Thomas Hobbes – do poder à soberania do Estado

Paul Klee, Castelo e Sol, sem data.
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Por LYGIA CASELATO*

Apresentação da organizadora do livro recém-lançado

Nesta coletânea sobre Thomas Hobbes, diferentes autores abordam um tema comumente relacionado à sua filosofia, a saber: quais são as condições, os critérios e os limites da vida em sociedade, e de que forma se estabelece entre os homens um pacto ou contrato social. Este tema será analisado pelos autores em suas diversas inter-relações com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a história, a psicanálise etc.

Por meio desses estudos, que ora se complementam, ora se contrapõem, busca-se apresentar para o leitor um mosaico de perspectivas capaz de ampliar a sua visão sobre o assunto, sem contudo determinar uma interpretação única, excludente das demais. O objetivo é apresentar as diferentes visões e instigar no leitor o interesse sobre o assunto, para que ele próprio estabeleça a seu modo um diálogo entre as diferentes perspectivas.

No primeiro estudo, intitulado “Gênese do político e vida civil: o contrato social tensionado entre Hobbes e Espinosa”, Daniel Santos da Silva situa o pensamento político de Thomas Hobbes no contexto da filosofia moderna, e analisa as diferenças e as singularidades a respeito da origem da vida em sociedade em Hobbes e Espinosa.

No segundo estudo, intitulado “Hobbes e a filosofia do poder: os ‘princípios’ antipolíticos do Leviatã na leitura de Hannah Arendt, Rodrigo Ponce Santos aborda a polêmica relação estabelecida por Hannah Arendt entre o imperialismo e a filosofia política de Thomas Hobbes, a fim de verificar como o tema se configura em Origens do totalitarismo e de que modo ele contribui para iluminar o tempo presente. Se o imperialismo surge no conflito entre a estabilidade das instituições nacionais e o seu desejo de expansão, isso significa que ele também se configura como um conflito entre a tradição política e a nova ordem econômica.

Comparando as leituras de Arendt e C. B. Macpherson sobre Thomas Hobbes, o autor explora a analogia que Arendt estabelece entre o imperialismo e o pensamento hobbesiano, ao afirmar que não se encontraria no contratualismo hobbesiano um argumento para a constituição de comunidades políticas, mas antes um modelo de relações humanas que ameaçaria a própria existência de tais comunidades.

No terceiro estudo, intitulado “Thomas Hobbes e a violência do Estado: possibilidades de resistência e o duplo sentido do medo e do poder”, Delmo Mattos da Silva aborda o problema da violência do Estado no pensamento político de Hobbes. Examina o significado teórico do absolutismo proposto pelo filósofo, e evidencia os limites da atuação do governo a partir da oposição entre Estado e indivíduo. Conclui mostrando que a possibilidade de resistência em relação aos excessos de poder está garantida pela proposta política de Thomas Hobbes, que oferece respaldo jurídico à contenção bilateral do medo, assegurando a paz possível entre instituições e cidadãos.

No quarto estudo, intitulado “Mal-estar, sofrimento e sintoma: releitura da diagnóstica lacaniana a partir do perspectivismo animista”, Christian Ingo Lenz Dunker apresenta a noção de “forma de vida” do perspectivismo ameríndio, desenvolvida por Viveiros de Castro, em homologia com a diagnóstica psicanalítica decorrente dos trabalhos de Jacques Lacan, no quadro da metadiagnóstica da modernidade desenvolvida pelas teorias sociais, especialmente as de extração crítica.

Com a dupla finalidade de responder a críticas dirigidas ao estruturalismo lacaniano em psicopatologia, e de justificar a distinção entre sintoma, sofrimento e mal-estar. Embora este estudo esteja situado em outra área do conhecimento correlata à filosofia (a psicanálise), ele apresenta uma ligação direta com o tema geral deste livro: a vida do homem em sociedade.

No quinto estudo, Anderson Alves Esteves expõe os juízos de Thomas Hobbes e Norbert Elias a respeito da divisão do trabalho e de suas relações com a ordem social – a despeito das diferenças de método e de métrica dos autores em pauta. De Thomas Hobbes, recolhe a demonstração e o raciocínio hipotético-dedutivo de que, do indivíduo palmilha-se à sociedade; de que, do contrato que edifica o Estado envereda-se à divisão do trabalho, como uma das maneiras de estatuir o conforto necessário à manutenção da sociedade civil.

De Norbert Elias, recolhe a relação processual entre sociogênese e psicogênese, que, sem opor indivíduo e sociedade, trata da formação da divisão do trabalho e da individualidade como fenômenos inseparáveis e peculiares ao processo civilizador.

Em “Representação, soberania e governo em Thomas Hobbes”, Francisco Luciano Teixeira Filho examina a passagem do conceito grego de “democracia” para a atual “democracia representativa”, a partir do conceito hobbesiano de “representação”.

No sétimo estudo, Jecson Girão Lopes procura explicitar como, a partir da teoria política de Thomas Hobbes, engendra-se a necessidade da instauração do Estado, isto é, do Leviatã, na realidade. Segundo ele, essa perspectiva perpassa todo o curso da obra Leviatã, em que o filósofo demonstra os fundamentos e as razões pelas quais o Estado deve terminantemente exercer a força, a autoridade, a influência, o juízo e o poder sobre os seus súditos, visto que, sem esse exercício do poder coercitivo, a humanidade entraria em estado de guerra constante. Assim expressa-se a legítima e urgente necessidade de efetivação do Estado.

No oitavo estudo, intitulado “Hobbes e a pandemia hipotética no Leviatã: entre a liberdade e a segurança”, o autor Jairo Rivaldo Silva aponta como o aparecimento do coronavírus suscita um antigo debate no âmbito da filosofia política: o debate entre a liberdade e a segurança. Na pandemia, a maioria dos Estados precisou adotar medidas que restringiram a liberdade dos cidadãos, para conter o avanço da doença.

A posição do filósofo inglês, Thomas Hobbes, exposta em Leviatã, para enfrentar esse tipo de problema, seria a de que a segurança deve prevalecer sobre a liberdade irrestrita, para evitar o estado de natureza. Há em Thomas Hobbes uma proposta de que a liberdade irrestrita seja substituída pela liberdade limitada no estado político, que aponta para uma possível solução capaz de conjugar liberdade e segurança a partir do conceito de razão pública.

Contribuir para o debate sobre a vida humana em sociedade, seja na filosofia, na sociologia ou na psicanálise é o grande objetivo desta publicação. Que ela possa então ser útil tanto para ampliar o debate entre os especialistas, quanto para aprimorar o conhecimento do leitor comum sobre um tema tão importante, que diz respeito a todos.

Boa leitura!

Lygia Caselato é mestre em filosofia pela USP.

Referência


Lygia Caselato (org.). Thomas Hobbes: do poder à soberania do Estado. Cotia, Editora Cajuína, 2023, 252 págs. [https://amzn.to/3roojyj]


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