Por RUBENS GOYATÁ CAMPANTE*
Comentário sobre a interpretação de Leonardo Avritzer
“O liberalismo apenas armado contra o Estado mostrou-se incapaz, pela feição elitista, de corporificar uma doutrina democrática de governo”. (Raymundo Faoro).
Raymundo Faoro recebeu, recentemente, no site A Terra é Redonda, críticas equivocadas de parte do professor de ciências políticas da UFMG, Leonardo Avritizer, que disse que a Operação Lava Jato inspirou-se em sua obra. O primeiro artigo de Avritzer foi contestado pelo professor da PUC-RS Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo. Em resposta, Avritzer reforçou e acrescentou, em outro texto, as condenações a Faoro, e criticou, além de Ghiringhelli, seu colega do Departamento de Ciências Políticas da UFMG, Juarez Guimarães, cujas apreciações sobre Faoro o professor gaúcho utilizara em sua contestação. O segundo artigo de Avritzer também foi respondido, pertinentemente, por Ghiringhelli.
Ainda assim, vale a pena esclarecer certos equívocos a respeito de Raymundo Faoro. Não apenas para defender um intelectual já morto de acusações infundadas, mas porque a polêmica em torno da ideia de patrimonialismo tem enorme relevância política e ideológica, pois sustenta processos de legitimação de disputas de poder e de ações políticas.
Em 2018 publicamos um artigo em que afirmávamos que “em frontal oposição aos conteúdos da obra magna de Raymundo Faoro, a Operação Lava-Jato (…) organizou uma narrativa de legitimação do combate à corrupção a partir de uma interpretação liberal tardia e instrumental do conceito de patrimonialismo”[i]. O intelectual referência dessa interpretação foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que interpretou equivocadamente a obra de Faoro como um libelo anti-estatista. Cardoso não percebeu que o verdadeiro vilão, para Faoro, não era o Estado, mas as elites que o instrumentalizam, o famoso “estamento” citado do início ao fim de seus textos, os “donos do poder” do título do livro, o “patronato político” do subtítulo – esse é o foco de Faoro, que nunca reduziu liberalismo a mero anti estatismo: “As liberdades políticas atravessaram metamorfoses que lhes infundiram conteúdo na dinâmica social. Caracterizadas, em outros tempos, pela só desconfiança à sociedade política, encarnaram liberdades contra o Estado e liberdade de intervenções corretoras do equilíbrio entre fracos e poderosos (…) O liberalismo de pares, de privilegiados, de senhores (…) cedeu lugar, ao se desprender do liberalismo econômico, ao liberalismo retemperado pelo povo, nos novos direitos chamados sociais. (…) O liberalismo apenas armado contra o Estado mostrou-se incapaz, pela feição elitista, de corporificar uma doutrina democrática de governo”.[ii]
Cardoso não leu ou não deu importância a este e outros trechos de Faoro. Interpretou patrimonialismo como estatismo, pretenso esquema populista e obsoleto implantado contra a modernidade da sociedade civil e do mercado, representada, no Brasil, pelo complexo agrário e industrial paulista. O estatismo, segundo ele, teria sido exponenciado nos governos petistas, tendo como consequências um nacionalismo obsoleto e inservível, o patrimonialismo e a corrupção. Isso porque, segundo Cardoso, o patrimonialismo teria se modernizado junto com o Estado e a sociedade, e, a partir dessa modernização e conforme o novo tipo de relações instituídas entre Estado e sociedade civil
“a crítica de Faoro à falta de garantias do Estado patrimonial aos direitos subjetivos dos trabalhadores e dos pobres em geral perde força como argumento para mostrar os males causados pelo patrimonialismo à racionalidade das decisões. Talvez a capacidade do Estado patrimonial de assegurar tais direitos explique a adesão continuada de camadas diversas da sociedade, incluindo as desprivilegiadas, às formas contemporâneas de patrimonialismo”[iii].(grifos nossos)
O trecho grifado deixa claro que, para Faoro, a principal consequência funesta do patrimonialismo era social, em termos de carência de igualdade e de liberdade: falta de garantias dos direitos subjetivos dos trabalhadores e dos pobres em geral. Cardoso, contudo, sustenta que, atualmente, a “irracionalidade patrimonialista” ocorreria justamente quando os pobres e trabalhadores conseguissem esses direitos via Estado. Evidências para isso não apresenta.
Esse argumento, que liga estatismo a patrimonialismo, irracionalidade e corrupção, teoricamente veiculados pelos governos petistas, legitimou a Lava Jato. Suposto combate judicial à corrupção de cunho antinacional e politicamente enviesado, que, com apoio da grande mídia, jogou o país no Estado de exceção, no qual, sob a justificativa do combate imprescindível a “situações gravíssimas de interesses geral”, exerceu-se o poder jurídico sem qualquer observância de seus limites legais e constitucionais, ignorados os direitos e garantias dos cidadãos.
Leonardo Avritzer, na verdade, insurge-se contra esse Faoro distorcido e instrumentalizado pela interpretação liberal elitista, capitaneada por Fernando Henrique Cardoso. Insurgência contra o autor, não contra o conceito em si de patrimonialismo, que tal autor introduziu no Brasil, a partir de uma leitura assumidamente heterodoxa de Max Weber. Em seu livro “O pêndulo da democracia”, Avritzer utiliza largamente o conceito de patrimonialismo, referindo-se à luta, após o fim da ditadura militar, entre a tradição do Estado patrimonial brasileiro, apropriado pelas elites em desfavor da coisa pública, e a novidade do Estado social, de cunho democrático e universalista, surgido da Constituição de 1988. Avalia, corretamente, que após o golpe de 2016 a balança pendeu para o velho Estado patrimonial[iv].
Avritzer chama a operação Lava-Jato de “faorismo judicial”, qual seja, a suposição de que a corrupção é o maior, senão o único, problema brasileiro, e de que para acabar com ela seria necessário um ativismo judicial que descamba para o punitivismo.
Pois bem, se há, nos textos de Faoro, críticas constantes ao que ele chama de “estamento burocrático”, não há, porém, o foco na corrupção comezinha de agentes públicos, de políticos, como aquela de que a Operação Lava-Jato se ocupou. O termo “corrupção”, inclusive, nem é muito usado por Faoro. Mas em sentido amplo, bem mais profundo que o da Lava-Jato, a questão está em seu radar. Entendida em sentido normativo profundo, como desvirtuamento de um estado de coisas desejável, a verdadeira corrupção denunciada por Faoro é a da negação da liberdade, não da liberdade-privilégio, de poucos, mas da liberdade enquanto condição geral da sociedade, só alcançável por uma democratização efetiva e por uma expansão quantitativa e qualitativa das bases sociais do poder. A temática de Faoro é ampla, não é a do político ou do funcionário que embolsam dinheiro público – claro que deplora tais situações, mas são, para ele, meros sintomas de um mal maior: o padrão liberticida e assimétrico de poder, enraizado desde épocas longínquas na sociedade brasileira.
E o que poderia, segundo Faoro, fazer sozinho o Poder Judiciário em relação a isso? Pouco ou nada. Não há sequer uma linha em que Faoro defenda um “ativismo judicial punitivista” para purgar e democratizar o país. Ao contrário, ao comentar certa esperança nesse sentido expressada por Rui Barbosa, de que a lei e o Judiciário pudessem, na República Velha, controlar o mandonismo rural oligárquico e o militarismo intervencionista, Faoro critica as ilusões do antigo jurista e político baiano.[v]
Malograda tal intenção, lembra Faoro, Rui Barbosa culpará os juízes do Supremo, acusando-os de medo, venalidade, subserviência e tais. O problema, porém, garante Faoro, não era subjetivo, não era uma suposta “pusilanimidade dos homens, nem (…) falha ou traição do órgão. O destino da República não dependia de quinze velhos, muitos de indiscutível desassombro. Não foi o Supremo Tribunal o órgão que falhou à República, mas a República que falhou ao Supremo Tribunal. A missão política que ele deveria representar estava destinada a outras mãos, alimentadas de forças reais e não de papel”[vi].
Claro, portanto, que, vivo fosse, Faoro deploraria a visão estreita de corrupção e o voluntarismo autoritário e tendencioso da Lava-Jato – afinal, sempre foi um defensor dos direitos humanos e da lei democrática e universal, e um inimigo do Estado de exceção.
Avritzer critica Faoro, ainda, por basear sua tese de que o principal elemento da formação nacional é o Estado patrimonial, que se traduz na apropriação privada de recursos do Estado por atores privados[vii], em duas operações de qualidade acadêmica duvidosa: “a primeira é atribuir esse elemento à formação portuguesa, ainda no começo do milênio passado, e assumir (…) que esse elemento patrimonial haveria se transferido e reproduzido no Brasil. A segunda é identificar esse elemento em todos os períodos históricos”[viii].
Essa é uma crítica recorrente que se faz a Faoro. Ele veria uma espécie de ‘imutabilidade histórica” na sociedade luso-brasileira, a qual desconsideraria as especificidades de cada período de nossa trajetória. Faoro, contudo, admite, sim, efetivas mudanças econômicas, sociais, culturais e mesmo políticas ao longo da história brasileira – absurdo se não o fizesse. A questão é que, mesmo com tais mudanças, permanece algo: o conteúdo elitista, autoritário e liberticida do poder. Faoro, nesse sentido, enxerga conservadorismo, e não imobilismo, em nossa história. Distingue “modernização”, mera substituição de formas obsoletas por novas, geralmente emuladas do exterior, de “modernidade”, esta, sim, ligada a uma ordem política liberal democrática, viés de cidadania – temos tido constantemente a primeira, garante ele, a segunda até se insinua, em certos momentos, mas não se completa, sempre tolhida pela força e/ou plasticidade do patronato político, que controla o potencial das novidades de abalar a substância oligárquica do poder[ix].
“A incolumidade do contexto de poder, congelado estruturalmente, não significa que ele impeça a mudança social (….) a permanência da estrutura exige o movimento, a incorporação contínua de contribuições de fora, adquiridas intelectualmente ou no contato com civilizações desenvolvidas. Favorece a mudança, aliás, a separação de uma camada minoritária da sociedade, sensível às influências externas e internas (….) ao receber o impacto de novas forças sociais, a categoria estamental as amacia, domestica, embotando-lhe a agressividade transformadora, para incorporá-las a valores próprios, muitas vezes mediante a adoção de uma ideologia diversa, se compatível com o esquema de domínio”[x].
Mesmo, portanto, que a continuidade apontada por Faoro não seja plena, mas aquela de uma substância oligárquica do poder, que segue perpassando as diferentes épocas de nossa história, pode-se questionar: é possível esse elemento de continuidade perdurar por tanto tempo, por séculos? Sim, é.
Fernand Braudel, por exemplo, ao falar da história mais recente, muitas vezes circunscrita à brevíssima duração das existências humanas, assevera que: “esses acontecimentos de ontem explicam e não explicam, por si sós, o universo atual. Em graus diversos, a atualidade prolonga outras experiências muito mais afastadas no tempo. Ela se nutre de séculos transcorridos (…) a vida dos homens implica muitas outras realidades (…) o espaço em que eles vivem, as formas sociais que os aprisionam e decidem de sua existência, as regras éticas, conscientes ou inconscientes, às quais obedecem, suas crenças religiosas e filosóficas, a civilização que lhes é própria. Tais realidades têm uma vida muito mais longa que a nossa e nem sempre teremos, no curso de nossa existência, o tempo necessário para vê-las mudar completamente (…) Assim, um passado próximo e um passado mais ou menos distante se confundem na multiplicidade do tempo presente: enquanto uma história próxima corre a nosso encontro em largas passadas, uma história distante nos acompanha o passo lento”[xi] .
A percepção de Faoro sobre a reiteração secular do poder oligárquico na sociedade brasileira é tributária dessa história distante, “de respiração lenta”, como diz Braudel[xii]. Não há só essa história, da longue durée. Há a outra história, mais próxima, pela qual não faz sentido, por exemplo, afirmar que os governos de Pedro II, de Vargas e dos militares foram a mesma coisa. Malgrado, porém, as evidentes especificidades, perpassa-lhes o fio de certo padrão de poder assimétrico e liberticida – este o foco de Faoro.
Escrevemos “poder” sem adjetivações (político, econômico, militar, social, cultural, religioso etc) porque acreditamos que tais adjetivos correspondem a manifestações específicas do poder, as quais são mais bem compreendidas se a análise leva em conta suas inevitáveis conexões com outras manifestações de poder. Nada errado, portanto, em focar, digamos, o poder econômico, mas se a abordagem for estreita e não levar em conta, também, o poder político, social etc, a análise perde força. O foco de Faoro é político, institucional, jurídico, conectando essas questões, de forma inspirada, à realidade econômica. Faltam, porém, considerações sociais, sobre a religiosidade, a sociabilidade, a cultura etc.
Avritzer questiona, na longue durée faoriana, se o conteúdo de uma instituição política se encontra na análise de sua origem. Afirma que Faoro não explica como o Estado luso, centralizado e patrimonial na longínqua Idade Média, reproduziu-se ao longo de nossa história, e diz que para tal demonstração, “Faoro teria de ter lançado mão de um segundo elemento da obra weberiana, os assim chamados extratos sociais condutores de ideias”. Como não o faz, “a transferência da corte seria a meia sola weberiana utilizada por Faoro”[xiii].
Primeiro, Faoro não credita a reiteração do patrimonialismo no Brasil apenas à transferência da corte lusa para cá em 1808 – dá a devida importância ao fato, mas “Os donos do poder” é um grande desfilar de como, nas mais diversas conjunturas históricas, não só nesse início do século XIX, o patrimonialismo manteve-se e renovou-se. O mais importante, porém, é a menção aos extratos sociais condutores de ideias. Realmente, é um recurso explicativo de Weber. A questão, porém, é mais que isso. É que a sociologia histórica de Faoro é deficiente. E que, como dissemos, análises sobre o poder se enriquecem ao abordar uma de suas manifestações levando em conta suas relações com outras. E que, referindo-se, o patrimonialismo, tanto à organização quanto à legitimação do poder político, ele “demanda” uma perspectiva ampla, não só política, mas também social, cultural etc.
Tal perspectiva ampla está presente nos escritos de Weber sobre o patrimonialismo na China e na Roma antigas[xiv]. Escritos de fôlego civilizacional, que estudam o “outro” e o “antes”, respectivamente, do Ocidente, como ferramentas de sociologia comparativa para a grande empreitada weberiana de definir as características da civilização ocidental – e a ideia de patrimonialismo é uma ferramenta crucial em tal empreitada. Isso é o relevante, a consideração sobre os tais “extratos sociais condutores de ideias” vem daí, dessa perspectiva weberiana açambarcadora.[xv]
Além disso, uma perspectiva de longa duração não pode se ater somente ao político, jurídico e institucional e suas relações com o econômico. Tem de considerar, também, as mentalidades, a cultura, como variáveis de relativa autonomia, não como meras expressões de outras. Esta é a principal carência da obra de Faoro, a “carência-mãe”, que gera equívocos como exagerar na narrativa da centralização política e na onipotência do Estado na história brasileira, como considerar a escravidão somente por suas consequências políticas e econômicas (o poder do tráfico de escravos e do financiamento/intermediação da produção e exportação sobre os fazendeiros), ou como a falta de definição mais apurada do que seja o estamento que domina o país.
Entre os equívocos de Faoro, porém, não está, como acusa Avritzer, o de postular “arbitrariamente a presença de ideias liberais nas fazendas e unidades locais de poder (…) entender o fazendeiro do começo do século XIX como um liberal é igual entender o uberista do século XXI como um empreendedor. Ou seja, há um equívoco fundante na análise de Raymundo Faoro sobre independência e império, na ideia de um liberalismo sem liberdade econômica, sem relações horizontais na fazenda e com escravidão”[xvi].
Avritzer, então, cita um trecho de Faoro cujo final deixa claro, como já o notou o professor Ghiringhelli, que o autor de Os donos do poder não considerava que os fazendeiros portassem um liberalismo de afinidades democráticas e contratualistas. O trecho: “liberalismo, na verdade, menos doutrinário que justificador: os ricos e poderosos fazendeiros cuidam em diminuir o poder do rei e dos capitães-generais apenas para aumentar o próprio, numa nova partilha de governo, sem generalizar às classes pobres a participação política”[xvii]. Evidente, pelo trecho, que Faoro sabia que liberalismo, para eles, era, no máximo, sinônimo de descentralização política, que lhes aumentava o poder pessoal, não de liberdade econômica, relações sociais horizontais ou fim da escravidão.
Na Regência, esse programa de descentralização política foi implantado, especialmente através de modificações nas normas penais, materiais e processuais, que reforçavam os poderes locais. Faoro não reporta a experiência com bons olhos[xviii]. Critica o artificialismo, a falta de base social, do ensaio de liberalismo descentralizador nos primeiros anos da Regência[xix], demonstrando que nunca supôs, ao contrário do que afirma Avritzer, que houvesse relações horizontais e mentalidade anti escravista nas fazendas. E a reação centralizadora ao caos gerado pelo localismo regencial, quando a própria unidade territorial do país recém independente foi ameaçada, levando inúmeros liberais a apoiarem a ascensão precoce de Pedro II ao trono, tal reação escancara, para Faoro, os limites e contradições do nosso liberalismo: “O liberalismo brasileiro (…) convive com o demônio por ele gerado. Para fugir ao despotismo do trono e da corte, entrega-se ao despotismo do juiz de paz – apavorado com a truculência dos sertões, suscita o tigre imperial. Na oposição, brada pelas franquias do homem livre, no governo (…) quer a eternidade do poder, a vitaliciedade do chicote. Para a paz, um único caminho: a volta da hierarquia, numa confederação de comando, sob o império de um árbitro”[xx]
A razão dessa inconstância, para Faoro: o liberalismo dos latifundiários brasileiros da época era um “liberalismo de pares, de senhores”, como definiu na citação constante na nota 6, acima, o liberalismo de afinidades democráticas sempre foi um veio minoritário aqui.
Faoro, contudo, via os latifundiários, assim como o restante da sociedade, como vítimas de um poder minoritário, incrustado no Estado burocrático, aliado aos esquemas creditícios que financiavam a escravidão e a agricultura[xxi]. Visão um tanto exagerada.
Primeiro, porque o sistema mercantil e o latifúndio não eram tão distantes ou inconciliáveis. Realmente o tráfico de escravos e a intermediação financeira da produção e exportação tiveram grande relevância política e econômica. Em relação a isso, o livro O arcaísmo como projeto, dos historiadores João Fragoso e Manolo Florentino, traz informações cruciais[xxii]. Um achado crucial da rigorosa pesquisa documental dos autores foi o fato de que um número expressivo desses traficantes e intermediadores, que amealhavam enormes fortunas em dinheiro, deixava, depois de alguns anos, tais afazeres e se tornavam fazendeiros e/ou grandes proprietários urbanos. Imobilizavam, literalmente, o capital adquirido, tolhendo, assim, o próprio desenvolvimento de um capitalismo moderno – daí o “arcaísmo como projeto”, referido pelos autores. As firmas de tráfico de escravos, “depois de vinte ou trinta anos de funcionamento contínuo, seus responsáveis acabavam por abandonar os misteres mercantis, transformando-se em rentistas urbanos e/ou senhores de terras e de homens”[xxiii]. Não era a busca de maior estabilidade, garantem os autores, que justificava essa tendência, mas “a presença de um forte ideal aristocratizante, identificado ao controle de homens e à afirmação de certa distância em relação ao mundo do trabalho. Nada mais natural, em se tratando de uma elite mercantil forjada em meio a um sistema no qual a produção escravista pressupunha a contínua reiteração da hierarquização e exclusão dos outros agentes sociais ”[xxiv].
Ou seja, um padrão, ressaltam os autores, “que não se restringe ou se esgota no mercado, pois tem na cultura – especialmente na cultura política – um momento fundamental”[xxv]. Não havia, então, concluem Fragoso e Florentino, tanta contradição entre a hegemonia do capital mercantil e o funcionamento de uma economia agro escravista.
Segundo, porque os grandes fazendeiros – embora realmente não “mandassem” sozinhos no país – não eram tão frágeis frente ao Estado. O Estado brasileiro teve, geralmente, tendências autoritárias e centralizadoras. Centralização efetiva, almejada, porém, só raramente logrou. Não significa irrelevância do Estado ou da centralização, mas relatividade. A nota tônica em nossa história foram soluções de compromisso do poder central com poderes locais, oligárquicos, como os latifundiários, em que um não prevalecia completamente sobre o outro, em um arranjo em que, como dizia José Murilo de Carvalho, governar significava reconhecer certa estreiteza do poder estatal[xxvi]. Essa centralização limitada, porém, não desautoriza uma interpretação patrimonial do Brasil. Patrimonialismo não é, necessariamente, sinônimo de prevalência estatal ou de centralização robusta. Isso o demonstra Weber em sua descrição do velho Império patrimonial chinês, com o foco de poder central da corte imperial e dos mandarins sempre contrabalançado pelo foco de poder dos clãs familiares nas milhares de aldeias rurais distribuídas por imenso território.
Ainda sobre latifundiários e senhores de escravos brasileiros e o liberalismo da primeira metade do 1800, vale lembrar que tal liberalismo era, no mínimo, profundamente ambíguo em suas, digamos, “credenciais democráticas”. Se havia, inclusive no Brasil, liberais com tais credenciais, chamados, no jargão da época, de “exaltados”, havia, muito mais, especialmente entre as classes altas, os liberais “proprietistas”, para os quais o liberalismo foi uma referência funcional na montagem do novo estado-nação e na ideologia da defesa incondicional da propriedade privada. E, na época, a propriedade por excelência, mais preciosa, nem era tanto a terra, mas o escravo – como demandar, então, um liberalismo anti escravista? Tal liberalismo oligárquico não era excrescência brasileira. Alfredo Bosi lembra que o Código Civil de Napoleão, por exemplo, de 1804, saudado como expressão do progresso liberal burguês em relação ao Antigo Regime, silencia sobre a escravidão, que Napoleão reintroduzira nas Antilhas francesas pouco antes. E quando, logo depois, Inglaterra, França e Holanda aboliram a escravidão em suas colônias, indenizaram os senhores pela perda de suas “propriedades”[xxvii].
Assim, o frágil liberalismo brasileiro, reduzido a anti-estatismo rasteiro, não é culpa de Faoro, como Avritzer absurdamente coloca, ao afirmar: “O liberalismo, que no Brasil é sempre simplificado e defendido por aqueles não liberais como envolvendo apenas a rejeição ao Estado, parece ter sido inaugurado por Faoro”. O liberalismo anti estatista, pouco ou nada democrático, é consequência da ambiguidade genética do liberalismo em relação à democracia e também da forma particular com que foi, majoritariamente, instrumentalizado no Brasil.
Além dessas críticas, que procuramos refutar aqui, Avritzer faz, ainda, ataques pessoais gratuitos contra o autor de “Os donos do poder”. Como o trecho: “é mais fácil entender a Lava Jato com base em um outro Faoro (…) aquele que durante a assembleia nacional constituinte colocou a OAB em 10 diferentes lugares da Constituição, abrindo espaço para um corporativismo jurídico e para estruturas de proteção interpares (…) que geram distorções no processo penal”[xxviii]. Mesmo os críticos contundentes de Faoro, como Jessé Souza, reconhecem seu papel em prol da democratização como presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e como intelectual público. Avritzer investe até contra isso.
Raymundo Faoro foi presidente da OAB de abril de 1977 a abril de 1979. Chegou ao cargo no bojo de uma ampla mobilização da classe que significou, segundo Giselle Citadino, . “a ruptura daquilo que historicamente fazia parte da cultura jurídica brasileira, ou seja, o vínculo entre bacharéis e governos”[xxix]. Durante seu mandato na OAB, Faoro recebia, constantemente, ameaças de morte pelo telefone. E em 1980, logo depois de ter deixado a presidência, a OAB sofreu um atentado a bomba que matou sua secretária Lyda Monteiro da Silva. Foi nesse ambiente político que o jurista gaúcho e outros colegas colocaram, corajosamente, a OAB como referência da sociedade na luta pela redemocratização.
Em 1981, Faoro lançou um livro, Assembléia Constituinte: a legitimidade recuperada, que teve, garante Gisele Cittadino, “importância decisiva para os rumos do nosso direito constitucional. Representa, no período que antecede a convocação da Assembleia, o texto de referência dos constitucionalistas brasileiros. Todas as discussões sobre forma de convocação, processo de funcionamento e eficácia da Constituinte estarão balizadas por esse texto”[xxx].
Não há, nesse livro, uma palavra sequer sobre colocar a OAB em vários lugares da constituição, alimentando corporativismos jurídicos[xxxi]. Como, de que maneira, durante a constituinte de 1987-1988, o mandato de Faoro na OAB de 1977 a 1979 ou o conteúdo desse seu livro seminal colocaram a OAB em vários lugares da constituição, alimentando o corporativismo? Uma acusação grave como essa carece de fundamentos. Se Avritzer os tem, imprescindível que os forneça. Caso contrário, fortalece a triste moda atual, para a qual a Lava Jato tanto colaborou, de se acusar no vazio.
Outro ataque pessoal gratuito e desnecessário: Avritzer escreve que os textos de Faoro sobre o Império são, “segundo alguns”, o pior já produzido a respeito. Quem são esses “alguns” e como chegaram a esse “título” de “o pior”? Fizeram uma pesquisa, uma enquete? Qualquer um tem todo direito de criticar o texto de Faoro sobre o Império, mas por que essa adjetivação agressiva: “o pior”? Curioso é que entre esses “alguns”, não estão historiadores do quilate de Evaldo Cabral de Mello, para quem a análise de Faoro “é particularmente feliz no tocante ao período monárquico”[xxxii], ou de Francisco Iglésias, ao afirmar que o que Faoro diz “sobre a desagregação da monarquia e a propaganda republicana é de ótima qualidade e contém enfoques originais. O papel do abolicionismo e das questões militares tem tratamento enriquecedor dos temas”[xxxiii]
Seriam Mello e Iglésias outros representantes do “ensaísmo laudatório” a que Avritzer se refere para desqualificar, também, seu colega de departamento da UFMG, Juarez Guimarães? Certamente não. Os ilustres historiadores não hesitam em tecer algumas críticas aos textos de Faoro, embora sejam francamente elogiosos à sua obra como um todo.
O mesmo caso de Juarez Guimarães. A “prova” fornecida por Avritzer de que este também representa o “ensaísmo laudatório”, e não a “ciência social crítica”, é que Guimarães não contesta o suposto argumento faoriano de que a transferência da corte real portuguesa ao Brasil é o único motivo pelo qual o Estado brasileiro teria sido fundado sem um contrato de autogoverno. Sim, não contesta. Simplesmente porque não há, de forma direta ou mediada, esse argumento em Faoro.
Juarez Guimarães subscreve certas críticas a Faoro – basicamente elencadas aqui, e já presentes na tese de doutorado de Rubens Goyatá Campante, orientada por ele e transformada, posteriormente, em livro[xxxiv]. Tais críticas não anulam, porém, a consideração sobre a qualidade e a relevância da obra de Raymundo Faoro, e o papel civilizador que sua figura teve na vida brasileira.
Relevância e papel civilizador porque Faoro faz parte de um conjunto de pensadores brasileiros que construíram o que o professor de filosofia da UFMG Ivan Domingues chama da “paradigma da formação”, a abordagem de nossa construção histórica para construir interpretações[xxxv] sobre o que somos enquanto país e nação. Uma tradição que alcançou um nível tal que Domingues anseia em ver a filosofia brasileira alcançar, pois, garante, “nos legou essas obras-primas que são os livros de Antônio Cândido e (literatura), Celso Furtado (economia), Gilberto Freyre (família), Raymundo Faoro (patronato) e Caio Prado Júnior (nação)”[xxxvi]. Domingues não qualifica esses livros de obras-primas por reputá-los perfeitos, mas porque sabe que cada um deles oferece, a seu modo, um patamar elevado de diálogo e de reflexão sobre as características e os desafios brasileiros.
O diálogo e a reflexão, porém, devem ser honestos, e encetados a partir de uma compreensão razoável dessas obras, em seus próprios contextos e condições de elaboração. Lembrando que não há como sermos universais sem sermos realmente brasileiros, ou como compreender o mundo sem compreender o Brasil e seus pensadores.
*Rubens Goyatá Campante é doutor em ciência política pela UFMG.
Notas
[i] Guimarães, Juarez R.; Campante, Rubens G. “Raymundo Faoro versus Operação Lava Jato”. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Raymundo-Faoro-versus-Operacao-Lava-Jato/4/41637
[ii] Faoro, Raymundo “O Estado não será o inimigo da liberdade”. In Guimarães, Juarez (org). Raymundo Faoro e o Brasil. São Paulo: Ed Fundação Perseu Abramo, 2009, p. 22.
[iii] Cardoso, Fernando Henrique. Pensadores que inventaram o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 259-260.
[iv] Avritzer, Leonardo. O pêndulo da democracia. São Paulo: Ed Todavia, 2019. Alguns trechos em que Avritzer usa conceito de Estado patrimonial: “Até a nossa democratização, em 1985, tínhamos no Brasil um Estado patrimonialista e desenvolvimentista (…) um processo histórico de apropriação do Estado brasileiro por diferentes grupos estatais ou paraestatais”.(pg 74) “No caso brasileiro, temos um liberalismo (…) que nunca rompeu com as estruturas do Estado patrimonial”.( pg 82). “Nem a constituição de 1988 nem as mudanças do governo FHC conseguiram romper com a velha captura patrimonial do Estado brasileiro. Essas características se ampliariam no governo Lula” (pg. 85) “a proposta do novo governo (Bolsonaro) é o desmonte do Estado social e a preservação do Estado patrimonialista” (pg. 109).
[v] “Para controlar o militar e evitar o estadualismo, Rui Barbosa supôs que a lei poria cobro às correntes desencontradas. A lei, não como entidade abstrata, no papel, mas garantida pelo judiciário, sob a égide do Supremo Tribunal Federal. O ‘governo dos juízes’ (…) seria o árbitro (…) contra o excesso do mandonismo em todas as suas violências e trapaças.” Faoro, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Ed. Globo, 1998, p. 669.
[vi] Faoro, 1998: 670.
[vii] Tese com a qual, como vimos acima, Avritzer concorda.
[viii]Avritzer, Leonardo. “O fim da Lava Jato e o patético Barroso”.
[ix] Poder que se baseia na força e na manipulação, e não na autoridade ou legitimidade, garante Faoro. Se o fosse, a imutabilidade dessa estrutura de poder seria relativizada. A legitimidade tende à mudança, ao contrário do poder baseado somente na coerção. “A legitimidade não é sinônimo de imutabilidade só pelo fato de ordenar duravelmente as relações de poder. Ao se sustentar pela confiança, que vem de baixo, renovável e aberta, estimula a mudança, a inovação e o movimento”. Faoro, Raymundo. Assembléia Constituinte: a legitimidade recuperada. São Paulo: Ed Brasiliense, 1985, p. 54.
[x] Faoro, 1998: 745.
[xi] Braudel, Fernand. Gramática das Civilizações. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1989, p. 18.
[xii]Braudel, 1989: 19.
[xiii] Avritzer, Leonardo. “O legado de Raymundo Faoro”. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/o-legado-de-raymundo-faoro/
[xiv] Respectivamente, o estudo sobre o velho Império Chinês “La Religion de China” em Weber, Max. Ensayos de Sociologia de la religion. Madrid: Taurus, 1987; e os capítulos “Roman Republic”, “Roman Empire” e “The social causes of the Decline of Ancient Civilization” em Weber, Max. The Agrarian Sociology of Ancient Civilizations. London: Verso, 1998.
[xv]Tal consideração, contudo, padece de certo elitismo. Em seus estudos comparativos de alcance civilizacional, que têm como ponto de partida a abordagem dos grandes sistemas religiosos mundiais (judaísmo-cristianismo, islamismo, confucionismo-taoísmo, hinduísmo-budismo), Weber sustenta que certos grupos dominantes definiram, em boa medida, o estilo de vida e a visão de mundo básica dessas civilizações a partir de seu próprio estilo de vida e visão de mundo. Denomina esses grupos (os mandarins confucianos, os brâmanes hindus, os profetas hebreus) de träggers – portadores, carregadores, viga, suporte. Sem negar a importância histórica desses extratos sociais, será que o estilo de vida e a visão de mundo de civilizações complexas como estas reflete somente as características desses grupos dominantes? Será que outros grupos, não dominantes, foram meras tabulas rasas, espectadores sempre passivos da construção macro histórica de suas sociedades? A formação e a visão de mundo de Weber eram elitistas. Não um elitismo crua e vulgarmente material, econômico, “burguês”, mas um elitismo de matiz existencial. Foi um humanista, sem dúvida, mas um humanista aristocrático, e não propriamente democrático – como Faoro. Enquanto humanista aristocrático, malgrado toda riqueza e erudição de sua sociologia histórica comparativa, Weber se viu tolhido, em sua taxonomia dos tipos ideais de dominação, em analisar a autoridade do ponto de vista dos dominados. Uma abordagem imprescindível, pois, como assegura Faoro: “O poder é um atributo necessário dos governantes, enquanto que a autoridade se baseia sempre nos governados”. Faoro, 1985: 52.
[xvi] Avritzer, Leonardo. “O legado de Raymundo Faoro”. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/o-legado-de-raymundo-faoro/
[xvii] Avritzer, Leonardo. “O legado de Raymundo Faoro”. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/o-legado-de-raymundo-faoro/
[xviii] “Sobre os municípios impotentes e nulificados caiu o Código de Processo Penal, reativando o juiz de paz com poderes de amplitude maior do que os traçados na Constituição (…) o salto era imenso: da centralização das Ordenações Filipinas à cópia do localismo inglês (…) o estatuto processual (…) garante a autônoma autoridade dos chefes locais, senhores da justiça e do policiamento. De outro lado, a incapacidade financeira das câmaras municipais, mal que a regência não cuidou de remediar, deixava-as inermes diante do poder econômico, concentrado, no interior, nas mãos dos fazendeiros e latifundiários”(…) a semente do caudilhismo, jugulada há um século e meio, brota e projeta seu tronco viçoso sobre o interior, sem lei, sem ordem e sem rei”. Faoro, 1998: 306/307
[xix] “Enquanto o self-government anglo-saxão, imposto ao Brasil por cópia do modelo norte-americano, opera articulado às bases sociais da comunidade integrada, com o centro nas famílias e na associação de grupos locais, organicamente eletivo, o sistema legal aqui imitado nada encontra para sustentar o edifício”. Faoro, 1998: 310. Não se enxergue, nessa citação, uma postura ingenuamente apologética do capitalismo dos países centrais ou uma concepção linearmente evolutiva da história – acusações já feitas a Faoro, e, mais uma vez, injustas. Basta atentar para trechos como esse: “A crítica liberal e a marxista, ao admitirem a realidade histórica do Estado patrimonial (…) partem do pressuposto da transitoriedade do fenômeno, quer como resíduo anacrônico, quer como fase de transição. Ambas comparam a estátua imperfeita a um tipo ideal (…) O ponto de referência é o capitalismo moderno, tal como decantado por Adam Smith, Marx e Weber, tratados os estilos divergentes como se fossem desvios, atalhos sombreados, revivescências deformadoras. Sobre um mundo acabado, completo, ou em via de atingir sua perfeição última e próxima, a vista mergulha no passado, para reconstruí-lo, conferindo-lhe um sentido retrospectivo, numa concepção linear da história. O passado tem, entretanto, suas próprias pautas, seu curso (…) obra dos homens e de circunstâncias não homogêneas. O historiador (…) elimina o elemento irracional dos acontecimentos, mas, nesta operação, cria uma ordem racional, que não só por ser racional será verdadeira. A sociedade capitalista aparece aos olhos deslumbrados do homem moderno como a realização acaba da história – degradadas as sociedades não capitalistas a fases imperfeitas.” Faoro, 1998: 735.
[xx] Faoro, 1998: 310.
[xxi] “O fumo liberal, tenuamente espalhado sobre o país em vinte anos de decepções, não removeria os fundamentos lançados pelas casas de Avis e Bragança. Todo o poder emana do rei e ao rei volve; a autonomia individual, a incolumidade do proprietário ao comando governamental será unicamente a expressão subversiva da anarquia (…) sobre a sociedade dominada, uma realidade colonizadora, minoritária, conduz o fazendeiro e lhe impede o orgulho caudilhista”. Faoro, 1998: 335.
[xxii] Florentino, Manolo; Fragoso, João. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840. Rio de Janeiro: Ed Civilização Brasileira, 2001.
[xxiii] Florentino, Fragoso, 2001: 228.
[xxiv] Florentino, Fragoso, 2001: 231-232.
[xxv] Florentino, Fragoso, 2001: 236.
[xxvi] CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem – a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980.
[xxvii] Bosi, Alfredo. “Raymundo Faoro leitor de Machado de Assis” in Guimarães, 2009. Faoro tem plena consciência das feições elitistas e proprietistas desse primeiro liberalismo, do quanto foram necessárias pressões populares para que este se movesse em direção à democracia; “Nos primeiros golpes contra (o despotismo) desferidos, havia o cuidado liberal, também entendido no seu sentido econômico, de proteger a propriedade, o que resultou, em certos momentos históricos, na degenerescência do princípio. Para resguardar a propriedade, sacrificou-se o liberalismo político. Ocorre que, historicamente, o liberalismo não foi, na sua origem, democrático, senão burguês e, em muitos resíduos, aristocrático. A democratização crescente, todavia, mostrou que a democracia, para que se conserve e desenvolva, não poderia se dissociar do liberalismo que, por sua vez, se divorciou do ser reverso econômico. A democracia, pode-se afirmar, democratizou o liberalismo, expandindo-o em direitos concernentes à participação social”. Faoro, 1985: 13.
[xxviii] Avritzer, Leonardo. “O legado de Raymundo Faoro”. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/o-legado-de-raymundo-faoro/
[xxix] Cittadino, Gisele. “Raymundo Faoro e a reconstrução da democracia no Brasil” in Guimarães, Juarez (org). Raymundo Faoro e o Brasil. São Paulo, Ed Fundação Perseu Abramo, 2009, p. 35.
[xxx] Cittadino, 2009: 35.
[xxxi] Trata-se de um livro teórico, no melhor sentido da palavra, teoria em linguagem de filosofia política, em que se discute, em profundidade, temas como liberalismo, democracia, poder, força, autoridade, legitimidade, e, é claro, Constituição e poder constituinte. Sempre de uma perspectiva não elitista. De um liberalismo político, que vai muito além de sua faceta econômica, que critica “a automática e falaciosa confusão entre o liberalismo político e o liberalismo econômico, sem atentar que, na raiz do primeiro, está um componente democrático que o tempo revelaria: a autodeterminação democrática do povo. (…) O liberalismo econômico, para salvar seus fins, divorcia-se frequentemente do liberalismo político, entregando, em renúncia à autodeterminação, aos tecnocratas e à elite a condução da economia.”. Faoro, 1985: 34.
[xxxii] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0204200014.htm
[xxxiii]Iglésias, Francisco. “Revisão de Raymundo Faoro” in Guimarães, 2009: 58.
[xxxiv] Campante, Rubens Goyatá. Patrimonialismo no Brasil: corrupção e desigualdade. Curitiba: Ed. CRV, 2019. O argumento central do livro é que o patrimonialismo deve ser compreendido como um poder político de conteúdo substancialmente privado, e não público, já que lastreado em assimetrias agudas de poder político, social, econômico, cultural etc. A corrupção, atacada de forma equivocada e politicamente enviesada pela Lava Jato, é corolário dessa estrutura não republicana e assimétrica de poder. Lutar contra a corrupção, portanto, é lutar pelo aprofundamento da democracia, contra o patrimonialismo e a desigualdade.
[xxxv] E como salienta Francisco Iglésias, a riqueza de obras como a de Faoro está na interpretação, na ideia de Brasil que apresentam.
[xxxvi] Domingues, Ivan. Filosofia no Brasil: legados e perspectivas. São Paulo: Ed UNESP, 2017, p. 50.