Vladimir Putin na Ucrânia

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

Por detrás da guerra que está ocorrendo na Ucrânia está se dando o confronto entre os EUA e a Rússia/China

Mais e mais se ouve falar de uma escalada na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, provocada por Vladimir Putin ao admitir, eventualmente, o uso de armas nucleares táticas. Não destroem muito, mas a radioatividade emitida poderá por muitos anos tornar a região inabitável. A razão básica é que a Rússia não pode perder a guerra.

Esta situação se agravou quando a OTAN, sob pressão dos EUA, estendeu sua ação ofensiva do Atlântico ao Pacífico com a adesão do Japão, da Coreia do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia. A OTAN submeteu-se vergonhosamente à vontade imperial dos EUA. Parece que não aprendeu nada das duas guerras do século XX na Europa que fizeram100 milhões de vítimas.

Sabe-se hoje que por detrás da guerra que está ocorrendo na Ucrânia está se dando o confronto entre os EUA e a Rússia/China no sentido de quem detém o domínio geopolítico do mundo. Até agora vigorava um mundo unipolar com a predominância completa dos EUA.

O nosso mestre em geopolítica Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935-2017) em seu minucioso livro A desordem mundial: o espectro da total dominação (Civilização Brasileira) apontou, claro, os três mantras fundamentais do Pentágono e da política externa norte-americana: (i) um mundo-um império (USA); (ii) full spectrum dominance: dominar todo o espectro da realidade, na terra, no mar e no ar com cerca de 800 bases militares distribuídas no mundo inteiro; (iii) desestabilizar todos os governos dos países que resistem ou se opõem a esta estratégia imperial como ocorreu em Honduras, na Bolívia e no Brasil com o golpe contra Dilma Rousseff em 2016 e posteriormente com a injusta prisão de Lula.

Os EUA não desistem de seu propósito de ser a única potência mundial. Ocorre que o império norte-americano está à deriva por mais que ainda apele ao seu excepcionalismo e ao “destino manifesto” segundo o qual os EUA seriam o novo povo de Deus que irá levar para as nações a democracia, a liberdade e os direitos (sempre entendidos dentro do código capitalista).

No entanto, a Rússia armou-se com armas nucleares potentes, com mísseis inatacáveis e disputa ser parte da liderança no processo de globalização. Irrompeu a China com projetos novos como “O caminho da seda” e como uma potência econômica que já ultrapassou a norte-americana. Paralelamente a isso surgiu no Sul Global, um grupo de países do BRICS do qual o Brasil participa. Em outras palavras, já não há um mundo unipolar, mas multipolar.

Este fato exaspera a arrogância dos supremacistas neocons que afirmam ser necessário continuar a guerra na Ucrânia para sangrar e eventualmente arrasar a Rússia e neutralizar a China para confrontá-la numa fase posterior. Desta forma se voltaria ao mundo unipolar.

Eis aqui postos os elementos que podem gerar uma terceira guerra mundial que será terminal. O Papa Francisco em sua intuição clara tem falado repetidas vezes que estamos já dentro da “terceira guerra mundial em pedaços”. Por esta razão conclama em tom quase desesperado (mas sempre pessoalmente esperançoso) de que “estamos todos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva” (Fratelli tutti n. 32). É a razão tornada irracional e enlouquecida. O secretário geral da ONU, António Guterres, tem repetido com frequência: “a única alternativa é: a cooperação de todos ou o suicídio coletivo”.

Por que o Ocidente europeu optou pela vontade de poder e não pela vontade de viver dos pacifistas como Albert Schweitzer, Leon Tolstói, Mahatma Gandhi, Luther King Jr e Dom Helder Câmara? Por que a Europa que produziu uma grande cultura e muitos gênios, santos e santas, escolheu este caminho que pode devastar todo o planeta até fazê-lo inabitável? Deixou irromper, sem controle, o mais perigoso dos arquétipos, segundo C. G. Jung, aquele do poder, capaz de nos autodestruir? Eis um mistério da história humana a ser decifrado.

Pois é nesse Deus vivo e fonte de vida que colocamos nossa derradeira esperança. Isso ultrapassa os limites da ciência e da razão instrumental-analítica. É o salto da fé que também representa uma virtualidade presente no processo global cosmogênico. A alternativa a esta esperança são as trevas. Mas a luz tem mais direito que a trevas. Nessa luz cremos e esperamos.

*Leonardo Boff é teólogo e filósofo. Autor, entre outros livros, de Habitar a Terra: qual o caminho para a fraternidade universal? (Vozes).


O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Michael Löwy Paulo Sérgio Pinheiro Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gerson Almeida Lucas Fiaschetti Estevez Dênis de Moraes Alexandre de Freitas Barbosa Jorge Luiz Souto Maior Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Francisco Fernandes Ladeira Anselm Jappe Mário Maestri Paulo Nogueira Batista Jr Luiz Eduardo Soares Osvaldo Coggiola Vladimir Safatle Marcos Aurélio da Silva Marilia Pacheco Fiorillo Flávio R. Kothe Bruno Fabricio Alcebino da Silva Daniel Brazil Antonino Infranca Milton Pinheiro Ladislau Dowbor Paulo Martins José Dirceu Antônio Sales Rios Neto Tadeu Valadares João Paulo Ayub Fonseca Paulo Fernandes Silveira André Márcio Neves Soares Airton Paschoa Marcelo Módolo Marcelo Guimarães Lima Luciano Nascimento João Lanari Bo Eleonora Albano Andrew Korybko Marjorie C. Marona Antonio Martins Francisco Pereira de Farias Salem Nasser Chico Alencar Dennis Oliveira Manchetômetro Daniel Afonso da Silva Luiz Marques Alexandre de Lima Castro Tranjan Ricardo Antunes Flávio Aguiar Bruno Machado Ricardo Abramovay João Carlos Salles Slavoj Žižek João Adolfo Hansen Leonardo Avritzer Julian Rodrigues Bernardo Ricupero Otaviano Helene Celso Favaretto Heraldo Campos Walnice Nogueira Galvão José Micaelson Lacerda Morais José Costa Júnior Caio Bugiato Igor Felippe Santos Luiz Bernardo Pericás João Carlos Loebens Ronald Rocha Eduardo Borges Luiz Roberto Alves Manuel Domingos Neto Fernão Pessoa Ramos Alexandre Aragão de Albuquerque Boaventura de Sousa Santos Fábio Konder Comparato Luiz Werneck Vianna Jean Marc Von Der Weid José Raimundo Trindade Ricardo Fabbrini Michael Roberts Gabriel Cohn Ronald León Núñez Annateresa Fabris Tales Ab'Sáber Érico Andrade José Machado Moita Neto Jean Pierre Chauvin Benicio Viero Schmidt Elias Jabbour Luís Fernando Vitagliano Yuri Martins-Fontes Rubens Pinto Lyra Maria Rita Kehl Michel Goulart da Silva Lincoln Secco Liszt Vieira Gilberto Maringoni André Singer Samuel Kilsztajn Mariarosaria Fabris Marcos Silva Matheus Silveira de Souza Ari Marcelo Solon Andrés del Río Paulo Capel Narvai Lorenzo Vitral Henri Acselrad Claudio Katz Afrânio Catani Luis Felipe Miguel Eleutério F. S. Prado Tarso Genro Celso Frederico Rafael R. Ioris Marilena Chauí Armando Boito José Luís Fiori Carla Teixeira Sergio Amadeu da Silveira Sandra Bitencourt Priscila Figueiredo Henry Burnett Carlos Tautz Thomas Piketty Vanderlei Tenório Juarez Guimarães Leonardo Boff João Feres Júnior Atilio A. Boron Valerio Arcary Denilson Cordeiro José Geraldo Couto Jorge Branco Fernando Nogueira da Costa Kátia Gerab Baggio Renato Dagnino Marcus Ianoni Ricardo Musse Eugênio Trivinho Leonardo Sacramento Francisco de Oliveira Barros Júnior João Sette Whitaker Ferreira Eliziário Andrade Luiz Renato Martins Gilberto Lopes Vinício Carrilho Martinez Leda Maria Paulani Remy José Fontana Bento Prado Jr. Ronaldo Tadeu de Souza Rodrigo de Faria Luiz Carlos Bresser-Pereira Chico Whitaker Daniel Costa Everaldo de Oliveira Andrade Berenice Bento Eugênio Bucci Alexandre Juliete Rosa Alysson Leandro Mascaro

NOVAS PUBLICAÇÕES