Por FRANCISCO PEREIRA DE FARIAS*
O significado da insurreição parisiense
Em 30 de Maio de 1871, quando a Associação Internacional dos Trabalhadores tornou pública sua mensagem sobre a guerra civil da Comuna de Paris – mensagem escrita por seu secretário-correspondente Karl Marx, intitulada A guerra civil na França –, uma polêmica se abriu não apenas no campo político, envolvendo as correntes socialistas e liberais sobre a memória e a herança dessa experiência política, mas também no domínio intelectual, mais especificamente da história social, sobre o significado da insurreição parisiense. Cento e trinta anos depois, por ocasião de um colóquio internacional na Universidade de Campinas (Unicamp), os debates convergiram principalmente para a disjuntiva: Comuna republicana ou operária?
A historiadora Danielle Tartakowsky (Université de Paris VIII) reatualizou a análise da Comuna de Paris como a última das revoluções republicanas do século XIX, comparando os “ideais” da República social de membros da Comuna com as aspirações por direitos sociais das manifestações de rua em Paris no final do século XX. Para Danielle Tartakowsky (2001, p. 38), apoiando-se em trabalho de Jacques Rougerie, publicado em 1964, “a grande maioria dos comunardos acreditava na república e tinha esperanças nela; (…) porque, para eles, a república em si era profundamente democrática e social”.
Claude Willard, historiador e presidente da Associação dos Amigos da Comuna de Paris, sustentou que o significado da Comuna contemplaria as duas dimensões: democracia social e poder socialista. Claude Willard argumenta que, embora muitos participantes da insurreição parisiense não manifestasse um discurso do programa socialista, eles estavam na prática dando início à construção de instituições da democracia socialista.
Armando Boito Junior (Unicamp), destacando a análise de Marx sobre o esboço de novas instituições políticas – mandato imperativo, revogabilidade dos mandatos, recrutamento com base em critérios anti-burocráticos – durante os meses de governo da Comuna de Paris, indica que essas instituições estavam induzindo ao processo de socialização do poder e dos meios de produção, sob a direção dos sindicatos de trabalhadores. Por isso, convém se manter a caracterização, iniciada por Marx, sobre a Comuna como um governo essencialmente operário.
Por que, então, A guerra civil na França se mantém como um texto atual?
Trata-se de uma exposição que não se confunde com uma sociografia; o primeiro parágrafo do texto já apresenta as determinações estruturais – burguesia e proletariado – do evento histórico. O desenvolvimento desta síntese dialética sobre a guerra civil – “Paris armada era a revolução armada” – permite que se desvende o enigma da Comuna como o esboço de um governo socialista.
O texto, por seu método dialético, se põe fora do terreno da filosofia social. O formalismo do método filosófico ou matemático torna-se insuficiente para expor o movimento total de essência e aparência da história das lutas de classes. Hegel criticara o formalismo do modelo hipotético-dedutivo de Newton. Marx inverte Hegel, criticando-o por sua prioridade na determinação lógica do movimento real.
Essa crítica de Marx lhe permite apreender a totalidade do movimento real no momento concreto, e não no momento abstrato. Assim, Marx toma a Comuna de Paris como um fato social total: econômico, político e cultural; local e nacional; internacional. Qual é o centro dessa totalidade social e histórica? Para responder a essa indagativa teríamos de mostrar que a comunidade nacional é aquela que reproduz a relação de burgueses, donos da riqueza, e proletários, frustrados nas necessidades.
Finalmente, A guerra civil na França contém a solução do problema mais difícil de uma ciência: o seu ponto de partida. Sabemos que, pelo método dialético, o pesquisador não pode solucionar essa dificuldade pelo recurso aos princípios (postulados, axiomas). Em O capital, Marx descobrira o tipo de experimento mental que dava início à análise crítica da economia. Agora, trata-se de formular o tipo de experimento mental que dá início à síntese dialética da história social.
Por esses elementos aqui tracejados, considera-se justificável a comemoração da prática (os comunardos) e da teoria (Marx) em torno da Comuna de Paris.
*Francisco Pereira de Farias é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Piauí. Autor, entre outros livros, de Reflexões sobre a teoria política do jovem Poulantzas (1968-1974) (Lutas anticapital).
Referência
Armando Boito Jr. (org.). A Comuna de Paris na história. São Paulo, Xamã, 2001.
O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como