Philippe Herzog

Imagem: Messala Ciulla
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Por FRANCISCO PEREIRA DE FARIAS*

Nota sobre um precursor da teoria da regulação política

Philippe Herzog, economista alinhado ao Partido Comunista Francês na década de 1970, reflete sobre a influência da empresa monopolista ou financeira na institucionalidade e na concretização da política do Estado, bem como analisa os efeitos da política estatal sobre a relação de forças no interior da classe capitalista, ou seja, sobre o sistema hegemônico formado pela conglomeração de capital industrial e bancário.

Para Ph. Herzog (1974a), a imbricação do banco e do capital industrial engendrou uma oligarquia financeira que trabalha de modo novo a valorização do seu capital e os fundos drenados (pelo Estado, a emissão de acções etc.) de que dispõe. Ela fraciona essa massa em elementos que realizam ciclos de natureza diferente e obtêm taxas de rendimentos diferentes, e cuja gestão simultânea tende a assegurar ao capital próprio as melhores condições de valorização. Estes pontos de aplicação e as alianças parciais entre os capitais das diferentes fracções, modificam de modo incessante, a composição instável dos ‘grupos financeiros’, tornando assim difícil a sua identificação.

Como se sabe, uma das primeiras referências ao grupo multifuncional (circulação, produção) no bloco das classes dominantes encontra-se em K. Marx, A luta de classes na França, quando ele se refere à “aristocracia financeira”, no contexto da ascensão capitalista na França de meados do século XIX. No século XX, talvez pensando sobre o declínio da formação capitalista, Ph. Herzog nomeia a composição do agrupamento de várias funções do capital como a “oligarquia financeira”. A referência às formas de governo – positiva e negativa – de Platão não deixa de estar implícita nas duas nomenclaturas, “aristocracia financeira” e “oligarquia financeira”.

Os interesses em competição da oligarquia financeira delimitam o campo de configuração da institucionalidade das políticas do Estado: “no contexto atual, é visível que os monopólios atribuem a si próprios, em ligação estreita com o pessoal político dirigente, normas de ação pública, ou concedem-nas parcialmente aos trabalhadores, sem que nenhum poder público os force a admitir soluções estruturalmente diferente”. Isso não implica dizer que o aparelho de Estado esteja diretamente ocupado pelos representantes diretos da burguesia financeira: “a laboração das instituições públicas é a prerrogativa de aparelhos específicos do Estado. Estes não são a emanação direta da classe dominante: confiando a uma das fracções a laboração de tais aparelhos, a classe dominante agravaria a contradição entre os interesses particulares e o seu interesse geral”.

Para Ph. Herzog, a questão do declínio da grande empresa contemporânea não pode ser equacionada no modelo da formação capitalista, porque esse modelo está destinado a privilegiar o consumo de capitais (meios de produção) e não a satisfação das necessidades sociais. Como afirma o autor, “o atraso do consumo popular em relação às necessidades objetivas é uma das causas centrais do enfraquecimento do potencial produtivo e, por isso, da inflação”; “é, pois, necessário que o financiamento público responda diretamente às necessidades sociais”. Desse diagnóstico resulta o Programa da União Popular em formações capitalistas avançadas: “a reorientação para as necessidades sociais do financiamento público alimentado pelo imposto e [pela]a poupança depende, para ser eficaz e não ser ‘compensado’ por uma nova inflação de crédito, da execução dessas novas estruturas financeiras, impensáveis sem as nacionalizações na indústria e no financiamento” (Herzog, 1974b).

Mas essa nacionalização, adverte Herzog, “não deve tomar a forma de estatização, nem abrir caminho a formas do tipo capitalismo de Estado, pois isso só servirá para reforçar as contradições da política econômica, desperdiçar os meios do Estado no cadinho da sobreacumulação, aumentar as contradições secundárias Estado-empresas”. Com base nessas considerações pode-se elaborar e executar o novo Plano de governo sob o controle dos trabalhadores e das suas organizações, que se responsabilizam progressivamente pelo exercício do planejamento democrático dos meios do Estado.

A perspectiva “social-desenvolvimentista” (Bastos, 2012), representada por Philippe Herzog, privilegia a produção voltada ao mercado interno, o consumo do maior número de pessoas e os gastos estatais em políticas sociais. Trata-se de uma estratégia de desenvolvimento econômico que não coincide totalmente com o horizonte da empresa privada, que ao diversificar a lucratividade em função da inserção no mercado mundial não tem compromisso de longo prazo com a prioridade do mercado interno, do consumo assalariado e da expansão do bem-estar social. O modelo valoriza o planejamento econômico e o investimento direto do Estado a fim de melhorar a eficiência da economia nacional e de sua base de arrecadação fiscal.

Essa visão de política estatal converge com os programas de reformas sociais do socialismo democrático, sustentado, em linhas gerais, pela Central Única do Trabalhadores (CUT) e pela Fundação Perseu Abramo (FPA), mantida pelo Partido dos Trabalhadores (PT). As reivindicações dos mandatários dos trabalhadores tendem a não coincidir com as metas da equipe governamental.  A CUT argumenta, por exemplo, que a possibilidade de reajustar o salário-mínimo em patamar superior aos cálculos apresentados pelo Governo coloca a política salarial na posição de prioridade no orçamento do Estado nacional, e dela decorre a necessidade de intervir nas metas de superavit fiscal, na taxa de juros, na oferta de créditos, na desoneração de impostos sobre o setor produtivo, cujos efeitos seriam o estímulo ao consumo e a melhoria na situação dos empregos.

*Francisco Pereira de Farias é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Piauí e pesquisador de pós-doutorado na Unicamp. Autor, entre outros livros, de Reflexões sobre a teoria política do jovem Poulantzas (1968-1974) (Ed. Lutas anticapital).

Referências


BASTOS, P. Z. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo.Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, número especial, p. 779-810, dez. 2012.

HERZOG, Ph.  Política econômica e planificação em regime capitalista. Lisboa: Prelo, 1974a.

HERZOG, Ph. A União popular e o domínio da economia. Lisboa: Prelo, 1974b.


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