Por LUIS FELIPE MIGUEL*
Uma forma de precarização do ensino dos mais pobres
O “Novo Ensino Médio” foi um dos retrocessos impostos pelo golpe de 2016. A gente sabe que direitos trabalhistas foram perdidos, a economia foi desnacionalizada e as políticas sociais do Estado foram asfixiadas (com o teto de gastos), tudo aprovado a toque de caixa, sem discussão com a sociedade ou mesmo no Congresso. Com a educação foi pior ainda – a mudança veio por meio de medida provisória, baixada por Michel Temer em 2016 e convertida em lei em 2017.
Apesar de toda a propaganda, o “Novo Ensino Médio” logo mostrou o que é: precarização do ensino dos mais pobres.
Sob o pretexto de dar “flexibilidade” aos estudantes, o “Novo Ensino Médio” esvazia a formação básica de quem é submetido a ele. História do Brasil, por exemplo, não existe mais. De maneira geral, disciplinas voltadas à formação do senso crítico e da cidadania ativa foram extirpadas. Em seu lugar entram conteúdos relacionados a “empreendedorismo” e “marketing”. A reforma se exibe como perfeitamente alinhada ao espírito do neoliberalismo.
A anunciada “flexibilidade” é uma balela, já que a esmagadora maioria das escolas não oferece quase nenhuma alternativa de “percursos formativos”.
Na prática, a educação é segregada, oferecendo aos filhos da classe trabalhadora uma formação “adequada” às posições subalternas que eles estão destinados a exercer – e reservando aos herdeiros das elites horizontes mais alargados. Um colunista da revista Veja, na época, foi sincero: tratava-se de restaurar “a fórmula tradicional de uma formação profissional para os pobres e uma educação clássica para as elites”.
No papel, o “Novo Ensino Médio” representa o ideal das fundações empresariais de promoção da educação, como a que leva o nome do abutre das Lojas Americanas. Uma boa escola para formar mão de obra competente e dócil.
Na realidade, levou à precarização absoluta do ensino, com professores sendo deslocados de suas áreas de competência para ministrar disciplinas bizarras. Que tal trocar Sociologia por um curso de “Brigadeiro Caseiro”, Química por “Mundo Pet” ou História por “RPG”?
Como disse Fernando Cássio, professor da UFABC, “Sim, há evidências suficientes para afirmar que o Novo Ensino Médio visa simplificar a formação de uma massa de jovens para um precarizado e plataformizado mercado de trabalho contemporâneo, cristalizando desigualdades de oportunidades entre ricos e pobres”.
O governo tem falado em aperfeiçoar o Novo Ensino Médio, como se seus problemas não fossem de fundo. É uma demonstração da penetração das fundações empresariais de promoção da educação no MEC comandado por Camilo Santana.
É necessário revogar a reforma – e iniciar uma discussão real, com ampla participação de educadores e estudantes, sobre o ensino médio que se quer para o Brasil, igualitário, emancipador e de qualidade. É o que se espera de um governo comprometido com a democracia e a justiça social.
*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica).
Publicado originalmente na página do Facebook do autor.
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