Por VALERIO ARCARY*
Considerações sobre a vida do neto de Leon Trotsky, recém-falecido.
Em 16 de junho faleceu Esteban Volkov, na cidade do Mexico, aos 96 anos. Foi um dos últimos sobreviventes da odisseia trágica que atingiu Leon Trotsky e, impiedosamente, todos os seus familiares.
O governo liderado por Stalin não podia somente destruir as instituições do regime erguido pela Revolução de outubro, e subverter a tradição política das ideias do bolchevismo: precisava eliminar, fisicamente, as lideranças que, ao lado de Lênin, tinham assumido um papel central na República dos Sovietes. A fúria repressiva não poupava nem sequer as famílias. Esta insanidade criminosa obedecia a um método. O cálculo sinistro era que todos aqueles que tinham capacidade política, autoridade moral e coragem pessoal e, eventualmente, pudessem desafiar Stalin tinham que morrer. E seus familiares, herdeiros dos nomes dos dirigentes condenados, não podiam ser poupados.
Do Comitê Central eleito no VI Congresso 1917 dez dos seus 21 membros tiveram suas mortes provocadas pela repressão stalinista: Zinoviev – Fuzilado em 1936 no 1º Processo de Moscou; Kamenev – Fuzilado em 1936 no marco do 1º Processo de Moscou; Miliutin – Fuzilado em 1937 no 3º processo de Moscou; Rikov – Fuzilado em 1937 no 3º processo de Moscou; Bubnov – Fuzilado em 1937 acusado de espionagem; Bukharin – Fuzilado em 1938 no 3º processo de Moscou; Sokolnikov – Preso em 1939 e assassinado sob tutela do Estado; Krestinski – Fuzilado em 1938 no 3º processo de Moscou; Joffé (suplente) – Suicidou-se em 1927 em protesto contra a burocratização do partido. E o mais temido de todos: Trotsky – Assassinado no México em 1940 por um provocador stalinista infiltrado.
Nascido em Yalta, Ucrania, en 1926, com o nome de Vsevolod Platonovich Volkov, Sieva para a família, Esteban transformou a casa do bairro de Coyoacán, em que seu avô foi assassinado, no Museu Leon Trotsky e contribuiu de forma incansável na defesa de sua memória.
Sua própria vida foi uma saga indissociável da perseguição estalinista que atingiu, implacavelmente, a sua família. Filho de Platon Ivanovich Volkov, militante da oposição de esquerda, e Zinaida Volkova Bronstein, filha do primeiro casamento de Leon Trotsky com Aleksandra Sokolovskaya durante o primeiro exílio/prisão na Sibéria, Zina para a família, Esteban ficou órfão ainda na infância.
Seu pai Platon Ivanovich Volkov foi preso em 1928, exilado na Sibéria, solto e depois de outras prisões foi assassinado em 1936. Zinaida foi autorizada a sair da União Soviética com o filho, então somente com cinco anos, mas teve que deixar para trás a filha do primeiro casamento, para visitar o pai na Ilha do Príncipe (Prinkipo) em frente a Istambul na Turquia em 1931. Trotsky, a filha e o neto perderam a cidadania soviética em 1932. Impedida de voltar para Moscou e reencontrar a filha, Zinaida decidiu ir para Berlim, onde vivia seu meio-irmão Leon Sedov, e cuidar de uma depressão e de uma tuberculose. Em janeiro de 1933, em intensa agonia, deu fim à própria vida, com gás de cozinha.
Sieva ficou sob a proteção de Leon Sedov e, na iminência da ascensão de Hitler ao poder poucas semanas depois, fugiram a tempo. Através de contatos de Leon Trotsky que tinham relação com Wilhem Reich, Sieva foi para um colégio Montessori em Viena. Mas, na medida em que o perigo nazista ameaçava a Áustria, foi unir-se ao tio em Paris. Entretanto, em 1938, Leon Sedov perdeu a vida após uma suspeita operação de apendicite, envenenado por agentes stalinistas.
O cerco contra todos os familiares de Trotsky apertava. A avó Aleksandra, líder da oposição de esquerda em Leningrado, foi presa no campo de trabalhos forçados de Kolyma, e desapareceu em 1937, assim como Alexandra Volkov, irmã de Sieva.
Em 1939, Alfred Rosmer e sua esposa, Marguerite Thevenet, acompanharam Sieva, então com 13 anos, na viagem para o reencontro com Trotsky no México. Em maio de 1940 foi ferido durante o atentado com metralhadoras liderado por Siqueiros contra Trotsky. Finalmente, em agosto de 1940, voltava da escola quando seu avô foi assassinado por Ramon Mercader.
Durante os oitenta nos seguintes dedicou suas melhores forças à defesa da honra e memória de Leon Trotsky. Esteban Volkov nunca foi um militante da Quarta Internacional. Mas foi a alma do Museu que preserva um legado de luta quando, nas palavras de Victor Serge: “foi meia-noite no século”. Esteban foi testemunha e protagonista desta luta que permanece a causa mais elevada do tempo que nos coube viver.
Será lembrado pelos que o conheceram. E pelos virão depois de nós para prosseguir o bom combate.
*Valério Arcary é professor aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo).
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