Os catadores de algodão

Oltsen Gripshi, Kurban MCMXCVII, 2015
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Por ALEXANDRE JULIETE ROSA*

Considerações sobre o livro recém-editado de B. Traven

“Ao deixarmos a esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias […] parece-nos que algo se transforma na fisionomia dos personagens de nosso drama. O antigo possuidor de dinheiro marcha agora à frente como capitalista; segue-o o proprietário da força de trabalho. O primeiro, com um ar de importância, sorriso velhaco e ávido por negócios; o segundo, tímido e contrafeito, como alguém que vendeu sua própria pele e apenas espera ser esfolado” (Karl Marx, O capital).

Os catadores de algodão [Die Baumwollpflücker] apareceu em folhetins nos meses de junho e julho de 1925, no jornal Vorwärts, de Berlin, e no ano seguinte foi publicado em livro pela editora Burchmeister, com o título O Vagabundo. A obra ainda demorou alguns anos até adquirir sua versão definitiva. De acordo com Alcir Pécora, que assina o posfácio da edição brasileira, “B. Traven não parece ter ficado satisfeito com o resultado dessa segunda versão, e continuou trabalhando nela. Apenas em 1929 dá por encerrado o trabalho e publica a versão final do livro, retomando o título original que dera à série de fascículos”.[i]

Quem leu O navio da morte agora vai encontrar seu herói-narrador, Gales – que sobreviveu ao terrível naufrágio que encerra aquele livro – perambulando em busca de algum trabalho no México; como ele sobreviveu e em que condições foi parar nesse país é um lapso que poderia, com muita imaginação e talento, render um belo livro. O certo é que Gales reaparece no México, numa estação de trem, e consegue estabelecer contato com um nativo mexicano, mas de origem espanhola (Antônio).

Os dois tinham o mesmo objetivo: encontrar o caminho para a cidade de Ixitlxochitchuatepec e conhecer Mr. Shine, um fazendeiro, e se apresentarem a ele como catadores de algodão. Muito provável que B. Traven esteja se referindo à cidade de Asunción Ixtaltepec, no estado de Oaxaca, bem ao sul do México, quase na costa do Pacífico Norte. Ele próprio viveu algum tempo em Chiapas, onde trabalhou como fotógrafo e acompanhou a produção de filmes etnográficos.[ii]

Na mesma cena em que Gales se encontra com Antônio aparecem outros personagens; um negro alto e forte (Charley) e um chinês (Sam Woe) ambos com o mesmo interesse em encontrar o tal Mr. Shine e se candidatarem ao posto de catadores de algodão. A partir daí, conta o narrador, “a classe proletária estava formada e poderíamos desde já começar a organizar as coisas; nós quatro nos sentimos tão à vontade quanto irmãos que após longa separação, de repente se encontravam inesperadamente em algum ponto estranho e distante da Terra.”[iii]

Juntam-se, ainda, a esse primeiro grupo, mais dois candidatos a catadores de algodão: outro personagem negro (Abraham) e um “índio marrom-chocolate” (Gonzalo). Gales aparece naturalmente como o líder daqueles proletários, muito provavelmente pelo fato de ser branco e gringo. No melhor estilo ‘quem tem boca vai a Roma’, o grupo segue de maneira aventureira na busca do tal Mr. Shine.

Nesse primeiro movimento do livro já encontramos um elemento que será determinante nos sucessos vindouros do personagem-narrador Gales: o fato de ser branco e gringo (americano) funciona como abra-te sésamo para a conquista de pequenas e rápidas ocupações. B. Traven reúne alegoricamente os representantes das raças indígena (os povos originários do México), branca, negra, amarela e os mestiços. Esta seria uma pequena amostra de um proletariado universal masculino, que se encontra por acaso nas selvas mexicanas em busca de sobrevivência.

O chinês Sam Woe é apresentado como o “mais elegante de todos”; suas roupas novas contrastam com os trapos dos demais companheiros, além de ser o mais animado, pragmático e com projeção de futuro mais bem delineada. Não gostava muito de parar para descansar e nesses momentos surgiam desavenças entre Sam Woe e o restante do grupo: “Era nessa hora que o repreendíamos, dizendo que éramos cristãos de verdade, enquanto ele era um China maldito, que teria sido chocado por um grotesco dragão amarelo, e que esse era o segredo da resistência sobre-humana de sua raça fedorenta e repugnante. Ele explicou sorrindo serenamente que não podia fazer nada, e que todos fomos criados pelo mesmo Deus, mas que esse Deus era amarelo e não branco” (p. 20).

O “gigantesco negro Charley”, que afirmava ser da Flórida, mas que não falava nem entendia inglês fluentemente e nem pronunciava “o dialeto negro americano”. Talvez fosse de Honduras ou San Domingos, mas podia ser que tivesse vindo do Brasil ou “contrabandeado da África”. Charley era o único a afirmar “em alto e bom som que, para ele, colher algodão era o trabalho mais lindo e bem remunerado que existia” (p. 21).

Outro personagem, o “negrinho Abrahan, de New Orleans”, que tinha “a cor da pele tão preta quanto a camisa que usava, e a gente não conseguia reconhecer direito onde acabavam os últimos restos da camisa e onde começava a pele que deveria estar coberta”. Abrahan era um “autêntico negro americano do Sul, burro-esperto, astuto, atrevido e sempre engraçado. Ele tinha uma gaita, na qual tocou para nós a estupida Yes, we have no bananas por tanto tempo, que no segundo dia tivemos que bater nele para que, pelo menos temporariamente, só cantasse ou assobiasse durante o trabalho, e também dançasse. Ele roubava como um corvo e mentia como um frade dominicano” (p. 22). Na longa travessia até a fazenda de Mr. Shine, Abrahan foi surrado algumas vezes por cometer pequenos furtos – um pedaço de carne seca de Antônio e uma lata de leite do China.

Após longa e tortuosa caminhada, o grupo chega a uma fazenda onde vivia uma família americana. Gales foi muito bem recebido pelos moradores e convidado a entrar na casa. Os demais, “enquanto não brancos, foram alimentados na varanda e pernoitaram em um barracão. Todos comeram bastante, mas eu (Gales) era o verdadeiro hóspede. Fui servido como somente em um país tão pouco povoado um branco pode ser servido por anfitriões brancos” (p. 26).

Nesta fazenda eles conseguem informações mais precisas de como chegar até Mr. Shine, o que de fato aconteceu ao meio-dia do dia seguinte: “Mr. Shine nos recebeu com certa alegria, já que não dispunha de mão de obra suficiente para colher algodão”. O fazendeiro ficou meio surpreso ao saber que Gales, um homem branco, e americano, também se candidatava àquele serviço e resolveu pagar um pouco a mais para o conterrâneo: “eu pago seis centavos o quilo, pra você eu vou pagar oito, senão você nunca vai atingir o mesmo tanto que os negros. Claro que não precisa contar aos outros” (p. 27).

Embora sofra das mesmas privações e infortúnios que seus colegas de trabalho, Gales consegue auferir certas vantagens pelo fato de ser branco. A boa acolhida na fazenda dos americanos e os dois centavos a mais pelo quilo do algodão foram os primeiros de uma série encadeada de tratamentos diferenciados que recebe ao longo do livro.

Mesmo que não seja tão extensiva quanto a temática da exploração do trabalho, a questão racial se apresenta como força subsidiária ao enredo, e em alguns momentos como entrave à realização do conceito de unidade do proletariado acima e além da distinção racial. Isso aparece de forma mais destacada no primeiro grande episódio do livro, no período em que Gales trabalha como catador.

Já nas primeiras semanas de trabalho eles experimentam as agruras da colheita de algodão, as condições insalubres de suas barracas e a fome que quase os aniquilava, além da crônica falta d’água. O fato de Mr. Shine não ter emprestado uma mula para Antônio e Sam irem até a loja mais próxima comprar alguns mantimentos [tiveram que caminhar três horas], ensejou uma discussão sobre o caráter injusto do mundo: “E bem neste momento, quando estávamos prestes a abordar o tema favorito de todos os trabalhadores da Terra, e a compreender antes com força pulmonar do que com sabedoria o estado de injustiça do mundo, que divide as pessoas entre exploradores e explorados, em zangões e deserdados, Abraham chegou com seis galinhas e um galo, os quais ele havia amarrado pelos pés e carregado de cabeça para baixo, pendurados no ombro por uma corda.” (p. 34)

Abraham havia descoberto um ótimo empreendimento e se propôs a vender cada ovo por nove centavos aos colegas de trabalho. “Qualquer um de nós poderia muito bem ter feito aquilo. Sam Woe não sentiu inveja, nem ciúme, apenas admiração pelo empreendedorismo do avicultor; no entanto, ele sentia vergonha de ter sido ultrapassado por um negro na descoberta de uma renda extra honesta” (p. 35). Os ovos oriundos das galinhas de Abraham [que, na verdade, eram furtados na vizinhança] vão desempenhar um papel crucial durante o período mais cruel dos trabalhos, pois se tornaram a grande fonte de nutrientes para que suportassem as jornadas exorbitantes.

Os ovos do “negrinho Abrahan, de New Orleans, que roubava como um corvo e mentia como um frade dominicano”, acabam por emperrar a possibilidade de união do proletariado, que só viria a ser retomada no final do episódio na fazenda de Mr. Shine, quando uma greve encabeçada pelos indígenas consegue dobrar a sanha exploratória do fazendeiro.

Não está explicito no texto que Abraham representa uma força dissociativa por causa de sua cor, de sua raça. Esse é um ponto de sugestão interpretativa para as situações narrativas e seu desenrolar. A descrição estereotipada de Abraham é eloquente e fala por si mesma acerca da situação de inferioridade racial da população de origem africana que passou a vier naquela região do México, fruto do tráfico escravagista.[iv]

B. Traven não envereda para discussões de teor racial, quer em relação a negros e brancos, entre negros e indígenas ou mestiços, entre mestiços e brancos, etc. A questão problemática entre “índios” e “brancos” está presente em todo o livro, mas sem uma consideração direta por parte do narrador.

Com relação aos personagens negros, as observações de um estudioso do tema podem nos ajudar a compreender o lugar que ocupam em Os catadores: “À medida que os negros vão aparecendo nas literaturas dos diversos países do mundo, a atitude dos escritores vai variando de acordo com as ideias que prevalecem em seu tempo e com o conhecimento crescente de outras terras, inclusive da África e de seus habitantes. Foram vistos como vagos e misteriosos, depois como escravos, uma raça submetida cujo dever era trabalhar para os conquistadores e senhores e, mais recentemente, como um grupo minoritário, livre, mas ainda enfrentando preconceitos antigos e lutando por sua aceitação como membros iguais de uma sociedade livre. […] No México, onde o problema racial é predominantemente o das relações entre índios e brancos, houve um romance em que o protagonista é preto, ou, mais exatamente, mulato. É o romance La negra Angustias, de Rojas González (1944)”.[v]

Alcir Pécora discute a questão nos seguintes termos: “A percepção da situação econômica no México, contudo, nunca surge sem um ingrediente racial, vivido em vários momentos por Gales. Como se vê em várias passagens da narrativa, os patrões e mesmo os empregados sentiam estranheza, e até incômodo por um branco se aventurar num trabalho que consideravam mais próprio de negros, índios, ou imigrantes asiáticos. Desse ponto de vista, Gales é uma espécie de atravessador, de homem sem lugar nas hierarquias dadas. De fato, o atravessamento de Gales acirra uma contradição entre classe e raça que acaba por afetar o orgulho do patrão branco, que se vê afrontado ou diminuído, ao ter de admitir um trabalhador branco, em situação idêntica ao dos índios ou negros miseráveis” (p. 240).

Voltando ao enredo, Mr. Shine tenta aliciar Gales para entrar em negociação com os grevistas: “O senhor [Gales] é o único branco aqui entre os catadores e, como eu já lhe pago oito centavos, o senhor é isento e pode tomar parte na discussão.” (p.45). Gales, no entanto, não cede à pressão do fazendeiro e se declara simpático à ação grevista, o que leva Mr. Shine a ceder ante as reivindicações dos catadores de algodão. Concede um aumento salarial, de seis para oito centavos o quilo, com pagamento retroativo até o período inicial da coleta.

Após o período no campo de algodão, Gales consegue outra oportunidade de emprego, dessa vez num campo de perfuração de petróleo. O próprio Mr. Shine foi quem fez a intermediação, ao ficar sabendo de um acidente durante a perfuração de um poço, que resultou num grave acidente, incapacitando o perfurador oficial de trabalhar por algumas semanas. Os trabalhos na colheita do algodão seguiriam por mais algumas semanas e Mr. Shine se mostra preocupado com o futuro de Gales.

Diante da notícia do acidente, o fazendeiro diz ao gerente do campo de exploração de petróleo que conhecia um rapaz para substituir o perfurador acidentado: “Então eu [Mr. Shine] disse ao gerente: ‘Well’, falei, ‘eu tenho um Fellow, um catador, um branco, branco na cara e também no peitilho, um rapaz que, na sujeira mais miserável, vai cavar para o senhor o buraco mais fundo’. Então, eu disse: ‘Mr. Beales, eu vou lhe mandar o sujeito’ (p. 51).

As atividades no campo de petróleo duraram pouco tempo, mas o suficiente para Gales gozar de certa plenitude, mesmo dentro da precariedade de sua vida. Viveu por algum tempo despreocupado, sem sede e sem fome; “um homem livre na livre mata tropical, fazendo sestas à vontade e vagando por onde, quando e pelo tempo que eu quisesse. Eu estava bem. E eu vivia esse sentimento de forma muito consciente” (p. 55).

Uma nova peregrinação em busca de trabalho leva Gales a reencontrar seu colega Antônio, que o ajudou a conseguir uma nova ocupação, como padeiro e confeiteiro na padaria La Aurora, pertencente a um francês de nome Doux, também dono de um café-restaurante e arrendatário de um hotel.

Essa grande parte da história, que tem como núcleo central a vida de Gales na padaria, ocupa boa parte do Livro Segundo de Os catadores. É aqui, também, que a visão de mundo do autor aparece de forma mais acentuada e seu tema preferido – a luta de classes e a exploração do trabalho – ganha seus contornos mais perfeitos: “O Señor Doux e todos os seus colegas de negócio na cidade já sabiam como nos tirar qualquer possibilidade de aprender a refletir. Aqui é uma terra nova. Cada um tem só um pensamento: ficar rico bem rápido, sem se preocupar com o que vai ser do outro. É o que faz o pessoal do petróleo, das minas, os comerciantes, os donos de hotel, os cafeteros, todos que têm alguns tostões para explorar alguma coisa. Quem não pode explorar um campo de petróleo, uma mina de prata, a clientela, ou hóspedes de hotel, explora então a fome dos trabalhadores esfarrapados. Tudo tem que render dinheiro, e tudo rende dinheiro. Existe tanto ouro acumulado nas veias e artérias dos trabalhadores quanto nas minas…” (p. 133).

Assim como em O navio da morte, há momentos de distensão e idílio na vida do herói narrador, um pouco do ‘lado belo da vida’. E, mesmo assim, esses momentos não fogem à regra geral da civilização do capital – alguém será explorado. Gales tem o hábito de frequentar lugares de prostituição. A narração do bairro das senõniras e de todo o sistema da prostituição é um dos pontos altos dessa obra e que culmina na trágica e fascinante história da prostituta Jeannette, um dos “episódios interpostos” do livro, conforme observou Alcir Pécora.

Tais episódios fornecem à narrativa uma estrutura muito peculiar, pois surgem intercalados à ação principal e “acabam promovendo uma grande diversidade de registros, que são a chave de seu andamento animado, articulando casos intrigantes ou cômicos em sequências inesperadas” (p. 232).

Como não podia deixar de ser, a cor da pele novamente vai influenciar nos desdobramentos da vida de Gales. Após encerrar os trabalhos na padaria, ele consegue, através de um recrutador, uma carta de apresentação para um fazendeiro de algodão, um tal Mr. Mason. Chegando à fazenda, Gales acaba sendo engambelado por Mr. Mason, que diz desconhecer o tal recrutador. Consegue se livrar do pretendente à catador com outra carta de apresentação, endereçada a um fazendeiro que estava construindo uma nova casa e necessitando dos trabalhos de carpintaria.

Gales se dirige até à fazenda, onde descobre que não há precisão de carpinteiro nenhum. Mesmo assim – pelo fato de ser branco – Gales consegue um bom almoço e ainda descobre, numa conversa com o fazendeiro, que o tal Mr. Mason não passa de um patife, que todos os anos “usa esse golpe para recrutar catadores, a fim de pressionar ainda mais os salários dos catadores brancos que estão procurando emprego, usando os trabalhadores nativos” (p. 174).

Após essa pequena desdita, nosso herói decide tomar alguma coisa para apaziguar os ânimos. Num bar acaba conhecendo um americano – “um homem mais velho, com certeza um fazendeiro” – e daí ingressa para a última experiência de trabalho do livro, agora como condutor de um enorme rebanho bovino. Na conversa que tem para acertar o trabalho, Gales fica sabendo dos motivos pelos quais o tal americano o havia convidado para a tarefa. O fazendeiro e dono dos bois, Mr. Pratt, oferece cem pesos por dia, além de seis de seus homens, todos “índios”, e um capataz “mestiço”, sujeito muito inteligente, segundo Mr. Pratt, mas que não desperta confiança e que ele, Mr. Pratt, prefere “um homem branco para assumir a tropa” (p. 183).

O trabalho de conduzir cerca de mil cabeças de gado pelo interior do México, não fosse um ou outro incidente, é narrado quase como um idílio. Até um assalto que sofreram de um bando de ex-combatentes revolucionários é solucionado na mais serena paz. Há uma comunhão entre o narrador e o rebanho, que nos faz lembrar das grandes travessias de boiadas descritas em algumas estórias de João Guimarães Rosa: “Ah, mas que bela é a visão de um enorme rebanho de gado semisselvagem saldável. Ali, na nossa frente, eles pateiam e marcham, os pescoços largos, os corpos redondos, os chifres poderosos. É um mar revolto repleto de uma beleza indescritível. A gigantesca força na natureza viva, domada pela vontade. E cada par de chifres representa uma vida por si só, com vontade própria, com seus pequenos desejos, pensamentos e sentimentos” (p. 203)

É um contraste absurdo a narração desse rebanho de gado – saldável, imponente, disciplinado – em comparação com a situação da classe trabalhadora. Ambos, gado e proletário, marcham para o abatedouro. É justamente dessa massa de pessoas, vivendo naquele limiar entre a pobreza e a miséria, é desse mundo-cão-proletário que B. Traven tira os personagens deste e de outros livros, como O navio da morte e O tesouro de Sierra Madre.

Os livros de Traven parecem dramatizar, até as últimas consequências, as personagens que contam apenas com sua própria pele e que se dispõem aos capitalistas para serem esfolados em troca de um salário de fome. São como aqueles seres descritos por Marx, que materializam a passagem histórica da transformação do dinheiro em capital, seres que venderam sua própria pele e esperam apenas por serem esfolados.

*Alexandre Juliete Rosa é mestre em literatura brasileira pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

Referência


B. Traven. Os catadores de algodão. Tradução: Érica Gonçalves Ignacio de Castro. São Paulo, Editora Imprimatur, 2024, 256 págs. [https://amzn.to/4hXvId0]

Notas


[i] Alcir Pécora. “A tragédia do Trabalho (mas também a epopeia da greve e a apologia do deleite”. In: Os catadores de algodão, p. 227.

[ii] Isis Saavedra Luna e Jorge Munguía Espitia relatam essa fase de Traven no artigo “Enigmas de Bruno Traven”, disponível através do link.

[iii] B. Traven. Os catadores de algodão. Tradução de Érica Gonçalves Ignacio de Castro. Rio de Janeiro: Imprimatur / Quimera, selo literário, 2024, p. 15.

[iv] Sobre esse tema, ver o trabalho de María Elisa Velásquez e Gabriela Iturralde Nieto: Afrodescendientes en México: Una historia de silencio y discriminación. Disponível a partir do link.

[v] Gregory Rabassa. “O negro na História e na Literatura”. In: O negro na ficção brasileira. Trad. de Ana Maria Martins. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965, p. 49 e 74.


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