Por MARISA BITTAR*
Independentemente dos governos que se sucedem e das demandas da categoria docente, o ponto essencial desta greve é: a quem interessa as universidades vazias?
Depois de anos, mais uma vez vivemos uma greve do setor federal da educação e um vazio nas universidades.
Durante a ditadura militar, a greve tinha um significado ímpar. Nas escolas públicas, além dos baixos salários, os governadores dos estados, em apoio ao regime militar, submetiam as escolas aos seus interesses políticos e não abria diálogo. Hoje, prestes a completarmos 40 anos do final da ditadura, vivendo sob o Estado de direito e em plena revolução tecnológica, a situação é completamente diferente.
Independentemente dos governos que se sucedem desde então e das demandas da categoria docente, o ponto essencial desta greve é: a quem interessa as universidades vazias? O governo atual, em terceiro mandato do PT, anuncia expansão de universidades e investimentos em infraestrutura, descartando atender à reivindicação de reajuste salarial linear. A sociedade, por sua vez, solidária ao povo do Rio Grande do Sul, ignora a greve e parece não sentir falta das universidades.
Que sentido tem suspendermos as nossas aulas, deixarmos as nossas turmas de graduação no vazio, quando, durante a pandemia, a universidade tanto propagou a importância da ciência e da produção de conhecimento? Por que razão não se pode negociar com qualquer governo sem interrompermos o nosso trabalho? Foi negociando com o governo Dilma Rousseff que conseguimos avanços significativos na carreira. Se a universidade deve ter sentido social, esvaziá-la contribui em quê?
A greve na educação federal transmite indiferença e alienação relativamente ao delicado contexto nacional além de uma visão de mundo estreita e corporativa. Por qual razão o movimento sindical não deflagrou greve durante o governo passado quando as nossas condições salariais e de trabalho eram as mesmas?
Vivemos, hoje, no contexto de liberdades democráticas e da conexão da sociedade em redes. O impacto disso nas universidades e na educação em geral é impressionante e contrasta imensamente com o vazio que a greve institui.
O Censo da Educação Superior (2022) mostrou que as instituições privadas correspondem a 87% do total de faculdades, centros universitários e universidades do Brasil, e são responsáveis por capacitar 75% dos estudantes de nível superior, isto é, cerca de 6,3 milhões de pessoas. Nesse universo, a rede federal de ensino superior brasileiro atende a uma parcela minoritária da população estudantil e mesmo assim, ao lado das universidades públicas estaduais, distingue-se em termos nacionais e internacionais. Isso porque, mesmo nos países mais ricos, as universidades públicas nem sempre são gratuitas, elas cobram mensalidades de seus alunos, tal como no caso norte-americano.
Recém-graduada em 1981, aderi à minha primeira greve como professora da escola pública de Mato Grosso do Sul. Nossos salários eram muito baixos para 40 horas semanais em sala de aula. Saímos em passeata pela Avenida Afonso Pena, em Campo Grande, sob aplausos da população que admirava e apoiava a nossa iniciativa. Naquele contexto de ditadura, o então presidente da Associação Campo-Grandense de Professores (ACP), Amarílio Ferreira Jr. e eu, fomos vítimas de prisão. Depois, construímos as nossas trajetórias acadêmicas em duas universidades federais, UFMS e UFSCar.
O contexto democrático garantiu expansão e fortalecimento desse sistema para o qual, só na UFSCar, eu me dedico há mais de trinta anos. Como professora apaixonada pela docência e pesquisadora do CNPq desde 2008, considero inaceitável que, a despeito de experiências negativas, o setor grevista das universidades federais continue a esvaziá-las e a isolá-las da sociedade.
*Marisa Bittar é professora titular de História, Filosofia e Políticas da Educação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
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