Por DYLAN RILEY*
No entendimento de Du Bois, o fundamento social da democracia não se encontra em uma estrutura de vilarejo pré-capitalista com propriedade coletiva da terra, mas em um estrato de pequenos proprietários independentes
A relação de W. E. B. Du Bois com o marxismo tornou-se o foco de um debate considerável na sociologia estadunidense; o que está em jogo são questões ao mesmo tempo intelectuais e cripto-políticas. Alguns querem inscrever Du Bois no rol da “teoria interseccional”, uma noção que sustenta que tudo tem exatamente três causas (raça, classe e gênero), ideia de certa forma análoga ao jeito que weberianos são dogmaticamente apegados a um conjunto fixo de “fatores” (ideológicos, econômicos, militares, políticos).
Outros querem incorporá-lo à tradição do marxismo ocidental e seu problema característico, a revolução fracassada. Em termos gerais, o primeiro grupo tende a enfatizar os primeiros escritos de Du Bois, relativizando, desse modo, a influência do marxismo, enquanto o segundo grupo foca no seu trabalho posterior, com suas críticas ao capitalismo e imperialismo e as reflexões sobre o experimento soviético.
Mas a obra prima de Du Bois, A reconstrução negra na América, não cabe em nenhuma dessas interpretações. O conceito de “interseccionalidade” não aparece em lugar algum, e não há nenhuma evidência que Du Bois pensava nesses termos. Assim como o proletariado de Du Bois, ou ao menos sua parte política mais importante, também não é a classe trabalhadora industrial; é, na verdade, o fazendeiro familiar, tanto no Oeste quanto no Sul, negro e branco.
Consequentemente, seu ideal político era uma “democracia agrária”. Ele às vezes se refere, de maneira um tanto enganosa, àqueles que apoiam esse programa como “agricultores camponeses” ou “proprietários camponeses”, o que poderia levar alguém a pensar que ele está mais próximo do “populismo” no sentido russo do que do marxismo. Mas essa também seria uma leitura equivocada, já que, no entendimento de Du Bois, o fundamento social da democracia não se encontra em uma estrutura de vilarejo pré-capitalista com propriedade coletiva da terra, mas em um estrato de pequenos proprietários independentes (que falhou completamente em aparecer no Sul após a Guerra Civil, devido à feroz resistência da plantocracia, o que produziu a figura anfíbia do arrendatário).
Em contraste a Du Bois, a maior parte dos marxistas europeus tem sido cautelosos em defender a redistribuição de grandes propriedades rurais, por conta das consequências políticas e econômicas de se estabelecer um campesinato de pequenos proprietários. A divisão de terras pode ser politicamente libertadora e economicamente regressiva, como a Revolução Francesa demonstrou com clareza. Lembremos também que A questão meridional de Antonio Gramsci, texto que se assemelha à Reconstrução negra, foi parcialmente escrito como uma defesa contra a acusação de que o nascente Partido Comunista italiano exigia o desmembramento dos latifúndios do sul.
Pode ser que, no final, a melhor maneira de compreender Du Bois não seja como um teorista interseccional avant la lettre e nem como um marxista, mas como um democrata radical e consistente. Seu sujeito político ideal era a família fazendeira independente, capaz de, em alguma medida, se retirar do mercado, ou ao menos participar dele em termos favoráveis e independentes.
Nisso Du Bois mostra como é um pensador profundamente americano, com uma crítica ao capitalismo que é mais republicana do que socialista. Porque a preocupação de Du Bois não era o fracasso de uma revolução socialista, mas a oportunidade perdida de uma Arcádia jeffersoniana.
*Dylan Riley é professor de sociologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Autor, entre outros livros, de Microverses: observations from a shattered present (Verso).
Tradução: Julio Tude d’Avila
Publicado originalmente na New Left Review.
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