seu tempo naquilo que ele mesmo definiu como sendo a busca de “soluções tecnológicas para a agricultura familiar”. Em suas viagens pelo Brasil, o ministro visita os centros da Embrapa ou universidades, tentando identificar aquilo que eu chamo de “bala de prata”, ou seja, uma tecnologia de uso muito abrangente pelo público-alvo que possa resolver os problemas de forma simples e rápida.

Em algum momento, ele namorou a irrigação generalizada, sem se dar conta de que não basta fornecer energia (painéis solares), bombas elétricas, canos e poços artesianos. No nordeste, onde o impacto da irregularidade das chuvas é mais importante, só se acha água não salobra em poços com mais de 500 metros de profundidade e as soluções para a irrigação são muito variadas e baseadas na captação de água de chuva.

O que o ministro ainda não entendeu e, pelo jeito, não vai entender, é que não existe solução única generalizável, nem mesmo nos sistemas agroquímicos super simplificados. Mais ainda nos sistemas agroecológicos super diversificados. A busca é inútil e deixa o Ministério do Desenvolvimento Agrário à deriva, sem meta, objetivos e programas prioritários bem qualificados.

Temos pouco mais de dois anos para corrigir os rumos do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Esperava que o CONDRAF, Conselho de Desenvolvimento Rural da Agricultura Familiar, fosse capaz de pegar o pião na unha e montar uma proposta coerente e apertar o Lula. Não creio que valha a pena perder tempo tentando convencer o ministro Pauço Teixeira, figura simpática, progressista e inteligente, mas que está no lugar errado e devia ter se dado conta disto e pedido o chapéu há tempos.

Qual não foi a minha surpresa quando fiquei sabendo, ao participar de evento comemorativo dos 25 anos do CONDRAF (incorporando os anos do conselho anterior, criado por FHC, o CNDRS, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável), que o conselho vai se concentrar, até outubro ou novembro do ano que vem, na organização de uma conferência nacional de desenvolvimento rural sustentável, a terceira nos governos populares.

Mesmo que esta conferência seja um super sucesso de participação e de conteúdo; mesmo que ela seja capaz de montar todo um plano de ação concreto para o futuro, sobrará apenas pouco mais de um ano de governo Lula, a não ser que estejam contando com a reeleição do presidente como algo seguro (o que me parece cada dia mais complicado).

Não é hora de fazer conferências genéricas (como foram as outras). É hora de definir um programa emergencial para aproveitar o que resta de governo. Se ganharmos as eleições de 2026, tanto melhor. Mas precisamos deixar um programa em curso com suficiente significância para não ser varrido por um bolsonarista de plantão ou um outro direitoso que venha a ganhar as eleições.

Já tratei deste tema em outros artigos (ver, entre outros, “Ministério do Desenvolvimento Agrário ou Ministério do Agronegocinho?”), mas agora vou concentrar na definição da prioridade.

Parto do princípio que este governo não prioriza nem vai priorizar a agricultura familiar ou a reforma agrária nos próximos dois anos, pelo menos. O dinheiro é curto e cada vez mais condicionado ao que eu chamo de “orçamento confeti”, uma montanha de dinheiro distribuído miudinho para irrigar as bases eleitorais de suas excelências parlamentares.

3.

A primeira definição a fazer é sobre o público prioritário (quem são, quantos são, onde estão) e qual o objetivo do programa.

Para um governo que coloca a questão da fome em primeiro lugar, inclusive nas suas iniciativas internacionais (vide a aliança proposta no G20), é um contrassenso que mais de 1,9 milhão de agricultores familiares sejam beneficiários do bolsa família e que dependam disso e da merenda escolar para alimentar a família.

A “narrativa” mostrando um hipotético papel da agricultura familiar como quem leva “comida ao prato dos brasileiros” está em total contradição com o fato de que quase a metade desta categoria não produz o suficiente para alimentar a própria família. Como resultado das políticas públicas dos últimos 30 anos, a agricultura familiar reduziu a sua participação no valor básico da produção (VBP) no censo de 2017 para 23% do total, e boa parte é dirigida para as culturas de comodities de exportação.

A explicação desta tragédia é historicamente conhecida. A grande maioria destes necessitados tem pouca terra (minifundistas com menos de 10 hectares disponíveis), está situada em biomas com fortes restrições na oferta hídrica como no semiárido nordestino, com solos desgastados pelo uso constante sem reposição de nutrientes, pouco nível de instrução e de acesso a informações e descapitalizada.

O ideal para este segmento seria um programa de reforma agrária radical, distribuindo terra em quantidade e qualidade necessárias como ponto de partida para a implantação de sistemas produtivos sustentáveis. Mas como vimos acima, isto não vai acontecer nos próximos anos.

Esta população está envelhecendo e muitos recebem um salário-mínimo de aposentadoria, BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou PBF (Programa Bolsa Família). Outros dependem de contribuições de familiares emigrados para as cidades ou ainda de trabalho assalariado fora da propriedade.

Um programa de produção para a autossuficiência alimentar destes produtores não é uma solução estratégica para o conjunto da agricultura familiar ou até para eles mesmos, mas pode vir a ser uma etapa importante visando medidas futuras que ampliem suas condições de produção, inclusive mais terras. A proposta atual serve para a superação da pobreza e prepara avanços futuros.

A alternativa seria tratá-los como “problema social” e esperar pela sua desaparição, sustentando-os pelos programas sociais. Esta seria uma “solução racional”, passando-os da responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social). Seria também aceitar que a agricultura familiar vai se reduzir a menos da metade do seu número atual. Esta redução seria desastrosa quando sabemos que, a longo prazo, será necessário quintuplicar o número de agricultores familiares para viabilizar uma agricultura sustentável baseada na agroecologia.

Se o público (1,9 milhão de minifundistas, beneficiários do PBF) e o objetivo (autossuficiência alimentar) forem adotados, será preciso definir como as políticas públicas poderão produzir o resultado esperado, em que prazos e com que custos.

4.

A única iniciativa nova do MDA na sua nova versão foi a formulação do programa de Quintais Produtivos, reivindicado pela Marcha das Margaridas do ano passado e que foi dirigido para o público prioritário definido acima.

A proposta se apoia em experiências da sociedade civil e dos movimentos sociais ao longo das últimas décadas. Elas mostram que, com pouquíssimo suporte externo, quase sempre na forma de inovações voltadas para a agroecologia e autofinanciamento coletivo de infraestruturas, é possível produzir em quantidade e qualidade suficientes para bem alimentar estas famílias e ainda dispor de algum excedente para vender.

O único apoio público para (parte) destas experiências foi um programa do governo Dilma, proposto pela ASA (Articulação do Semiárido), e chamado de “Uma terra e duas águas”, que financiou a fundo perdido uma cisterna de placas para uso caseiro e uma cisterna calçadão para irrigar até um hectare de cultivos diversificados em cada quintal.

As muitas práticas adotadas no semiárido nordestino permitiram também uma significativa produção excedentária de alimentos colocada nos mercados locais ou na vizinhança.

O problema com o programa do governo, além de uma execução ridícula (5000 quintais em um ano) é que foi concebido por quem não conhece as experiências, mais conhecidas como “ao redor da casa”, na Paraíba. Os recursos orçados para infraestruturas são mínimos, muito aquém do necessário. Dez mil reais por quintal são menos de um quinto do necessário (nas contas que podem encontrar no artigo citado acima). É preciso também orçar o custo de assistência técnica e de organização social para que o programa ganhe escala.

Quintais agroecológicos dependem da introdução de práticas da agroecologia que, como sempre neste paradigma, não são receita de bolo. Cada quintal tem dimensões e composição de culturas e criações que não seguem um modelo único embora tenham muitas semelhanças.

E quem vai levar estas propostas para o público-alvo?

O calcanhar de Aquiles da agroecologia neste momento é a carência de extensionistas com formação nos métodos e técnicas da agroecologia. Como será possível superar esta limitação? Vou descartar desde logo o modelo adotado no governo Lula I, quando o Ministério do Desenvolvimento Agrário promoveu cursos de 40 horas para formar agro ecólogos em massa, com resultados muito limitados.

Cursos de formação deveriam ser feitos em cada território onde o programa for implementado e a partir da sistematização das experiências em curso nos quintais existentes. Um primeiro passo deveria ser a produção de orientações metodológicas para os extensionistas e a distribuição de sistematizações dos casos de maior sucesso que possam servir de referência para os novos quintais.

O trabalho de difusão destas novas práticas deverá ser em grupos de mulheres agricultoras que deverão, de forma permanente, discutir os problemas e as soluções encontradas, visando ajudar cada participante a encontrar a saída mais adequada para seu caso específico.

A meu ver, embora cada quintal seja diferente dos demais, as soluções tecnológicas da agroecologia serão mais similares do que nas experiências nos roçados, onde a variabilidade das condições é muito maior. Ainda assim, dada a novidade desta proposta para a maioria dos técnicos necessária para aplicá-la em larga escala, não vai ser possível atribuir a cada técnico mais do que 5 grupos de dez mulheres, em média. Com a multiplicação das experiências a expansão pode ir se acelerando, como aliás a prática demonstra.

Uma coisa é a dimensão do público-alvo, 1,9 milhão de famílias e que poderia ser o objetivo de médio prazo. Este público está localizado sobretudo na região semiárida (nordeste e parte do sudeste), aproximadamente 1,5 milhão de famílias enquanto outras 400 mil estão distribuídas por outros biomas.

Outra coisa é o processo a ser definido e adotado, e suas dimensões iniciais.

Inevitavelmente, teremos que começar com menos grupos de mulheres e menos projetos de quintais, acelerando a expansão na medida em que vão se formando mais técnicos e ser organizando mais grupos.

O marco zero deste programa deveria ser ampliado (em relação ao projeto de Quintais produtivos do governo), das 100 mil famílias em três anos definidas inicialmente pelo MDA/MDS, para 75 mil famílias por ano nos próximos dois anos, expandindo-se para 150 mil famílias por ano nos dois anos seguintes e 300 mil nos dois anos posteriores, num total de 1,05 milhão em seis anos. A partir deste ponto os aumentos deverão ser exponenciais para atingir o conjunto do público-alvo em mais dois anos.

5.

Mobilizar e organizar os grupos de mulheres é função dos movimentos dos agricultores familiares, mas o Estado deve contribuir com meios financeiros para que isto se dê. Desde logo, um programa deste tipo terá que ser formulado com a participação destas organizações e seu engajamento na ação.

A assistência técnica ficará por conta das equipes das organizações sociais, das ONGs de ATER e, se pudermos interessá-las, das EMATER dos governos estaduais. As prefeituras podem dar seu aporte, quer mobilizando emendas parlamentares de seus sócios na Câmara e no Senado, quer com suporte local quando tiverem técnicos para isso (o que é raro). O número de técnicos, nos próximos dois anos, deverá ser proporcionalmente mais alto do que na fase final, quando a generalização da experimentação coletiva estiver efetivada. No meu cálculo aproximado, seriam 3000, mais uns 200 coordenadores e assessores nos próximos dois anos.

O custo de cada quintal, incluindo infraestruturas e insumos, está orçado em 50 mil reais (ver artigo mencionado anteriormente), ou seja, 3,75 bilhões por ano nos próximos dois anos.

O custo da extensão rural seria de 624 milhões em salários, mais custos de operação de 200 milhões ou um total de 824 milhões por ano nos próximos dois anos.

Ou seja, o custo deste programa em cada um dos próximos dois anos seria de 4,574 bilhões por ano.

É, certamente, muito dinheiro, mas representa a metade do que é gasto hoje em equalização de juros para que cerca de 350 mil agricultores familiares capitalizados produzam ração animal. Com uma redução pela metade do subsídio para o agronegocinho, seria possível iniciar um programa de médio e longo prazo para viabilizar a categoria mais pobre da agricultura familiar. Os custos anuais serão maiores na medida em que o projeto se expandir até atingir a totalidade da categoria dos minifundistas ou os produtores voltados para a autossuficiência alimentar e para o aprovisionamento de mercados locais com excedentes eventuais desta produção.

Nestes custos deverão ser incluídos os custos de sistematização de experiencias e de produção de material didático, bem como de formação de técnicos, que não posso orçar, mas que serão mínimos perto dos valores totais.

As políticas públicas executadas pelo MDA têm um problema estrutural. Elas segmentam os recursos necessários para promover o desenvolvimento da agricultura familiar em várias caixinhas. Há uma caixinha com recursos para crédito, outra para extensão rural, outra para seguro, e outras mais de muito menor porte. Todo mundo que já passou pela experiência de promover processos de desenvolvimento local teve que enfrentar esta fragmentação dos recursos que implica na formulação de uma infinidade de projetos para os agricultores assistidos.

A solução ideal é reunir estes recursos em uma única fonte pagadora tal como opera o programa do BNDES, o Ecoforte. Todas as necessidades de recursos dos agricultores do programa fazem parte de um orçamento único de cada projeto financiado, recursos geridos pela entidade responsável.

Como fazer esta mudança? Para unificar recursos de fomento (não há crédito nesta proposta), extensão rural, formação e outros poderia, mais uma vez, ser utilizado o BNDES, ou colocar tudo em projetos de ATER, em um conceito ampliado do escopo. Esta solução seria mais ágil do que negociar mais um programa com a gestão do BNDES. O programa de Quintais Agroecológicos ficaria sob responsabilidade política do DATER e gestão da ANATER.

O passo primeiro para formular este programa de forma mais estudada e completa seria convocar um grupo de trabalho contando com os movimentos sociais, ONGs com experiência em quintais agroecológicos e especialistas em desenvolvimento participativo e em agroecologia da EMBRAPA, universidades e da sociedade civil, quadros do DATER (Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural) e do programa de geração de conhecimento agroecológico do MDA. Este GT formularia a proposta de programa que seria apresentada ao CONDRAF.

A meu ver os principais ajustes se darão no tamanho inicial do programa, o que terá implicações nos seus custos e na mobilização de extensionistas e organizações de ATER.

Uma vez formulado o projeto deveria passar por apresentação e convites à adesão das EMATER, Embrapa, universidades, escolas técnicas.

O acesso aos recursos seria através de chamadas para projetos de tipo territorial, com prioridade inicial para locais onde já existam experiências avançadas de quintais. Os projetos deveriam ser apresentados por entidades dos movimentos sociais e organizações de ATER (estatais ou da sociedade civil).

6.

Não tenho uma expectativa muito otimista em relação a esta proposta. Infelizmente, prevalecerá, provavelmente, o rame-rame que se arrasta desde o início deste governo. Não esperava muito (nada, na verdade) do ministro e da direção do ministério, mas os responsáveis do segundo e terceiro escalão são capazes de entender o que estou propondo. Entretanto, eles são incapazes de impactar as orientações ou desorientações do ministério.

Como disse antes, contava que o CONDRAF tivesse um papel mais incisivo para ajudar a superação da crise do MDA, mas vejo que estão mais preocupados com o jogo de aparências de uma Conferência. Digo jogo de aparências porque acho que estes exercícios servem mais para a autossatisfação dos participantes do que para qualquer efeito concreto.

Finalmente, fica uma única esperança: o que os movimentos sociais, sobretudo os de alcance nacional como CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura), MST (Movimento dos Sem Terra), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) e CONTRAF (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar), estão esperando? Estão contentes com este MDA? O que estão conseguindo como programas e políticas? Tem alguma migalha na mesa destas instituições para que elas aceitem uma gestão desastrosa como essa?

Para completar este desabafo, não posso deixar de indicar que o PLANAPO, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a iniciativa mais abrangente neste governo para tratar do tema da agroecologia, é ainda mais vazio do que o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Tendo como ambição tratar todas as políticas que incidem sobre o avanço da agroecologia (produção, pesquisa, educação, meio ambiente, saúde e nutrição e outras) as comissões tanto do governo como da sociedade civil envolvem dezenas de técnicos e representantes da sociedade civil vinculados a quase uma dezena de ministérios. Estas comissões duplicam o CONDRAF, assim como outros conselhos vinculados a outros ministérios.

Esta foi uma iniciativa que também foi contaminada pela pretensão das macrodefinições de políticas universais buscando articular tudo de forma coerente. Tornou-se uma grande produtora de documentos mais ou menos doutos, também sem qualquer efeito prático na orientação do fluxo de recursos em todos os ministérios envolvidos.

Como venho dizendo há tempos, este é o ministério do agronegocinho e atende aos interesses de uma pequena parcela do campesinato. Não é com estas políticas que o Lula vai conseguir galvanizar o eleitorado rural do país nas eleições de 2026.

*Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE (1969-71). Fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA).


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