Sociedade do cansaço

Imagem_Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por José Machado Moita Neto*

Comentário sobre o livro do filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han

“Hoje se cumpriu o que estava escrito”. A versão correta da frase que discutirei não está no Evangelho (Lucas 4: 21) e o seu contexto para compreensão do significado não é aquele que brota na leitura da bíblia (Lucas 4: 14-29). Está no pensamento de Nietzsche, no conceito de Übermensch, está escrito no livro “Assim falou Zaratustra”. Talvez nosso filósofo tenha sido apressado em dizer que deus morreu, mas é certo que construímos uma sociedade pós-moderna bem diferente da cristã que se aproxima da visão de Nietzsche para o homem. Certamente ele não previu seus desdobramentos ao pontuar vícios de sua época e conclamar a virtudes deste novo homem.

 O pacote completo da moral kantiana, da sociedade disciplinar de Foucault, da repressão ao inconsciente de Freud, da visão dicotômica de exploradores e explorados de Marx, foi superado pelo homem pós-moderno. O autor de “Sociedade do Cansaço” faz um passeio panorâmico por alguns pensadores para tatear em um diagnóstico de nossa sociedade e a caracterizá-la como uma sociedade do desempenho que conduz, quase que inevitavelmente, a Síndrome de Burnout e a Depressão.

O texto de Byung-Chul Han é conduzido em um estilo “Morde e assopra” em relação a alguns filósofos. Apresenta a caricatura do pensamento deles e rebate para a construção de seu argumento. Depois, em outro momento, consulta os mesmos filósofos sobre outro tema e os tem como um oráculo de verdade mais cristalino. Um sucesso não se constrói apenas deste modo, o autor tem uma linguagem fácil, demonstra erudição e faz uma descrição de um segmento significativo da sociedade alemã e, talvez europeia, com os seus dramas. Identifica a transição para o homem-mercadoria (exposta no facebook, por exemplo) e atribui que o sujeito que se autoexplora até a exaustão, ao esgotamento, é a grande conquista do capitalismo da atualidade.

O primeiro capítulo do livro “a violência neuronal” foi mais uma vítima do coronavírus. O autor faz todo um discurso de superamento da fase “imunológica” de nossa sociedade para preparar o leitor a fase atual que denomina neuronal. O discurso, lido em novembro de 2019, estaria perfeito e cada um de nós acrescentaria algum fato de nossa sociedade que até reforçaria o argumento. Deste modo, para melhor valorizar leitor e obra, aconselho quem não o leu ainda que o faça pelo menos 2 anos após ter encerrado o trauma coletivo causado pelo coronavírus.

O autor é um filósofo e como tal não se vincula a solução do problema exposto na obra. Apenas mostra, com pouco rigor, o seu surgimento. Deste modo, cabe ao leitor apresentar a própria solução ou identificar algo implícito na construção filosófica e literária de Byung-Chul Han. Não fiz o diagnóstico de nossa época e, portanto, não me é licito apresentar solução. Contudo arrisco fazer uma brincadeira: advogando o eterno retorno do mesmo, o autor poderia decretar a morte do super-homem, do homem pós-moderno e afirmar aquilo que deixou implícito em toda obra. Todos precisarão de algo ou alguém que os guie. Sozinhos, entregues a nossa própria liberdade, fracassaremos e nos esgotaremos. Mas isto os cristãos já sabiam (Mateus 11: 28-30).

*José Machado Moita Neto é professor aposenado da Universidade Federal do PiauíJosé Machado Moita Neto (jmoita@ufpi.edu.br)

Referência

Byung-Chul Han. Sociedade do cansaço. Petrópolis, Vozes, 136 págs (https://amzn.to/45Aie0o).

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES