As instituições não funcionaram

Imagem: Matheus Natan
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por KÁTIA GERAB BAGGIO*

As instituições falharam na defesa da democracia

Durante os últimos anos, e ainda hoje, escutamos que as instituições brasileiras funcionaram — e que continuam funcionando.

Não! As instituições brasileiras não funcionaram para defender a democracia e o Estado Democrático de Direito.

Se tivessem funcionado devidamente, Dilma Rousseff não teria sofrido um impeachment sem crime de responsabilidade comprovado; Lula não teria sido condenado e preso sem provas de que tivesse cometido qualquer crime; e Jair Bolsonaro teria tido seu mandato de deputado federal cassado, com a devida perda dos direitos políticos, por falta de decoro parlamentar — em inúmeras ocasiões, incluindo atitudes agressivas contra colegas do Congresso, como o senador Randolfe Rodrigues, então no PSOL, em 2013; e a deputada federal Maria do Rosário (PT), em 2014 —, além de incontáveis manifestações racistas, misóginas e/ou homofóbicas. E por elogios a um torturador reconhecido como tal pelo Judiciário: o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, falecido em 2015, que foi diretor do Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão subordinado ao Exército, em São Paulo, de setembro de 1970 a janeiro de 1974, durante a ditadura militar.

No dia 17 de abril de 2016, na votação pela admissibilidade do processo de impeachment da ex-presidente Dilma, o então deputado Jair Bolsonaro declarou, no plenário da Câmara: “Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve [sic]; contra o comunismo; pela nossa liberdade; contra o Foro de São Paulo; pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff; pelo Exército de Caxias; pelas nossas Forças Armadas; por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim”.

Ao mencionar Ustra como “o pavor de Dilma Rousseff”, Bolsonaro admitiu, mesmo que tenha negado posteriormente, o passado de torturador do coronel falecido. E não foi cassado por elogio à tortura, como deveria ter sido. O processo, então aberto no Conselho de Ética da Câmara, foi arquivado, em 9 de novembro de 2016, sob a alegação de que “o deputado apenas expressou sua livre opinião política, amparado na inviolabilidade parlamentar”.

Aceitou-se que Jair Bolsonaro agredisse colegas parlamentares. Aceitou-se que defendesse um torturador, assim reconhecido pelo Judiciário. Aceitou-se que um notório defensor da ditadura militar mantivesse o seu mandato parlamentar.

As instituições falharam na defesa da democracia. Permitiram que um herdeiro dos porões da ditadura militar chegasse ao cargo mais importante da República, com o voto de mais de 57 milhões de brasileiros e brasileiras, conscientes ou ignorantes do seu passado — e presente — imerso no horror da ditadura, da tortura e das milícias.

Que as instituições, finalmente, funcionem, aprovando a destituição de Jair Bolsonaro da Presidência da República, por crimes de responsabilidade comprovados.

*Kátia Gerab Baggio é professora de História das Américas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Remy José Fontana Lincoln Secco Eleonora Albano João Feres Júnior Luiz Eduardo Soares Ricardo Fabbrini José Geraldo Couto Airton Paschoa Antônio Sales Rios Neto Walnice Nogueira Galvão Maria Rita Kehl Vladimir Safatle Leda Maria Paulani Eliziário Andrade Francisco de Oliveira Barros Júnior Juarez Guimarães Marcos Silva José Costa Júnior Luiz Roberto Alves Fábio Konder Comparato Marcus Ianoni Eduardo Borges José Machado Moita Neto Leonardo Boff Jorge Luiz Souto Maior Ricardo Musse Afrânio Catani Luiz Bernardo Pericás Otaviano Helene Chico Whitaker Ricardo Antunes Sandra Bitencourt João Carlos Salles Rafael R. Ioris Daniel Afonso da Silva Anselm Jappe Salem Nasser Priscila Figueiredo Eleutério F. S. Prado Ronald León Núñez Mário Maestri Bernardo Ricupero Luís Fernando Vitagliano Anderson Alves Esteves Marilia Pacheco Fiorillo Luiz Werneck Vianna Paulo Martins Tales Ab'Sáber Henri Acselrad Eugênio Bucci Francisco Fernandes Ladeira Leonardo Sacramento Vanderlei Tenório Samuel Kilsztajn Renato Dagnino Ari Marcelo Solon Ronaldo Tadeu de Souza João Sette Whitaker Ferreira Slavoj Žižek Paulo Nogueira Batista Jr Kátia Gerab Baggio Leonardo Avritzer Ladislau Dowbor Julian Rodrigues Eugênio Trivinho Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Armando Boito Caio Bugiato André Singer Carla Teixeira João Carlos Loebens Bruno Machado Fernão Pessoa Ramos Boaventura de Sousa Santos Marcelo Guimarães Lima Yuri Martins-Fontes Gabriel Cohn Atilio A. Boron Lorenzo Vitral Lucas Fiaschetti Estevez Tarso Genro Carlos Tautz Alexandre Aragão de Albuquerque Michel Goulart da Silva João Paulo Ayub Fonseca José Luís Fiori Matheus Silveira de Souza Manuel Domingos Neto Dênis de Moraes Michael Roberts Paulo Capel Narvai Luis Felipe Miguel Alexandre de Freitas Barbosa José Dirceu Bento Prado Jr. Antonio Martins Paulo Sérgio Pinheiro Ricardo Abramovay Marjorie C. Marona Gilberto Lopes Tadeu Valadares Francisco Pereira de Farias Antonino Infranca Igor Felippe Santos Marcelo Módolo Heraldo Campos Rodrigo de Faria João Adolfo Hansen José Micaelson Lacerda Morais Jean Marc Von Der Weid Bruno Fabricio Alcebino da Silva Marilena Chauí Annateresa Fabris André Márcio Neves Soares Luiz Marques Jorge Branco Celso Favaretto Dennis Oliveira Everaldo de Oliveira Andrade Rubens Pinto Lyra Valerio Arcary Michael Löwy Marcos Aurélio da Silva Fernando Nogueira da Costa Flávio R. Kothe Alexandre de Lima Castro Tranjan Flávio Aguiar Daniel Brazil Jean Pierre Chauvin Milton Pinheiro Chico Alencar Berenice Bento Ronald Rocha Benicio Viero Schmidt Daniel Costa Andrés del Río João Lanari Bo Claudio Katz Luciano Nascimento Thomas Piketty Andrew Korybko Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gerson Almeida Alysson Leandro Mascaro Liszt Vieira Érico Andrade Luiz Renato Martins Vinício Carrilho Martinez José Raimundo Trindade Henry Burnett Denilson Cordeiro Manchetômetro Celso Frederico Paulo Fernandes Silveira Elias Jabbour Sergio Amadeu da Silveira Gilberto Maringoni Luiz Carlos Bresser-Pereira Osvaldo Coggiola Mariarosaria Fabris

NOVAS PUBLICAÇÕES