Três funções do orientador

Imagem: Markus Spiske
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Por JEAN PIERRE CHAUVIN*

O orientador precisa estar consciente de que a sua tarefa não é reter os alunos e pesquisadores, já que eles não têm o estatuto de coisa

“What happens to his class now?’ I enquired. At this he guffawed loudly. ‘Without being too prophetic, I’d say you’re for it” (E. R. Braithwaite, To Sir with Love, 1959).

Há tempos, este pseudocronista intenta redigir um breve tratado sobre o ofício de ensinar: essa arte que, desde o advento da internet no final da década de 1990, rivaliza com os portais/buscadores de informação e, mais recentemente, com influencers (de quem, mesmo?) e produtores de conteúdo (de que procedência e qualidade, heim?).

Para além de protestar frente às acusações infundadas e injustificadas contra o professor – quase sempre disparadas por quem nunca pisou numa sala de aula, e nada sabe das violências que este profissional sofre diariamente, dentro e fora das instituições –, talvez seja oportuno dedicar uma lauda e meia a alguns papéis inerentes ao ofício de orientar.

Primeira função primordial: responder a mensagens enviadas pelos seres interessados em desenvolver pesquisa (sob nossa orientação, ou não). Soará contraditório sugerir que estudantes leiam atentamente e anotem rigorosamente ensaios que dissertam sobre as múltiplas formas de escuta e solidariedade, se não mostrarmos disposição em ler e responder a eles. Obviamente, isso não implica orientarmos a pesquisa de mil pessoas simultaneamente, nem estarmos disponíveis as vinte e quatro horas do dia. Não se trata de uma relação entre serviçal e cliente.

Atrelada à disposição para ler e escrever, está a habilidade de escutar e falar. Resultará inútil responder por escrito à mensagem do estudante, se não houver acolhida e direcionamento. Por acolhimento, quero dizer escuta atenta, combinada à resposta cordial, seja ela indício de uma parceria de trabalho; seja ela recomendação de que o aluno: (1) reflita sobre hipóteses de pesquisa derivadas do tema que tem em mente; (2) dialogue com outros colegas de ofício, caso não possamos orientá-lo; (3) estabeleça um repertório inicial de leituras; (4) inaugure uma rotina de estudos; (5) encare a pesquisa como um trabalho que demanda humildade etc.

Quanto ao direcionamento (supondo que a orientação tenha início), parece-me que o segundo papel do professor é incentivar o estudante a perseguir o tema de seu interesse, levando em conta a exequibilidade da pesquisa; os impasses existentes; a bibliografia incontornável; o prazo efetivo para a realização do trabalho; a necessidade de recortar o tema (por autor, obra, período histórico etc.) em havendo necessidade; a importância de o aluno não transformar o objeto de pesquisa em mera manifestação narcísica etc.

Salvo engano, a terceira função do orientador é alertar o estudante de que ninguém é autossuficiente. Daí a importância de sugerir modos de como conduzir a pesquisa sem arroubos de genialidade; manter-se atento às mensagens enviadas (não só) pelo orientador; dirigir-se grata e humildemente à banca avaliadora etc. No plano discursivo, propor modelos de como não soar pretensioso ou categórico, ao redigir o relatório de pesquisa, a monografia ou a tese, o resumo para eventos, a resenha ou o artigo científico.

Desde sempre, o orientador precisa estar consciente de que a sua tarefa não é reter os alunos e pesquisadores, já que eles não têm o estatuto de coisa: não são “sua” propriedade. De nossa parte, como não somos coach ou deidade, soa ridículo portar frases messiânicas de efeito, ainda que recorramos a elas como meras fórmulas de incentivo.

Respeitadas as atribuições de orientando e orientador, procure-se estimular a concepção solidária de mundo, justamente porque ela é poderoso antídoto contra o ultraliberalismo e marca posição contra os orgulhosos hiper-sujeitos – entes ciosos de sua máxima relevância a reproduzir pérolas do senso comum, como se se tratasse de máximas filosóficas, tais como: “o mundo é assim”.

Na quase totalidade das parcerias, os estudantes se mostrarão modestos nos contatos iniciais e adquirirão maior dose de pretensão, porventura respaldada por alguma autonomia, à medida que caminharem por relativa conta própria. Ao final do contrato de orientação (que pode levar de seis meses a alguns anos), o mais provável é que os estudantes sumam no mundo e apenas eventualmente se recordem de seus professores e orientadores, perguntando-lhes “como vai”?

Mas há algum consolo. Dos vínculos de pesquisa, restarão o registro da trajetória em comum no currículo Lattes e a declaração oficial (a resumir o longo e complexo trabalho de orientação em três linhas), emitida por eficientes sistemas on-line e validada por seres autômatos.

*Jean Pierre Chauvin é professor de Cultura e literatura brasileira na Escola de Comunicação e Artes da USP. Autor, entre outros livros de Sete Falas: ensaios sobre tipologias discursivas.


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