Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR*
O Brasil tem um Estado modernizado, mas não republicanizado, originando dificuldades em governar com o legislativo e cortar gastos dos militares e das grandes fortunas
Redijo este texto de opinião atento às notícias cotidianas. Considerando os eventos eleitorais deste ano que alertam a esquerda brasileira e as análises publicadas em jornais online, com destaque para o site A Terra é Redonda, que sempre abriu espaços para autores se expressarem sobre movimentos que se desenvolviam no contexto atual.
Apesar do indiciamento dos golpistas de 8 de janeiro pela Polícia Federal, cujos processos se encontram junto à PGR que deverá se manifestar no início de 2025, é clara a hegemonia da direita e da extrema direita; e do bolsonarismo, expresso na figura de Tarcísio de Freitas, sem Bolsonaro. Nota-se que o fascismo ainda está presente, revelando a predominância da bilirrubina, por sentimentos; sem racionalidade orientando os sujeitos históricos. Parece não existir reflexão e análise, não tem havido nos jornais; notícias sem um traço do sequestro da razão.
Aos olhos de quem lê, a racionalidade tem sido levada a cabo pelo bombardeio de milhões de notícias na mídia empresarial impressa, televisiva e nas redes sociais, sem qualquer regulação das plataformas. Há, nas palavras de Miguel Nicolelis, três grandes expoentes: “Big money, Big oil e Big techs”. Tais setores atuam com uma peculiaridade, que parecem com entidades impunes. É necessário dizer que o país em que se encontram estes poderosos são os Estados Unidos.
Conservadorismo e a geopolítica
Na geopolítica mundial, a extrema direita segue trajetória similar. A tendência conservadora e nacionalista expande-se na Europa e nos Estados Unidos, influenciada por fatores sociais, econômicos e políticos. Na Europa, o conservadorismo fortalece-se em vários países. Em Portugal, a direita manifesta-se, com o Chega, liderado por André Ventura, como principal partido de extrema direita. Nas eleições legislativas de março de 2024, o Chega quadruplicou sua representação parlamentar de 12 para 48 deputados. A Aliança Democrática (AD), coalizão de centro-direita, venceu as eleições com pequena margem, conquistando 79 cadeiras no Parlamento. A ascensão da extrema direita na Espanha reflete uma tendência mais ampla na Europa, onde partidos populistas e nacionalistas ganham apoio. Contudo, a capacidade desses partidos de influenciar a política nacional e europeia ainda é limitada pelas divisões internas e pela resistência de outros partidos e eleitores.
Nas eleições legislativas de julho de 2024 na França, a Nova Frente Popular, representando a esquerda, conquistou o maior número de assentos na Assembleia Nacional, mas não alcançou a maioria. A coalizão governista de centro, liderada por Emmanuel Macron, ficou em segundo lugar, enquanto o Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, aumentou sua presença no parlamento.
Na Grã-Bretanha, as eleições gerais de julho de 2024 trouxeram mudanças significativas. O Partido Trabalhista, liderado por Keir Starmer, obteve uma vitória esmagadora, resultando na maior maioria da história do partido. Keir Starmer prometeu guiar o país para “águas mais calmas” após 14 anos de governo conservador. A Alemanha enfrenta desafios econômicos e crescente polarização política.
Por enquanto, a situação ainda é monitorada em níveis local e global, associada à relevância da Alemanha, não apenas para a União Europeia, mas também em escala global. Nos últimos 15 anos, a China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil, o que ao longo do tempo vem aumentando seu volume. De fato, as importações chinesas do Brasil ultrapassaram 100 bilhões de dólares americanos por ano nos últimos três anos.
Agricultura, comércio, investimento, ciência e tecnologia, comunicações, saúde, energia e até acordos em áreas de cultura estão entre alguns dos 37 acordos bilaterais assinados entre China e Brasil. O acordo inclui protocolos sobre exportações agrícolas, bem como projetos conjuntos em tecnologia inovadora. É assim que o relacionamento do Brasil com o BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) tem sido dinâmico e bastante promissor para o ano de 2024. A adesão foi considerada um bom presságio para 2025, já que o Brasil assumirá a presidência pro tempore do BRICS, o que representa uma oportunidade significativa para aprofundar e ampliar a cooperação entre os países-membros.
Neste contexto, movimentos que se opõem à imigração e à União Europeia em uma onda nacionalista e paroquial podem ser destacados, trazendo à tona a formulação de políticas nessa linha. Esses partidos e movimentos colocam cada vez mais apoio na juventude europeia. Nos Estados Unidos, a reeleição de Donald Trump tem sido preocupante para muitos líderes europeus porque suas políticas populistas e isolacionistas podem tornar a extrema direita mais atraente no continente.
Donald Trump continua a ser uma figura central para muitos movimentos de extrema direita em todo o mundo, e seu estilo de liderança e retórica influenciam líderes de diferentes partes do mundo. A ascensão da extrema direita não é um fenômeno isolado. Está conectada a uma rede de líderes e movimentos que compartilham ideais conservadores e nacionalistas em diferentes partes do mundo. Esse desenvolvimento tem implicações de longo alcance para a política global, sua influência na estabilidade democrática e nas relações internacionais.
Brasil
Aqui, as direitas venceram ou alcançaram percentagens dos votos. Em outras, onde o trabalho se apresenta organizado, os partidos de centro e centro-direita aparecem com condições de governabilidade. Em Minas Gerais, o Partido dos Trabalhadores (PT) teve um desempenho, especialmente em áreas urbanas. Em São Paulo, o Partido Social Democrático (PSD) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) conquistaram prefeituras, mostrando força no centro político. No Nordeste, confirmou-se a tendência eleitoral.
Na Bahia, o PT e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) mantiveram uma presença, com vitórias em cidades. Em Pernambuco, o PSB continuou a ser um dos partidos, com prefeituras sob seu controle. No Pará, o MDB e o PSD também tiveram um desempenho, conquistando prefeituras. No Sul, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) obteve vitórias importante na esfera urbana.
A agenda do país
Lula e Fernando Haddad, anunciaram em 27 de novembro, adições novas ao pacote fiscal, declarando a isenção do Imposto de Renda para indivíduos com rendimentos até R$ 5 mil. Também estabeleceram um marco fiscal para estabilizar a dívida pública e reduzir a taxa Selic. Aprovaram uma reforma do sistema tributário de consumo. A prioridade é a expansão de programas sociais, como o Bolsa Família, para combater a pobreza e a desigualdade.
Com o avanço dos desmatamentos e incêndios, o governo brasileiro direciona-se aos acordos sobre mudanças climáticas, alinhando-se com compromissos internacionais. O governo fortalece as relações com países do Sul Global e promove uma política externa independente, mantendo uma posição neutra em conflitos internacionais, como a guerra na Ucrânia. Essas ações refletem a tentativa do governo brasileiro de equilibrar crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental, enquanto navega por um cenário político.
Favela e a ausência das esquerdas
Diante desse quadro, é difícil pensar nos desafios da esquerda sem recorrer à história. A escravidão tem um significado. Urge uma nova abolição da escravidão no país. Quais os significados da abolição?
Ela foi uma indenização dos oligarcas, proprietários dos pretos e pardos, e, ao mesmo tempo, uma ação de despejo. Os escravos libertos migraram para as cidades sem moradias, sem empregos e sofrendo repressão e preconceitos de toda ordem, foram para as favelas, que cresceram à margem do Estado. As favelas abrigam mais da metade da população brasileira.
Por estarem à margem do Estado, são assistidas pela filantropia, organizações não governamentais, igrejas neopentecostais, milícia e crime organizado. Vivem com medo e buscam ajuda com os pastores; autoridades na favela. Parece-me que aí reside o desafio das esquerdas. As esquerdas se afastaram dos trabalhadores enquanto as direitas se aproximaram. O cerco aos investimentos em políticas públicas sociais atenta contra as esquerdas. O que fazer? A escolha significa a desumanização ou a possível perda de governabilidade diante dos rentistas, dos produtores de combustível fóssil e dos empresários das redes sociais.
As contradições do governo Lula
O Brasil é uma das maiores economias do mundo, mas também um dos países mais desiguais. A riqueza no Brasil é concentrada em poucas mãos, enquanto uma grande parte da população vive em condições precárias. Há um conflito constante entre Executivo, Legislativo e Judiciário, afetando a eficiência e a capacidade governamental de responder às críticas da opinião pública.
O país busca protagonismo global, mas enfrenta desconfiança internacional devido a posicionamentos contraditórios e à ideologia presidencial. A taxação dos mais ricos e dos militares poderia ajudar a reduzir a desigualdade econômica ao aumentar a carga tributária e manter os programas sociais. Mudanças nos gastos militares são complexas, ainda que as forças armadas estejam na berlinda face a escândalos envolvendo um golpe militar. Este quadro expõe as dificuldades da democracia brasileira e mundial, com exceção dos países escandinavos.
Historicamente, as forças armadas no Brasil, juntamente com fazendeiros escravagistas, participaram do primeiro golpe militar em 15 de novembro de 1889, assumindo um Estado patrimonial, que depois passou às mãos dos cafeicultores. A república brasileira surgiu de um golpe, e a oligarquia ainda está presente na direita e extrema direita do país, com as forças armadas como guardiãs.
O Brasil tem um Estado modernizado, mas não republicanizado, originando dificuldades em governar com o legislativo e cortar gastos dos militares e das grandes fortunas. Recentemente, em 27 de novembro de 2024, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou medidas fiscais para economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos.
Alguns pontos incluem a isenção do Imposto de Renda para contribuintes que ganham até R$ 5 mil por mês, abono salarial assegurado para quem recebe até R$ 2.640, salário mínimo subindo acima da inflação até 2,5% ao ano, alterações na aposentadoria das forças armadas, e destinação obrigatória de 50% dos recursos das comissões do Congresso para a saúde pública, reforçando o SUS. Porém, as medidas apenas anunciadas em rede nacional precisam ir ao parlamento que, tem representado os atuais oligarcas do país.
O momento exige o otimismo, a origem das instituições nacionais; e a atenção cotidiana dos fatos.
*João dos Reis Silva Júnior é professor titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Autor, entre outros livros, de Educação, Sociedade de Classes e Reformas Universitárias (Autores Associados). [https://amzn.to/4fLXTKP]
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