A ressurreição do Brasil no mundo

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LISZT VIEIRA*

O novo governo rapidamente retira o Brasil da condição de pária para voltar a desempenhar um papel importante na comunidade mundial

Em um mês e meio, o governo Lula tomou diversas medidas que redundaram em melhoria para diversas áreas. Entre elas, a Medida Provisória que reestrutura o programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida”. O programa de habitação popular ampliou o limite da primeira faixa de renda para até R$ 2.640. As pessoas com menor renda voltam para o programa e com subsídio. Outras frentes de trabalho atacadas com sucesso foram a salvação dos Yanomamis, vítimas de verdadeiro genocídio, o combate ao garimpo ilegal e ao desmatamento na Amazônia.

No plano internacional, o novo governo rapidamente retira o Brasil da condição de pária para voltar a desempenhar um papel importante na comunidade mundial. Um dos marcos principais dessa caminhada foi a visita de Lula aos EUA. É sobre essa visita que nos debruçamos para tecer as considerações abaixo.

Da conversa entre Lula e Biden, três pontos merecem ser destacados. Em primeiro lugar, as juras de amor à democracia e as críticas à violência da extrema direita que lá invadiu o Capitólio e aqui invadiu e destruiu as sedes dos três Poderes, com o apoio direto de PMs e militares. Esse ponto é comum aos EUA e ao Brasil, dois países, entre muitos outros, em que a democracia entrou em declínio e foi ameaçada.

No caso do Brasil, a democracia, por mais formal que seja, passou a ser bandeira da esquerda, inclusive em prejuízo de outros pontos estratégicos de sua agenda, tendo em vista a ameaça de uma ditadura fascista por parte da extrema direita. O vandalismo bolsonarista que destruiu em Brasília as sedes dos Três Poderes da República em 8 de janeiro, com o apoio de PMs e também de militares – até hoje impunes – mostra a que ponto chegou a degradação da democracia no Brasil que se tornou um verdadeiro Estado de Exceção, reunindo elementos democráticos e ditatoriais em conflito.

Em segundo lugar, o ponto levantado por Lula: meio ambiente e a proteção da Amazônia, com o convite para os EUA irem além da retórica e passarem a contribuir para o Fundo da Amazônia que recebe hoje doação principalmente da Noruega e, em menor proporção, da Alemanha.

Para os ambientalistas, tem um sabor especial ouvir Lula dizer hoje o que os ecologistas diziam já antes dos anos 1980 e eram estigmatizados por todas as lideranças partidárias, de direita, de centro e de esquerda que, por ignorância, consideravam a questão ambiental inexistente no Brasil. E a mídia zombava, chamando os ambientalistas de alfacinha, viados e outras gracinhas.

Agora, na reunião com Joe Biden, Lula foi direto ao ponto, destacando a necessidade de uma governança global (não confundir com governo mundial): “A questão climática, se não tem uma governança global forte, que tome decisões que todos os países sejam obrigados a cumprir, não vai dar certo…Mas alguma coisa temos de fazer para obrigar os países, os congressos e empresários a acatar decisões que tomamos em níveis globais”, insistiu. “A gente tem que ter uma governança global, com mais autoridade, e que outros países possam participar do Conselho de Segurança para que algumas decisões de ordem climática sejam tomadas em nível internacional”.

Em terceiro lugar, a prioridade de Joe Biden era o Brasil participar diretamente da atual guerra na Europa apoiando a Ucrânia. A proposta para o governo brasileiro enviar armas para ajudar a Ucrânia a se defender da invasão russa esbarraria em enormes dificuldades políticas, diplomáticas e até mesmo éticas. Afinal, por que não enviar armas também para a oposição à ditadura religiosa do Irã, a oposição ao regime ditatorial dos Talibãs no Afeganistão, para as minorias muçulmanas reprimidas dos Chechênios na Rússia ou dos Uigures na China? Ou armas para ajudar a etnia curda reprimida pela Turquia ou a minoria não-muçulmana reprimida por Mianmar? Ou a minoria muçulmana xiita reprimida pela Nigéria? Ou ainda para ajudar a oposição ao regime da Arábia Saudita, considerada a ditadura mais sanguinária do mundo?

Minorias étnicas reprimidas é o que não falta no planeta. Aqui mesmo, no Brasil, tínhamos até há pouco o genocídio dos Yanomamis que parece estar chegando ao fim. Por que mandar armas só para os ucranianos? Provavelmente, não é apenas porque são louros e europeus. Talvez porque Joe Biden e a mídia ocidental considerem o Ocidente sob hegemonia norte americana o centro do mundo que, entretanto, parece caminhar lenta, mas firmemente para a multipolaridade.

Além disso, essa proposta ignora as razões da indefensável invasão da Ucrânia por uma Rússia sentindo-se cercada militarmente pela OTAN controlada pelos EUA que, até agora, são os grandes vencedores: essa guerra fortaleceu o poder dos militares americanos, aumentou o lucro dos empresários da indústria bélica exportadora de armas, garantiu emprego para os trabalhadores e não morreu nenhum americano.

A grande derrotada é a Europa: os EUA sabotaram o gasoduto Nord Stream 2 que levaria gás natural da Rússia para a Alemanha e para o resto da Europa que sofre hoje inflação no preço dos alimentos e da energia. A invasão destruiu boa parte da Ucrânia, levou à morte milhares de pessoas, ucranianos, russos e população civil e acabou fortalecendo a OTAN e os EUA.

A posição fascista dos militares ucranianos, que chegaram a pendurar um retrato de Adolf Hitler na parede do quartel de Azov, o mais importante da Ucrânia, a corrupção de Walodymyr Zelenski, que já figurava na lista dos Panama Papers e agora foi acusado de vender no mercado negro parte das armas doadas pelos americanos, a pressão da OTAN contra a Rússia, nada justifica a invasão que Vladimir Putin imaginou que seria relâmpago e já dura quase um ano. Quanto mais tempo durar a guerra, melhor para os EUA, pior para a Rússia.

Os EUA bombardearam dezenas de países depois da Segunda Guerra Mundial. Segundo divulgado por fontes diplomáticas chinesas em 27 de fevereiro de 2022, “dos 248 conflitos armados ocorridos entre 1945 e 2001 em 153 regiões do mundo, 201 foram iniciados pelos EUA, o que representa 81% do número total”. O complexo industrial militar americano não fica muito tempo sem guerra. Desta vez, fazem guerra por procuração. Deviam agradecer a Vladimir Putin.

Lembrando Talleyrand, o maquiavélico Chanceler e Primeiro Ministro da França em 1815 sob Luís XVIII, a invasão da Ucrânia, mais do que um crime, foi um erro. Erro que Lula denunciou. Ele só teve acertos em sua visita aos EUA, com reuniões importantes com o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. E ainda sugeriu a Joe Biden mudar a política em relação a Cuba e Venezuela.

A visita aos EUA foi um sucesso e Lula se destacou como líder mundial ao propor a criação de um G20 para a paz e se colocar como possível mediador entre a Rússia e a Ucrânia, com a simpatia da Alemanha e da França. É cedo para saber se isso vai ou não dar certo, mas o convite para Lula participar do G7 é um indicador da ressurreição do Brasil como ator importante no cenário internacional. O que desde já se pode afirmar é que, em um mês, o Brasil, sob liderança de Lula, passou de pária a uma posição de destaque na comunidade mundial das nações.

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond).

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Eduardo Borges Ronald León Núñez Ricardo Musse Alexandre de Freitas Barbosa Luiz Renato Martins Luciano Nascimento Vinício Carrilho Martinez Jean Marc Von Der Weid Leonardo Sacramento Lorenzo Vitral João Paulo Ayub Fonseca Paulo Martins Julian Rodrigues Andrew Korybko Alysson Leandro Mascaro Ricardo Fabbrini Michel Goulart da Silva Leonardo Avritzer Berenice Bento Celso Frederico Osvaldo Coggiola Caio Bugiato Lucas Fiaschetti Estevez Antonino Infranca Bento Prado Jr. Claudio Katz Jorge Luiz Souto Maior Matheus Silveira de Souza Eleutério F. S. Prado Elias Jabbour Vanderlei Tenório Marcos Silva Leonardo Boff Rafael R. Ioris José Micaelson Lacerda Morais Ari Marcelo Solon João Carlos Salles Marcelo Guimarães Lima Dênis de Moraes Michael Löwy Flávio R. Kothe Marcus Ianoni Atilio A. Boron Daniel Costa Tales Ab'Sáber João Feres Júnior Remy José Fontana André Márcio Neves Soares Kátia Gerab Baggio Henry Burnett João Sette Whitaker Ferreira João Carlos Loebens Eugênio Bucci Chico Alencar Manuel Domingos Neto Bernardo Ricupero José Geraldo Couto Luis Felipe Miguel Armando Boito Luís Fernando Vitagliano Liszt Vieira Paulo Capel Narvai Carlos Tautz Heraldo Campos Luiz Bernardo Pericás Plínio de Arruda Sampaio Jr. Samuel Kilsztajn Sandra Bitencourt Slavoj Žižek Érico Andrade Juarez Guimarães Francisco de Oliveira Barros Júnior Luiz Werneck Vianna Anselm Jappe José Costa Júnior Bruno Fabricio Alcebino da Silva Gerson Almeida Benicio Viero Schmidt Bruno Machado Leda Maria Paulani Luiz Eduardo Soares Marcos Aurélio da Silva Marilena Chauí Rodrigo de Faria Annateresa Fabris Andrés del Río José Luís Fiori Renato Dagnino Rubens Pinto Lyra Francisco Pereira de Farias Alexandre Aragão de Albuquerque Antônio Sales Rios Neto Alexandre Juliete Rosa Alexandre de Lima Castro Tranjan Ricardo Abramovay Michael Roberts Everaldo de Oliveira Andrade João Adolfo Hansen José Raimundo Trindade José Dirceu Eliziário Andrade Tadeu Valadares Mário Maestri Fábio Konder Comparato Otaviano Helene Fernando Nogueira da Costa Sergio Amadeu da Silveira Boaventura de Sousa Santos Chico Whitaker Denilson Cordeiro João Lanari Bo Eleonora Albano Valerio Arcary Maria Rita Kehl Priscila Figueiredo Daniel Brazil Marilia Pacheco Fiorillo Celso Favaretto Walnice Nogueira Galvão Ricardo Antunes Salem Nasser Paulo Nogueira Batista Jr Jorge Branco Marcelo Módolo Paulo Sérgio Pinheiro Yuri Martins-Fontes Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Thomas Piketty Francisco Fernandes Ladeira Ladislau Dowbor Mariarosaria Fabris Luiz Marques Dennis Oliveira André Singer Gilberto Lopes Igor Felippe Santos Luiz Carlos Bresser-Pereira Milton Pinheiro Henri Acselrad Ronald Rocha Manchetômetro Flávio Aguiar Gabriel Cohn Antonio Martins Tarso Genro José Machado Moita Neto Marjorie C. Marona Eugênio Trivinho Gilberto Maringoni Daniel Afonso da Silva Fernão Pessoa Ramos Paulo Fernandes Silveira Airton Paschoa Luiz Roberto Alves Jean Pierre Chauvin Carla Teixeira Vladimir Safatle Ronaldo Tadeu de Souza Afrânio Catani Lincoln Secco

NOVAS PUBLICAÇÕES