Uma derrota do bolsonarismo

Imagem: João Nitsche
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CAMILA MORENO*

Análise preliminar do primeiro turno das eleições municipais

Não há dúvida: o maior derrotado das eleições municipais de 2020 é o Bolsonaro. O apoio do presidente contou mais contra do que a favor dos seus candidatos. Russomano naufragou em São Paulo e o mesmo ocorreu em quase todas as capitais. Dos 45 vereadores que Bolsonaro decidiu apoiar em lives e posts em suas redes sociais, somente 7 foram eleitos. Entre os 13 prefeitos, só dois estão no segundo turno.

Há, de fato, uma reorganização da direita tradicional e neoliberal, que alguns chamam de centrão, que foi vitoriosa nessas eleições em um expressivo número de municípios. Esses são os que tuítam às vezes contra o Bolsonaro, mas não encaminham pedidos de impeachment mesmo com reiterados crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente, defendem uma política econômica cruel com os mais pobres, cortes de direitos e privatizações.

Há também muitas feridas para serem curadas na esquerda, que vem desde as eleições nacionais de 2018. Nas eleições municipais o PT foi alvo de muitos ataques do PDT (com anuência do PSB) principalmente no Rio e em Fortaleza. Bateram na rejeição do PT, pediram voto útil, reivindicaram uma Frente de Esquerda que não se esforçaram em construir.

O PSOL, que já vinha nesse processo, consolidou um reposicionamento na esquerda. Não atacaram o PT, ampliaram a votação, elegeram mais vereadores(as) nas grandes cidades e chegaram ao segundo turno na maior cidade do país, um feito gigantesco!

Sobre o PT, como já estamos acostumados, todas as análises eleitorais querem decretar o nosso fim. É assim desde que nascemos. Primeiro não tínhamos força suficiente, depois éramos radicais demais, popular demais. Inventaram mentiras, nos taxaram de corruptos, nos golpearam, prenderam injustamente o maior líder popular do país e nós seguimos vivos, bem vivos!

Sem mascarar a realidade, é preciso dizer que diminuímos – pouco – a quantidade de prefeituras e vereadores, mas estamos no segundo turno em 15 grandes cidades, bem diferente de 2016.

É também muito importante reconhecermos inclusive as batalhas que travamos que não chegaram ao segundo turno. Quem não se emocionou com a campanha da Benedita da Silva? E não ficou impactado com a força de resistência da Luizianne Lins? Assim também foi com Adriana Accorsi, com Jean-Paul, Pedro Tourinho, Zé Ricardo, Pedro Kemp, Jilmar Tatto… todos fundamentais pra um debate programático e popular.

Como desde que nascemos, eles seguem tentam decretar o nosso fim. O argumento de agora é de que fomos superados pelo PSOL. Com toda admiração e respeito que tenho aos nossos companheiros(as) mas o PT elegeu 2584 vereadores(as) e o PSOL 75. O PT elegeu 174 prefeitos(as) e o PSOL 4. É um pouco precipitado falar de superação do PT com esses números, não é mesmo?

A verdade é que derrotar o PT só interessa, ou deveria ao menos, à direita, aos neoliberais, aos poderosos, ao mercado financeiro, à elite e ao Bolsonarismo. Enfraquecer o PT é enfraquecer a força da esquerda.

Não é possível analisar o primeiro turno das eleições municipais sem ressaltar a força da eleição das mulheres, jovens, negros e negras, trans e lésbicas de esquerda nas capitais e nas grandes cidades. Em Natal, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba e Belém as candidaturas mais votadas do PT foram de mulheres negras. Em Aracaju e em Belo Horizonte as candidaturas mais votadas da cidade foram de mulheres trans. Em Porto Alegre e no Rio de Janeiro o PT também elegeu mulheres, jovens, negras com votações expressivas. Em Campo Grande e Vitória, o PT elegeu mulheres, jovens, feministas. Em Florianópolis, o PT elegeu uma mulher lésbica. Não foi diferente nas grandes cidades como Contagem, Juiz de Fora e Uberlândia.

É necessário que tenhamos um olhar especial e que dediquemos significativo tempo da nossa análise para esses resultados. A esquerda quer votar em mulheres, em jovens, em negros e negras, em LGBTs. Em candidaturas coletivas, novidades, sonhos, valores. Quer se ver no voto, quer se sentir representada. Li algumas análises interpretam essas expressivas votações como um afastamento da nossa base social. Discordo. Essas mulheres eleitas estão muito mais próximas da classe trabalhadora do que muitos dos representantes anteriores. A luta de classe é indissociável das questões étnico raciais, etárias e de gênero.

Cada vez mais, a forma importa tanto quanto o conteúdo. Afinal, qual era a diferença substantiva do programa do Boulos para o de Tatto? Não existem. Todas as companheiras vereadoras eleitas tinham excelente desemprenho nas redes sociais, por exemplo. E nós precisamos, coletivamente, encontrar esse caminho. Da nitidez programática, do programa para os 99% de trabalhadores(as), da identidade de classe, mas também de raça, de gênero e etária.

Resgatar o legado é importante, mas não podemos achar que as pessoas serão eternamente gratas pelo o que fizemos quando governo. É preciso também falar de futuro, apresentar perspectiva, mobilizar a esperança.

É hora de força total no segundo turno. Sem descanso! Somos todos Marília Arraes e João Coser. Somos Margarida Salomão, Marília Campos, Antônio Gomide, Célia Tavares, Elói Pietá e Zé Raimundo.  Somos Manu, somos Boulos, somos Edmilson! Somos a derrota do Bolsonarismo, da direita, do neoliberalismo e do atraso! Vambora!

*Camila Moreno é membro da Executiva Nacional do PT.

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
O pagador de promessas
Por SOLENI BISCOUTO FRESSATO: Considerações sobre a peça teatral de Dias Gomes e o filme de Anselmo Duarte
Na escola ecomarxista
Por MICHAEL LÖWY: Considerações sobre três livros de Kohei Saito
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
Ainda estaremos aqui?
Por ANTONIO SIMPLICIO DE ALMEIDA NETO: É preciso, com urgência, considerar a negligência com que temos tratado o conhecimento histórico nas escolas brasileiras, notadamente as públicas
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES