Por LISZT VIEIRA*
A visão de sustentabilidade não se resume à questão ambiental, pois envolve necessariamente a dimensão social, econômica, cultural e política
O conflito entre desenvolvimentismo x sustentabilidade que levou a ministra Marina Silva a se afastar do Governo Lula em 2008 só na aparência lembra o conflito atual surgido com o parecer unânime do IBAMA negando o licenciamento para perfuração de um poço exploratório no litoral norte, na região equatorial da foz do rio Amazonas. Mas a questão de fundo é a mesma.
De um lado, uma visão desenvolvimentista que hoje aceita regras ambientais mas tem dificuldade em admitir recusa a seus projetos. De outro, a visão de sustentabilidade que defende proteção ambiental como condição de sobrevivência da humanidade no planeta.
A Petrobras afirma que a perfuração de poço objeto do pedido de licenciamento ocorreria a uma distância de 175 quilômetros da costa do Amapá e a mais de 500 quilômetros de distância da foz do rio Amazonas. Mas o potencial de impacto ambiental em caso de acidente seria enorme. Acidentes com a indústria petrolífera não são raros e geram consequências desastrosas. Isso comprometeria gravemente a imagem de defesa da Amazônia que o governo alardeou e que usou como argumento para captar recursos para o Fundo da Amazônia.
O impasse se instaurou e, segundo noticiado, um passo adiante importante foi dado pelo governo ao determinar que a Petrobras faça uma Avaliação Ambiental Estratégica para analisar o impacto como um todo – como se exige em projetos de grande impacto ambiental – em vez de requerer o licenciamento de cada lote, como ocorria no governo anterior.
Dito isso, gostaria de mencionar dois grandes problemas, até agora ignorados.
(1) Apesar de seu extraordinário avanço técnico, a Petrobras não evoluiu em termos de sua atividade fim, permanece empresa de petróleo apenas. Em vez de somente extrair combustível fóssil, poderia e deveria se tornar empresa de energia, combinando energia renovável com a exploração atual. Investir no futuro, produção de energia renovável, sem abandonar a produção de petróleo de acordo com as necessidades avaliadas num plano de desenvolvimento.
(2) O governo não tem um plano de transição energética com pontos definidos e cronograma a ser cumprido. Na ausência desse plano, os conflitos surgem de forma caótica. Aliás, o governo ainda não tem um plano de desenvolvimento com base no investimento público do Estado, sem o que não há desenvolvimento possível.
Outro elemento importante é a reforma tributária como instrumento de reduzir a desigualdade e promover a sustentabilidade. O jornal Le Monde , na edição de 23 de maio de 2023, publicou a proposta de Jean Pisani-Ferry, professor da Escola de Ciência Política de Paris e um dos formuladores do programa de governo do atual presidente Emmanuel Macron. Disse ele: “É preciso taxar grandes fortunas para enfrentar a grave crise climática que vem pela frente. Precisamos de um imposto excepcional sobre o patrimônio financeiro dos mais ricos para a transição climática. A transição ecológica vai produzir uma mudança profunda no modelo de desenvolvimento e acarretar choques negativos no crescimento, emprego, investimento, inflação e desigualdades”.
Voltando o olhar ao atual governo Lula, é importante relembrar que se trata de um governo eleito por uma Frente Ampla que congregou a esquerda, o centro e a direita não fascista. Assim, muitos programas de governo são frutos de soluções de compromisso entre forças díspares. É o caso, entre outros, do programa econômico conhecido por Arcabouço Fiscal, reunindo elementos fiscalistas típicos do neoliberalismo com uma visão social democrata.
O Governo Lula 3 é e continuará sendo durante muito tempo um espaço de disputa entre essas forças, tendo como pano de fundo um Congresso de maioria reacionária, identificada com a direita, que acaba de esvaziar o Ministério do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, e alterar a Lei da Mata Atlântica, enfraquecendo o controle do desmatamento.
À luz dessas considerações é que devemos encarar o conflito Petrobras x Ibama. Em vez de queda de braço entre a proteção ambiental e a produção de combustível fóssil condenada pelo futuro, mas ainda necessária ao longo das próximas décadas, deveríamos ter um Plano Nacional de Desenvolvimento formulado por um fortalecido Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável onde o Ministro da Economia tivesse o mesmo peso que a Ministra do Meio Ambiente.
É importante esclarecer que a visão de sustentabilidade não se resume à questão ambiental, pois envolve necessariamente a dimensão social, econômica, cultural e política. No plano social, é fundamental proteger as comunidades potencialmente ameaçadas com a exploração de petróleo na região da foz do Amazonas. E no plano econômico é bom lembrar que a tendência global é a economia de baixo carbono que levará à redução dos preços do petróleo.
O que hoje parece utopia, em pouco tempo será considerado uma necessidade, uma condição sine qua non para o desenvolvimento com proteção socioambiental e garantia da continuidade das condições de vida. É verdade que durante muito tempo ainda precisaremos dos produtos derivados do petróleo. Mas também é verdade que o uso generalizado do combustível fóssil está condenado por sua forte contribuição à crise climática pela emissão de gases de efeito estufa, ameaçando assim a sobrevivência da humanidade no planeta.
É importante destacar, porém, que, embora urgente, não basta a elaboração de um Plano de Transição Energética. Mais adiante, a sobrevivência da vida na Terra exigirá um profundo programa de transformação ecológica para superar o produtivismo capitalista sempre em busca de lucro e implantar um novo modo de vida e de produção.
*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond).
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