Por SERGIO GONZAGA DE OLIVEIRA*
Poema e comentário sobre as diversas desigualdades que prevalecem no Brasil
Lembrem das avós
Abatidas transtornadas
Lembrem das mães
Exaustas apressadas
Lembrem das filhas
Acuadas desamparadas
Lembrem das irmãs
Grávidas violentadas
Das netas…
Tristes crianças
Assustadas
Pensem nas mulheres
No acalanto da vida
No útero ancestral
Mas não se esqueçam da violência
Dos abortos clandestinos
Dos cárceres privados
Das esquinas degradadas
Do chão duro das ruas
No frio da madrugada
Pensem nas ilusões contidas
Nos empregos, exploradas
Nas filas intermináveis
Nas casas enlameadas
Nas promessas não cumpridas
Nas mortes anunciadas
Pensem nos sonhos negados
Na dor dos filhos largados
Na roda dos enjeitados
Lembrem dos filhos perdidos
Para a guerra das milícias
Nas batalhas com a polícia
Nas rotas sujas do tráfico
Mas não se esqueçam
Não se esqueçam…
Dos lucros nunca taxados
Dos juros inexplicáveis
Das dívidas impagáveis
Marcando a desigualdade
Dos olhos que não enxergam
Um sistema alucinado
Fonte de tanta maldade[1]
Comentário
De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, publicado em 2020 e baseado na PNAD-C de 2019, metade da população brasileira vive com um valor inferior ao de um salário mínimo. Pode-se afirmar que a maioria vive na pobreza ou em seu entorno. Quando se cruzam as informações de raça, gênero e renda os dados são chocantes. As mulheres negras se destacam entre os mais pobres. Embora sejam 28,7% da população total, são 39,8% entre os muito pobres e 38,1% entre os pobres. As mulheres negras, sem cônjuges, com filhos e filhas menores de 14 anos para criar, são os arranjos familiares que mais sofrem com a desigualdade. Segundo o IBGE, esses grupos concentram a maior incidência de pobreza, sendo 86,4% pobres ou extremamente pobres.[2]
*Sergio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
Notas
[1] Esses versos têm como inspiração a belíssima estrutura poética de Rosa de Hiroshima de Vinícius de Moraes escrita em 1946. Cometi essa transgressão para me unir aos protestos contra as más condições de vida da maioria das mulheres na sociedade brasileira, especialmente as negras e pobres que mais sofrem com a violência cotidiana. Peço perdão aos amantes da poesia de Vinicius por essa ousadia.
[2] Esses dados foram analisados com mais detalhes no artigo “O nó que não desata” que publiquei no blog Democracia e Socialismo em agosto de 2021.
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