Por ELENIRA VILELA*
Há uma esquerda que gosta de se autoproclamar revolucionária e radical, mas que é apenas sectária e coloca sua auto construção como projeto estratégico
Esse tem sido um debate recorrente e a resposta é… depende!
Na tradição do movimento operário e da luta de classes do lado da classe trabalhadora, a crítica e a autocrítica precisam ser prática constante. O psicólogo russo Lev Vigotsky, na minha modesta opinião, um dos intelectuais que melhor compreendeu e aplicou o que é o método materialista histórico dialético sistematizado por Marx e Engels na história, sempre enfatiza que a crítica é o exercício de confrontar as análises e os constructos teóricos com sua capacidade de explicar a realidade e fornecer instrumentos para sua transformação no sentido dos objetivos estratégicos da classe e que a crítica precisa ser feita aos intelectuais, líderes e organizações que importam, que tem relevância na produção da ciência ou da luta da classe.
Nesse sentido, criticar não somente é permitido, como desejável. Mas também, a crítica precisa ser compreendida como muito além de apontar erros, de discordar ou não gostar de alguma decisão, mas de localizar essas decisões e opiniões no movimento da luta de classes e analisar o que é necessário pra direcionar a atuação a conquistar objetivos e suprir necessidades de acordo com a tática e a estratégia da luta da classe explorada.
O mesmo vale pra qualquer crítica a movimentos, partidos, governos, atuações na institucionalidade, na luta política, jurídica, científica ou em qualquer campo de luta.
Os problemas de ficar apontando erros do governo ou ficar atribuindo problemas ao governo que, por vezes, sequer são problemas dele e que de fato podem fortalecer o fascismo tem relação com três pilares:
O Estado é propriedade de classe no capitalismo e a proprietária é a burguesia
Deixar de levar esse fato em consideração e passar a atribuir todos os problemas da classe ao governo atual, além de falsear a realidade, contribui para que a classe construa uma formulação de que é necessário trocar esse governo por qualquer outro e isso fortalece o fascismo que é a força política que está mais forte para absorver a deserção a esse governo.
A luta institucional é necessária para o acúmulo de força organizativa e política na sociedade da nossa classe, mas ela sempre é a luta política no campo do adversário. As eleições, os governos, o judiciário, os parlamentos em países capitalistas sempre serão estruturalmente organizados para a preservação dos interesses da classe burguesa, não existe atuar nesses campos sem ceder a interesses dessa classe, não existe atuação purista e revolucionária nesse lugar, não existe vitória total em nenhuma luta nesse campo, as vitórias, quando acontecerem, sempre serão parciais.
Algumas correntes políticas ou de pensamento no campo operário na história, por esse motivo, consideram inútil ou mesmo contraproducente para a luta revolucionária a luta no campo institucional. Mas as correntes leninistas compreendem que essa luta é necessária, porque é capaz de formar ou fortalecer as bases da classe trabalhadora nesse campo, visto que esse é o momento mais fértil de atenção e exercício da classe na luta estritamente política e visto que via a conquista de poder institucional, é possível avançar em direitos para a classe, o que contribui para que ela se organize e lute mais tanto por pautas pragmáticas, quanto por pautas estruturais. Direitos trabalhistas, como férias, redução de jornada e licença maternidade, avanços democráticos como o voto universal e o reconhecimento dos sindicatos e direitos humanos, entre outros, foram conquistados via luta de massas articulada com luta no campo institucional e melhoraram objetivamente a vida da classe produtora, o que, conforme nos ensina Rosa de Luxemburgo, é óbvio que qualquer revolucionário deve buscar, tanto pela melhora em si, quanto porque a conquista anima a lutar mais e contribui para o aumento da consciência de classe e do nível de organização.
As mesmas organizações que se recusam a efetivamente lutar nesse espaço, costumam, ironicamente, cobrar ostensivamente quem conquista espaço nesse âmbito como responsável por resolver todos os problemas da classe por essa via. Isso acontece com muita frequência com o PT sendo alvo do que seus parlamentares deveriam conquistar no parlamento, mesmo ignorando que segundo sua própria lógica, eles nem deveriam estar lá e ignorando, o que deveria ser impossível de ignorar, que são minoria objetiva e que a burguesia tem ampla maioria nesse campo, com seus empregados bem pagos e trabalhando a favor da estrutura de manutenção de poder.
Isso não significa não poder apontar erros e pressionar quando o governo e os partidos estão cedendo direitos. É inclusive necessário pressionar. Mas é preciso sempre apontar que são os banqueiros, os latifundiários que exigem decisões como essa e que os regimentos e as leis foram feitas para beneficiá-los numa luta que é sempre desigual. Ah, mas a gente sabe que é desigual, se o PT optou por lutar ali, então que aguente. A questão é que é formativo para a classe sempre denunciar o quão o jogo é desigual. Claro que quem está ali já conta com isso, mas é preciso explicar milhões de vezes e demonstrar esse desequilíbrio, para que a consciência da classe se aproprie da necessidade de superar o sistema e de que muitas vezes o que não se conquista ali não é falta de vontade de quem ocupa aquele espaço contra a correnteza. Que é muito mais fácil superar obstáculos formais para retirar um direito da maioria do que pra conquistar algo pra essa minoria naquele âmbito. Demonstrar que o Glauber Braga não está tendo seu processo avançando podendo chegar na sua cassação por um erro pessoal, é necessário demonstrar porque mil deputados fizeram coisas terríveis e ilegais, mas como são empregados do sistema, nunca sofreram nada e ele está sendo processado.
Tudo isso fica muito pior, quando a crise do capital impõe o recrudescimento da extrema direita em todo o mundo. Por isso, mesmo comparar os governos Lula com seus próprios governos anteriores desconhece que a conjuntura é completamente diferente, a correlação de forças está brutalmente alterada para pior, desde o crescimento dos fascistas em todo o mundo como resposta capitalista para manter suas taxas de acumulação em condições de imensa desigualdade. Não foi em quaisquer condições que esse governo ganhou, foi imperioso fazer um arco de alianças absurdamente amplo, com boa parte da burguesia dentro dos postos mais estratégicos do governo, com uma pressão externa e interna, com tentativas de golpe, de assassinato, com encarceramento e sempre é necessário enfatizar que mesmo o que poderia e deveria ser melhor agora, poderia ser infinitamente pior caso o Bolsonaro tivesse sido reeleito ou o golpe se efetivado.
Ah, mas todo mundo não sabe disso? Não, não sabe, se você só fala que o salário mínimo devia ser bem maior, que o Bolsa família tinha que ser bem maior, que a polícia não podia estar matando o quanto mata e o reajuste não foi o que servidores pediram e não explicita que não haveria nenhum reajuste e quase nenhum Bolsa família e a polícia estaria matando ainda muito mais e o salário mínimo totalmente congelado caso o Bolsonaro tivesse ganho, as pessoas vão acreditar que o governo atual é o fundo do poço e votarão na “alternativa” que se apresenta, que é a extrema direita.
Quem é o inimigo
Há uma esquerda que gosta de se autoproclamar revolucionária e radical, mas que é apenas sectária e coloca sua auto construção como projeto estratégico, ignorando as necessidades objetivas da classe, tanto do ponto de vista pragmático, quanto tático ou estratégico.
Já vi militontos dessa pseudo esquerda atribuírem ao governo federal todos os problemas sociais. Chamo de sectária porque simplesmente ela nunca consegue vislumbrar e apontar que os problemas que afligem nossa sociedade são responsabilidade do capitalismo, da sua classe dirigente, a burguesia e de seu poder exercido por via econômica, via política – tendo nesse momento uma maioria amplíssima nos parlamentos em todos os níveis no Brasil e em boa parte do mundo, via militar – com as guerras, a atuação dos braços armados e da comunicação, que além de contar com o aparato já histórico de rádio, TV e jornais, e que atualmente no Brasil, se tornaram estritamente veículos usados como agência de publicidade da burguesia (nunca foi o contrário disso, mas há momento em que o jornalismo consegue superar com mais frequência a publicidade, nesse momento, quase não tem ocorrido), contam também com todas as redes sociais vários aparatos estruturalmente organizados para promover ideologias de criação e exterminação de inimigos criados.
Há também movimentos muito legítimos, como dos indígenas, do povo negro e das pessoas trans que dizem e não estão erradas em afirmar que o governo sendo de direita ou de esquerda, seu grupo ainda sofre opressões brutais. Isso é fato, a questão é que também não são as mesmas opressões. Não é igual ter zero terras demarcadas de indígenas e quilombolas e ter algumas, ainda que não todas, ou ainda que não nas condições desejáveis. Não é igual ter o Estado atuando pra criminalizar a transgeneridade ou pra criar políticas públicas para esse segmento social. Não é igual ter uma secretaria da família querendo obrigar indígenas a se tornarem cristãos sendo aculturados ou uma secretaria atuando pra demarcar terras. Obviamente, os conflitos e a opressão seguem, opressão esta ligada ao sistema e não somente ao governo e que governos de esquerda ou humanistas ainda tem políticas que mantém as estruturas de opressão e devem ser pressionados a se alterar e somente com organização e pressão se alteram. Mas em governos de esquerda a pressão tem mais chance de funcionar, em governos de extrema direita a estrutura de opressão se fortalece e recai com todas as suas botas e de maneira ainda mais violenta contra essas populações.
Sendo assim, é fundamental nominar como responsáveis pela exploração e opressão sempre os burgueses, os super-ricos, os banqueiros, os latifundiários e seus braços, incluindo, além dos já citados, as Igrejas e mercadores da fé, não as crenças, mas as estruturas de poder que manipulam essa fé e valores ideológicos e morais para fortalecer a opressão.
O próprio PT foi chamado de “udenismo de macacão” pelo sábio Leonel de Moura Brizola, com bastante razão, porque incorporou por muito tempo um discurso moralista, como se o problema fossem os políticos e a corrupção e não o sistema e a classe usurpadora. Esse é um erro que ninguém na esquerda pode cometer mais, é sempre essencial nominar como culpados e inimigos sempre os efetivos responsáveis, isso é ser radical. Um bom exemplo de radicalidade foi o vídeo que Ian Neves fez denunciando os motivos pelos quais o Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, estava ganhando tão tranquilamente as eleições daquela cidade depois de toda a tragédia da enchente, demonstrando os super-ricos financiadores dos esquemas que garantiram a ele essa vitória, para muito além de apontar eventuais erros táticos eleitorais da campanha de Maria do Rosário e Tamyres. Ao contrário de vídeos superficiais apontado problemas tático-eleitorais que certamente ocorreram nas derrotas de Boulos em SP e Duda ou Rogério Corrêa em BH. O sistema sempre está contra nós, a classe burguesa costuma querer ver nossas lideranças mortas ou no ostracismo. É possível vencer, mas a tendência é sempre de perder e atribuir derrotas somente a erros táticos é despolitizante e desmobilizador.
Nesse sentido, também, quando faço análises sobre os maiores problemas das políticas educacionais nacionais, pesquiso sempre primeiro em páginas de investidores na bolsa sobre as recomendações e análises sobre as ações da COGNA e da YDUQS, as grandes empresas de mercadorização do ensino. Obviamente que os documentos propostos e aprovados pelo MEC ou no Congresso Nacional são confrontados com essas análises e assim percebemos o quanto o capital está pressionando as políticas e o quanto essa pressão está ou não funcionando. Obviamente, não se deve omitir a responsabilidade do MEC, do Camilo Santana ou da Izolda Cela (ex-secretária executiva do ministério fortemente ligada às fundações e empresas), mas raramente o que esses agente editam é puro ato de suas convicções próprias ou vontades. Aliás, é meio patético fulanizar as decisões de ministros tanto como se toda a política proposta fosse seu ato de vontade (Fernando Haddad costuma ser vítima preferencial desse tipo de acusação), quanto para proteger o Lula, como se ele fosse pessoalmente muito diferente do seu governo e Haddad, Santana ou qualquer outro ministro agisse em políticas fundamentais sem sua anuência. Também é interessante um comportamento de tratar as divergências no âmbito do governo como se apenas os que tomam as decisões criticáveis como sendo “O Governo” e os que se posicionaram e pressionaram contra, não. Ocorreu recentemente, em relação às ilações da imprensa sobre o que viria no tal pacote fiscal e posicionamentos públicos contrários a medidas aventadas, como corte dos mínimos constitucionais de educação e saúde, em que Santana e Trindade se manifestaram contrários, corte na política do Salário Mínimo e no BPC, com manifestações contrárias de Marinho e Lupi, mas aí o governo é somente quem supostamente estaria disposto a adotar as medidas (no caso, Haddad) e não os que interferiram para que as medidas fossem em outros sentidos e conseguiram em maior ou menor medida evitar perdas. O governo não é um todo homogêneo e sem conflitos internos e se é verdade que Lula não domina tudo, também é verdade que nada central vai adiante sem sua concordância.
Quantidade gera qualidade
A categoria dialética quantidade e qualidade explicada por Engels nos ensina que qualidades geram quantidades e quantidades geram qualidades. Pegando essa última parte da inequação, temos que se você só se lembra de fazer críticas ao governo ou se somente se lembra de criticar os oprimidos e nunca os opressores, você está de fato realçando e fortalecendo o quê?
Tem um pseudo intelectual que gosta de escrever textos com muita frequência criticando e desfazendo dos movimentos que afetam o seu próprio identitarismo, do homem branco hétero e letrado. Ele costuma iniciar dizendo que recebe falsas críticas de que o fato de ele criticar esses movimentos seria uma forma de negar a existência das opressões, o que ele afirma não estar fazendo. Mas faça o seguinte exercício: procure entre seus textos uma crítica a um ato de racismo ou de machismo. Procure um artigo seu denunciando lgbtfobia ou capacitismo de alguma instituição, intelectual ou organização. Você jamais vai encontrar. Então, pra ele, quantitativamente fica demonstrado, o problema da sociedade está no fato de haverem movimentos contra as opressões. Se você nunca se lembra de enfrentar de qualquer maneira a opressão e sempre se lembra de enfrentar quem luta contra ela, você, como nos ensinou Florestan Fernandes, é um intelectual que fez uma opção pelos opressores, porque a opção pelos oprimidos precisa ser feita de maneira consciente e deliberada todos os dias.
O mesmo vale para o governo. Não adianta dizer que você sabe que há burguesia, capitalistas, correlação de forças en passant em 15 segundos e depois dedicar 3 horas a dizer que o governo está errado nisso e naquilo e é inimigo do povo. Dedicar um parágrafo do seu jornal a criticar o Arthur Lira ou o Lehman e duas páginas a criticar a Nísia Trindade, a Anielle Franco, o Fernando Haddad e o Lula.
Outro dia assisti a uma palestra sobre a situação da Palestina e se você não prestasse muita atenção ao início, sairia de lá com a impressão de que o massacre contra palestinos está sendo imposto pelo Lula, pelo Múcio e pelo Amorim e não pelo Netanyahu e pelos sionistas, porque o nome do genocida foi citado duas ou 3 vezes, o nome do partido dele nenhuma, do movimento sionista umas duas ou 3, agora os nomes do PT e dos membros do governo Lula umas 50 vezes. Eu concordo cobrar o governo para romper relações com Israel e faço isso, agora não é Lula que está assassinado as crianças e os palestinos sabem a importância de ter Lula fazendo as declarações que fez e que fez os sionistas brasileiros surtarem.
Dias desses, em “defesa” de um desses youtubers da esquerda sectária, alguém disse, “Não, mas na hora da eleição, em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro ou alguém fascista como ele, o fulano vai defender a posição correta de votar no Lula”. Vai sim, mas vai convencer quem se passou centenas de horas dizendo que todos os problemas do país são culpa de Lula e dos seus ministros? A pessoa que ouvir, se já não for alguém muito bem formado na esquerda, vai é chamar esse fulano de incoerente ou de traidor, afinal não faz sentido mesmo me pedir pra votar e reeleger um governo responsável por tudo que há de ruim na nossa vida.
Essa quantidade gera uma qualidade. É preciso ser radical e isso significa passar a maior parte do tempo criticando a burguesia, a direita, os aparelhos de imposição do poder capitalista e também criticar o governo quando ele cumpre esse papel cedendo às pressões impostas por esse poder.
O PT não é um partido criado pela burguesia nem pelos poderosos nesse país. É um partido que conseguiu consolidar uma experiência legitimamente trabalhista em um partido de massas com ampla inserção social. É um partido da ordem capitalista progressista de centro esquerda que mudou para sempre a organização da classe e que conseguiu criar problemas para uma burguesia local atrelada ao imperialismo, que é a mais escravocrata, misógina, racista, capacitista, cisheteronormativa e credonormativa. Aqui, qualquer luta como legalização do aborto e reforma agrária, pautas facilmente absorvidas por Estados capitalistas liberais, são tratadas como pautas revolucionárias ou comunistas.
O Brasil precisa muito de organizações radicais e revolucionárias. Mas elas não serão construídas no enfraquecimento do PT empurrando a massa que tem referência nessa organização para a direita e extrema direita. A disputa pela esquerda não pode ser sectária e não pode se resumir a novas organizações de esquerda tentando cooptar base petista, essas organizações precisam disputar a consciência da classe e não se consegue isso com sectarismo.
Lutas como as lutas feministas, antirracistas, pelo fim da escala 6×1, greves por direitos de trabalhadores na iniciativa privada (que não sejam locaute) e no serviço público (que não sejam por pautas golpistas) fortalecem o próprio governo e a esquerda, o que não significa que não ensejem conflitos entre governo e sindicatos ou movimentos. Fazer mobilizações pela diminuição dos juros e pela taxação das grandes fortunas, dividendos e herança e pela redução drástica das renúncias fiscais a grandes empresas e latifundiários, assim como pela regulação do sistema financeiro e do sistema da dívida são fundamentais para empurrar o governo, a classe e o sistema para diminuir benesses dos super-ricos. É necessário fortalecer e ampliar o impacto quando o governo faz a disputa política na direção classista, o que tem acontecido bem menos que o necessário, mas ocorreu como no enfrentamento à taxa de juros, na luta pela redução da renúncia fiscal, na defesa do SUS, na luta pela taxação das fortunas e no enfrentamento aos super-salários, entre outros.
Por último, há um comentário recorrente quando questionamentos são apresentados em formulações que criticam o governo, cobrando cuidados e equilíbrio no tom das cobranças e críticas que é: “se fosse o governo X (Collor, FHC, Temer ou Bolsonaro) não estaríamos demorando ou com cuidados com o tom e já estaríamos batendo.” Exatamente, temos que tomar cuidados, porque ainda que um escudo frágil, com buracos e até mesmo com alguns inimigos atirando contra nós apoiados nele próprio, o governo Lula é o melhor escudo que temos no momento contra ataques brutais que conhecemos e sob os quais estamos sendo atacados ou ameaçados e não faz sentido atirar para destruir o escudo que nos protege. As críticas precisam ajudar a tampar os buracos ou retirar do apoio no escudo os que de lá nos lançam tiros, mas jamais pode colocar em risco o escudo em si enquanto não tivermos algo melhor para nossa proteção, o que não se vislumbra no momento. É simplesmente burrice, porque o escudo tem problemas, destruí-lo como um todo sem nada para substituí-lo.
Em resumo: não somente é possível, como necessário criticar o governo. Mas é sempre necessário criticar primeiro e com mais ênfase o sistema capitalista, a burguesia, seus empregados e instrumentos. As críticas devem cobrar saídas que deem força política para conquista de avanços da classe, tanto nos direitos quanto de maneira organizativa. Devem pressionar o governo para nossas pautas e agir contra a pressão da burguesia pela retirada de direitos, denunciando essa pressão e as mentiras nela contida. Nossa atuação deve cobrar o governo, mas, principalmente, alterar a correlação de forças para que o governo seja mais pressionado pela classe trabalhadora do que pela burguesia. É preciso enfatizar sempre o que um governo fascista/golpista representa e o quanto a defesa dessa democracia parcial e frágil é necessária, porque na conjuntura atual, as supostas alternativas não resolvem nenhum problema atual, mas sua derrocada os aprofundaria brutalmente. É preciso também apontar alternativas efetivamente antissistema e devem demonstrar que quem se declara antissistema na extrema direita é efetivamente o maior serviçal dos interesses da minoria super-rica.
Se você se identificou com exemplos ou situações, fique tranquilo, provavelmente estou falando de você, mas de muitas outras e outros que tem atitudes muito similares. As inquietações que me fizeram escrever esse artigo envolvem desde pessoas das bases e direções da minha própria categoria ou central sindical, até youtubers, intelectuais ou pessoas da academia que se pensam como tal, comunicadores sociais, economistas, militantes de vários sindicatos, correntes internas ao próprio PT ou de outros partidos, organizações políticas bem variadas, entre muitos outros. Incluem até as pessoas que fazem uma defesa messiânica do governo e consideram que ninguém pode fazer crítica nenhuma, o que é um erro imenso.
É preciso construir, fortalecer uma correlação de forças que permita à maioria ter cada vez mais poder objetivo e capacidade de mudar a realidade a seu favor, até sermos capazes de derrotar totalmente o sistema capitalista e findar a exploração e todas as formas de opressão. Só a luta muda a vida, mas a luta precisa ter teoria, táticas e estratégia, organização e inteligência. Não será possível derrotar o capitalismo de peito aberto, com ingenuidade ou achando que apenas a convicção e a vontade sejam suficientes, nem repetindo mantras pseudo revolucionários sectários. A luta é árdua e seguiremos nela, até a vitória.
*Elenira Vilela é professora de matemática no Instituto Federal de Santa Catarina e Coordenadora Geral do SINASEFE.
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