Por José Machado Moita Neto*
Comentário sobre o livro do filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han
“Hoje se cumpriu o que estava escrito”. A versão correta da frase que discutirei não está no Evangelho (Lucas 4: 21) e o seu contexto para compreensão do significado não é aquele que brota na leitura da bíblia (Lucas 4: 14-29). Está no pensamento de Nietzsche, no conceito de Übermensch, está escrito no livro “Assim falou Zaratustra”. Talvez nosso filósofo tenha sido apressado em dizer que deus morreu, mas é certo que construímos uma sociedade pós-moderna bem diferente da cristã que se aproxima da visão de Nietzsche para o homem. Certamente ele não previu seus desdobramentos ao pontuar vícios de sua época e conclamar a virtudes deste novo homem.
O pacote completo da moral kantiana, da sociedade disciplinar de Foucault, da repressão ao inconsciente de Freud, da visão dicotômica de exploradores e explorados de Marx, foi superado pelo homem pós-moderno. O autor de “Sociedade do Cansaço” faz um passeio panorâmico por alguns pensadores para tatear em um diagnóstico de nossa sociedade e a caracterizá-la como uma sociedade do desempenho que conduz, quase que inevitavelmente, a Síndrome de Burnout e a Depressão.
O texto de Byung-Chul Han é conduzido em um estilo “Morde e assopra” em relação a alguns filósofos. Apresenta a caricatura do pensamento deles e rebate para a construção de seu argumento. Depois, em outro momento, consulta os mesmos filósofos sobre outro tema e os tem como um oráculo de verdade mais cristalino. Um sucesso não se constrói apenas deste modo, o autor tem uma linguagem fácil, demonstra erudição e faz uma descrição de um segmento significativo da sociedade alemã e, talvez europeia, com os seus dramas. Identifica a transição para o homem-mercadoria (exposta no facebook, por exemplo) e atribui que o sujeito que se autoexplora até a exaustão, ao esgotamento, é a grande conquista do capitalismo da atualidade.
O primeiro capítulo do livro “a violência neuronal” foi mais uma vítima do coronavírus. O autor faz todo um discurso de superamento da fase “imunológica” de nossa sociedade para preparar o leitor a fase atual que denomina neuronal. O discurso, lido em novembro de 2019, estaria perfeito e cada um de nós acrescentaria algum fato de nossa sociedade que até reforçaria o argumento. Deste modo, para melhor valorizar leitor e obra, aconselho quem não o leu ainda que o faça pelo menos 2 anos após ter encerrado o trauma coletivo causado pelo coronavírus.
O autor é um filósofo e como tal não se vincula a solução do problema exposto na obra. Apenas mostra, com pouco rigor, o seu surgimento. Deste modo, cabe ao leitor apresentar a própria solução ou identificar algo implícito na construção filosófica e literária de Byung-Chul Han. Não fiz o diagnóstico de nossa época e, portanto, não me é licito apresentar solução. Contudo arrisco fazer uma brincadeira: advogando o eterno retorno do mesmo, o autor poderia decretar a morte do super-homem, do homem pós-moderno e afirmar aquilo que deixou implícito em toda obra. Todos precisarão de algo ou alguém que os guie. Sozinhos, entregues a nossa própria liberdade, fracassaremos e nos esgotaremos. Mas isto os cristãos já sabiam (Mateus 11: 28-30).
*José Machado Moita Neto é professor aposenado da Universidade Federal do PiauíJosé Machado Moita Neto ([email protected])
Referência
Byung-Chul Han. Sociedade do cansaço. Petrópolis, Vozes, 136 págs (https://amzn.to/45Aie0o).