A cúpula Xi-Biden

Imagem: Emre Can Acer
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANDREW KORYBKO*

Esta última Cúpula Xi-Biden torna-a mais relevante do que nunca, devido ao incipiente descongelamento das tensões entre seus países

Os presidentes Xi Jinping e Joe Biden encontraram-se pela primeira vez em um ano, na Conferência Econômica Ásia-Pacífico (APEC), em São Francisco. O encontro ocorreu no momento em que os EUA se afastam gradualmente do conflito ucraniano e no meio da inesperada guerra entre Israel e Hamas, que desviou abruptamente a atenção de todas as outras frentes euro-asiáticas. Este contexto levou a questões conexas sobre o futuro de sua grande estratégia, nomeadamente se seria o caso de “(Re)orientar-se para a Ásia” como planejado ou considerar outra coisa.

Os estoques americanos esgotaram-se devido a mais de 20 meses de ajuda armada à Ucrânia, mas agora estão sendo estendidos até o ponto de ruptura por conta de seus compromissos de segurança com Israel. Os Estados Unidos não podem, portanto, dar-se ao luxo de se envolver indiretamente em mais conflitos importantes no estrangeiro, mas isso é precisamente o que tem sido provocado contra a China, particularmente por seu apoio às reivindicações marítimas das Filipinas e ao separatismo de Taiwan. Tudo pode ficar rapidamente fora de controle se esta política não mudar rapidamente.

É aí que reside a sabedoria de concordar com a retomada da comunicação militar com a China, depois que esta confirmou a demissão do ex-ministro da defesa Li Shangfu semanas antes, após seu prolongado desaparecimento. Independentemente do que possa estar por trás dessa segunda medida, sua relevância para a Cúpula Xi-Biden foi ter facilitado o referido reatamento da comunicação militar. Isto, por sua vez, ajudará a reduzir as probabilidades de que a rivalidade de sua Nova Guerra Fria conduza a um grande conflito por erro de cálculo.

Seria prematuro concluir que suas conversações implícitas anteriores sobre uma “nova détente”, ou uma série de compromissos mútuos em múltiplos domínios destinados a alcançar uma “nova normalidade” em seus laços, estão novamente no rumo certo. Muitas coisas aconteceram desde que o incidente do balão em fevereiro descarrilou essa grande trajetória estratégica, mas uma série moderada de compromissos mútuos é, de fato, possível. No entanto, em vez de resolverem sua rivalidade, só serviriam para sua melhor gestão.

Este resultado seria positivo para a estabilidade global, mas também coloca alguns desafios para outros atores importantes, interessados na transição sistêmica global, especialmente Índia e Rússia. Estes dois nunca o dirão diretamente, mas estão preocupados com o retorno e subsequente retração do breve período bi-multipolar em que a interação sino-americana moldou desproporcionalmente o mundo. Este período ocorreu, grosso modo, entre o final da década de 2010 e o início da operação especial da Rússia e não foi ideal para nenhum dos dois.

Para sermos claros, os EUA continuam sendo um dos parceiros estratégicos mais importantes da Índia em qualquer parte do mundo, enquanto a Rússia está numa Entente não oficial com a China, mas cada uma de suas contrapartes considera a gestão de sua rivalidade da Nova Guerra Fria mais importante do que seus laços com a Índia e a Rússia, respectivamente. Sendo assim, não é de se excluir que o incipiente descongelamento das tensões sino-americanas possa conduzir a desafios imprevistos para Índia e Rússia, sem intenção ou de propósito.

Por exemplo, os Estados Unidos poderiam fechar os olhos para algumas ações chinesas nos Himalaias – Ladakh, Butão e/ou Arunachal Pradesh –, que a Índia considera ameaças à segurança nacional, caso conclua que isso redirecionaria sua atenção para as disputas marítimas, evitando assim uma possível guerra sino-americana. Do mesmo modo, a China poderia encorajar um maior número de suas empresas a cumprir as sanções antirussas dos EUA, caso conclua que isso poderá ajudar no avanço de eventuais conversações sino-americanas destinadas a resolver sua guerra comercial.

Qualquer um destes cenários pode ocorrer de modo não intencional devido às percepções dos formuladores políticos em relação aos interesses nacionais objetivos de seu país, ou deliberadamente caso suas contrapartes solicitem discretamente essa compensação. O objetivo de chamar a atenção para isso não é alarmar sobre o futuro dos laços indo-americanos ou sino-russos, mas simplesmente chamar a atenção para o novo ímpeto de expansão dos laços indo-russos. Este fato está alinhado com os esforços do especialista do Clube Valdai, Andrey Sushentsov, no sentido de elaborar uma nova “grande ideia” para seus laços.

A análise mencionada propõe que o conceito de tri-multipolaridade, que está descrito em detalhes ali, e que foi referida anteriormente no presente artigo em relação à transição sistêmica global, poderia satisfazer esta grande necessidade estratégica. Ela enquadra a referida transição de uma forma que reconhece a importância da interação destas quatro Grandes Potências para a formação da futura ordem mundial. Esta última Cúpula Xi-Biden torna-a mais relevante do que nunca, devido ao incipiente descongelamento das tensões entre seus países.

Como já foi escrito anteriormente, o resultado da reunião é positivo para a estabilidade global, embora também implique desafios imprevistos para a Índia e a Rússia, para não falar dos estados de pequena e média dimensão com menor soberania do que estes dois. A China e os EUA têm o direito de perseguir seus interesses nacionais objetivos, tal como os formuladores políticos os entendem, o mesmo vale para Índia, Rússia e todos os demais. Idealmente, será possível alcançar um equilíbrio pragmático entre estes interesses, embora isso não seja algo garantido.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Fernando Lima das Neves.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição
  • O perde-ganha eleitoralJean-Marc-von-der-Weid3 17/11/2024 Por JEAN MARC VON DER WEID: Quem acreditou numa vitória da esquerda nas eleições de 2024 estava vivendo no mundo das fadas e dos elfos

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES