A realidade paralela do PCO 

Imagem: Mo Eid
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*

Militantes do PCO acreditam que o partido seria capaz de influenciar os rumos dos principais acontecimentos da política nacional

Na semana passada, escrevi um artigo intitulado “PCO e a extrema direita”, explicando que o Partido da Causa Operária é uma organização cujo objetivo não é necessariamente eleitoral, mas servir aos interesses particulares de seu presidente. Continuando o debate, neste texto aponto que o PCO se encontra em uma espécie de realidade paralela. Não por acaso, frequentemente o partido é referência em postagens de indivíduos de extrema direita (também conhecidos pela constância na realidade paralela).

Como não tem relevância eleitoral, tampouco espaço na imprensa de esquerda, para “chamar a atenção”, o PCO utiliza um modus operandi composto, basicamente, por três etapas. Primeiro, o PCO solta uma de suas polêmicas vazias (meras “iscas de engajamento”), tipo “Bolsonaro é perseguido”. Posteriormente, essas polêmicas repercutem positivamente em bolhas bolsonaristas e de maneira negativa em veículos progressistas (aliás, o PCO tem se caracterizado por ser “tigrão” com a esquerda, e “tchutchuca” com a extrema direita). Por fim, militantes do partido, em peso, publicam nas redes sociais que o partido está crescendo, incomodando a burguesia e o que eles chamam de “esquerda pequeno-burguesa”. Assim, acreditam que o PCO (um dos menores partidos legalizados do país) seria capaz de influenciar os rumos dos principais acontecimentos da política nacional (quiçá global).

Nesse “mundo alternativo” e megalomaníaco, existe uma (suposta) perseguição do imperialismo estadunidense ao PCO. Pensem bem! É surreal pensar que a maior máquina de guerra e espionagem da história da humanidade, responsável por inúmeros golpes de Estado mundo afora, iria se preocupar, justamente, com o PCO, que elegeu somente um vereador até hoje (e mesmo assim numa aliança com partidos de direita).

Nessa “lógica”, todos os veículos de comunicação que denunciam os devaneios do PCO – A Terra é Redonda, Fórum, DCM, GGN, Carta Capital, entre outros – estão a serviço do imperialismo, do PSDB, do sionismo e/ou são financiados por ONGs.

Já uma das principais táticas utilizadas pelo PCO para corroborar sua “realidade paralela” é parasitar movimentos e políticos populares. Desse modo, o partido se colocou como porta-voz da candidatura Lula, da campanha pelo “Fora Bolsonaro” e pela defesa da causa palestina.

Nessa estratégia de cortina de fumaça, quem critica o PCO e seus flertes com a extrema direita não estaria “atacando apenas o partido, mas também Lula e a Causa Palestina” e é “agente do imperialismo infiltrado na esquerda”. Por exemplo, se alguém denuncia que as declarações do presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, dão combustível para o bolsonarismo (como afirmar que “Bolsonaro é perseguido por ser o único nome capaz de derrotar Lula”), logo a imprensa do partido solta uma nota delirante, tipo “o partido tem sido confrontado, pois leva adiante a luta em defesa do povo palestino”. Ou seja, uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Além do mais, membros de todos os “organismos parasitados” pelo PCO procuram se manter distantes do partido de Rui Costa Pimenta. Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, já se referiu ao PCO como divulgador de fake news e causador de intrigas entre a esquerda. Segundo Valter Pomar, também membro do diretório nacional do Partido dos Trabalhadores, “o PCO é aliado objetivo de Bolsonaro” e “rapidamente ocupará o lugar do PSTU, como ‘a esquerda que a direita gosta’”. Em uma live no DCM, a Secretária de Juventude da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), Maynara Nafe, ao comentar sobre a participação do PCO nos atos pró-Palestina, afirmou que o partido “não tem nada a ver conosco”.

Mas a realidade paralela do PCO não opera apenas em relação ao presente. O passado também é reescrito. Toda a historiografia brasileira está errada. Só os membros do partido conhecem a “verdade”. Nessa versão sobre nossa história, o descobrimento do Brasil foi um acontecimento revolucionário, os bandeirantes são heróis nacionais e o movimento de 8 de janeiro de 2023 não foi uma tentativa de golpe, mas “mera manifestação de pobres coitados” (evidentemente, os amigos bolsonaristas não podem ser representados negativamente).

Entretanto, os maiores devaneios do PCO, sem sombra de dúvidas, estão relacionados às “análises” do partido sobre futebol. Na realidade paralela do partido, a seleção brasileira e o Menino Ney são perseguidos pelo imperialismo, pela Globo, por Casagrande, por Galvão Bueno, pelo VAR, pela FIFA, pela Conmebol, pela UEFA e pela “esquerda pequeno-burguesa”.

Por falar em “esquerda pequeno-burguesa”, para o PCO, o atual deputado federal Guilherme Boulos foi o responsável pela famosa derrota do Brasil por 7 a 1 contra a Alemanha, na Copa do Mundo de 2014.

Evidentemente, um texto apenas não daria conta dos devaneios pimentistas. A cada “Análise Política da Semana” (equivalente do PCO ao cercadinho bolsonarista), a realidade paralela do partido ganha um novo item.

E os militantes, por consequência, têm que replicar tudo o que o presidente do partido diz, sem questionar e sem medo de passar constrangimento nas redes sociais. Como canta Zé Ramalho: “Eh, oô, vida de gado”.

Por fim, é importante ressaltar que, de acordo com a realidade paralela do PCO, este artigo foi patrocinado pelo imperialismo, por George Soros, pelo sionismo, por ONGs e pelo PSDB. Só estou aguardando os pix chegarem!

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV). [https://amzn.to/49F468W]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O porto de Chancayporto de chankay 14/11/2024 Por ZHOU QING: Quanto maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América Latina e quanto maior a escala dos projetos dessas relações, maiores as preocupações e a vigilância dos EUA
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES