Por JULIAN RODRIGUES*
O neofascismo bolsonarista desconstituiu décadas de conquistas. Um governo democrático-popular precisa ter os Direitos Humanos como núcleo programático
Desmoralizar na sociedade tudo que se refere aos direitos humanos e destruir, uma a uma, o conjunto das políticas de defesa, proteção e promoção desses direitos são eixos do governo de Jair M. Bolsonaro. O neofascismo vem executando uma ofensiva brutal no terreno político-cultural-ideológico – contra as ideias de solidariedade, diversidade, pluralismo e dignidade.
O golpe em progresso sob o qual vivemos, iniciado em 2016, permitiu a transformação do bolsonarismo em principal vetor da dominação burguesa no Brasil. A fusão do neoliberalismo de Paulo Guedes ao autoritarismo de Jair Bolsonaro resultou neste que é o pior e mais regressivo governo da nossa história.
O neofascismo faz incessantemente luta política, ideológica e cultural – alvejando os direitos das pessoas e as liberdades democráticas. Discursos de ódio que priorizam o ataque às mulheres, às LGBTI, às pretas, aos indígenas, aos pobres – e à cultura, à ciência, à educação.
Portanto, a tarefa principal da esquerda, do campo progressista, do PT e de Lula: enfrentar, desde já, esse tsunami das trevas. Sem medo, tergiversações (ou suposto-equivocado pragmatismo eleitoral). É hora de hastear bandeiras e ir para o embate: reafirmar o que somos, proclamar nosso conjunto de valores democráticos, libertários, humanistas, feministas, antifascistas e antirracistas.
A campanha de Lula contra o ex-capitão não será uma corriqueira disputa eleitoral. Só terá sentido porque virá a ser um vendaval social, popular, político, cultural, – mobilizando milhões, empolgando sobretudo a juventude, colocando em movimento o que de melhor há no país (como fizemos em 1989).
Esse terceiro governo Lula (o presidente sabe disso) está destinado a ser excepcional. Ou não será. Em primeiro lugar terá de re-constitucionalizar o país. Ou seja, revogar o desmonte que foi operado nos últimos anos. Logo de saída. Além disso, para atender às expectativas e necessidades da maioria do povo precisará ter ousadia para conseguir fazer muito mais do que fizemos nos governos anteriores. Não só reconstruir, mas avançar. Muito.
A pauta dos direitos humanos deve estar necessariamente localizada no núcleo articulador central do programa. Um vetor de mobilização social e cultural. O terceiro governo Lula desfazerá todas desgraças de Bolsonaro, colocando o povo em movimento, inovando.
A começar logo no primeiro dia: haveremos de revogar, em uma canetada, todos decretos, portarias e medidas administrativas de Damares/Bolsonaro. Dissolver os retrocessos infralegais de uma só vez. Lula recriará o Ministério dos Direitos Humanos, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Cultura – e vai reestruturar a Secretaria Nacional da Juventude. Logo nos primeiros dias de janeiro de 2023 o/a Ministro(a) de DH vai convocar uma gigantesca Conferência Popular de Direitos Humanos, que terá a tarefa de aprovar as linhas mestras do Plano Nacional de DH 4.
Na construção dessas propostas (em articulação/aliança com universidades, movimentos sociais, lideranças partidárias), há algumas ideias que já contam com razoável acúmulo e precisam inspirar o programa do PT, de Lula e de todo campo progressista. Vamos a elas.
O terceiro governo Lula, ousado e participativo, radicalmente popular, se compromete a:
(I) Instituir uma política de reparação e punição. Memória, Verdade e Justiça. Processar e punir os responsáveis pelo genocídio (Covid), criar uma política de reparação. Tribunal de Manaus para julgar Bolsonaro e seus cúmplices;
1 – Implantar e articular medidas para acabar com o extermínio em massa de jovens pretos, focar na redução dos homicídios – hoje são 45 mil pessoas por ano;
2 – Rever e propor ao Congresso a mudança da arquitetura institucional da Segurança Pública. Reorganizar, unificar e desmilitarizar as polícias;
3 – Cessar a guerra às drogas: regular, descriminalizar de fato, promover redução de danos, educação e saúde;
4 – Trabalhar para reverter o encarceramento em massa de pretos e pobres, a começar pelos milhares de presos provisórios;
5 – Estruturar uma política nacional de educação e cultura de direitos humanos, com propaganda massiva de valores democráticos, pluralistas, enfrentando o neofascismo;
6 – Criar o Sistema Nacional de Direitos Humanos – com marco legal aprovado no Congresso, estrutura federal, estadual e municipal – uma política federativa, com definidos e substanciais recursos orçamentários e planos organizados;
7 – Desarmar o país, campanha massiva anti-armas, rever toda legislação bolsonarista, política radical de redução do número de armas, retomar Estatuto do Desarmamento;
8 – Reconstruir todas políticas para as pessoas com deficiência, em todas áreas do governo, ir além do “viver sem limites”, assegurar mais recursos e estrutura;
9 – Recomeçar as ações pró cidadania LGBTI; estruturar uma política nacional de defesa e promoção dos direitos da população LGBTI, com recursos garantidos, marco legal, indução de ações, transversalidade; criar o Transcidadania nacional;
10 – Incluir a questão do envelhecimento entre as prioridades governamentais, enfrentar a violência contra os idosos; colocar de pé uma política articulada de promoção dos direitos integrais, da saúde, da assistência, criar uma rede pública que vai garantir o bem-viver dessa população
11 – Nortear todas ações relacionadas às crianças e adolescentes tendo a revalorização do ECA como fundamento. Romper com as manipulações conservadores dessa pauta – criando e fortalendo políticas que de fato protejam crianças e adolescentes de abusos sexuais, do trabalho infantil, da violência, do abandono, priorizando espaços de participação social, como os Conselhos tutelares;
12 – Fortalecer os programas de proteção dos defensores de direitos humanos;
13 – Reconhecer a cidadania plena das pessoas migrantes, através de políticas públicas de acolhida, integração económica, social e cultural- lutar pelo direito ao voto e garantir espaços de participação; revogar o decreto de Temer que regulamenta a Lei 13445 de 2017 , regulamentar o artigo 120 que institui uma política nacional de migração ampla, participativa e acolhedora.
14 – Reconstruir a política de saúde mental respeitando os direitos humanos, valorizar a rede de atenção psicossocial, retomar o investimento nos CAPS; focar no SUS – voltar às diretrizes da reforma psiquiátrica, sem nenhum financiamento às organizações privadas auto-denominadas “comunidades terapêuticas”;
15 – Garantir investimento em todas as políticas de DH; sem recursos não há políticas públicas; o orçamento para o conjunto dos planos de promoção e defesa dos DH será substancialmente ampliado.
Com as escusas da maioria dos leitores não petistas, acrescento uma nota interna, neste final.
O Partido dos Trabalhadores passa nesse segundo semestre por um processo de mobilização e renovação dos seus coletivos, secretarias/setoriais temáticos (Mulheres, Juventude, Combate ao Racismo, Meio Ambiente, Cultura), e claro, Direitos Humanos (entre muitos outros).
Em meados de novembro, depois de discussões e encontros por todo o país, o PT elegerá um novo coletivo e um novo Secretário Nacional de Direitos Humanos. Muito orgulho. Reparem na qualidade dos nomes que estão à disposição do Partido para liderar a Secretaria de DH: Adriano Diogo (ex-deputado estadual paulista, referência na luta por memória verdade e justiça); Marcelo Mascarenhas (ativista social, procurador de justiça no Piauí), Nilmário Miranda (primeiro Ministro DH de Lula, ícone da causa), Pedro Batista (liderança movimento antirracista) e Renato Simões (ex-deputado estadual paulista, autor da primeira lei anti-homofóbica).
Qualquer um deles que venha a ser eleito, a Secretaria de Direitos Humanos do PT – tenho certeza, estará em muito boas mãos – preparada, mobilizada e motivada para liderar as articulações, debates, formulações, ou seja o conjunto da campanha dos direitos humanos de Lula, dos nossos governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Reconstruir e avançar na luta por direitos humanos: a esquerda e o PT unidos contra o fascismo.
*Julian Rodrigues é professor, jornalista e ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos.