Eliseu Neto (1978-2024)

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JULIAN RODRIGUES*

A partida precoce de Eliseu Neto deixa enorme lacuna no ativismo LGBTI e uma saudade ainda maior no coração de seus amigos

“É tão estranho / os bons morrem jovens/ assim parece ser/quando me lembro de você/que acabou indo embora/ cedo demais”
(“Love in the Afternoon”, Renato Russo)

Quando o mundo for reinventado haverá uma lei proibindo que as pessoas morram jovens, no ápice de suas vidas. É excruciante assistir à partida precoce de gente querida — mas faz parte do absurdo da existência…

Uma semana triste. O movimento nacional de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexuais não conta mais com a inteligência, compromisso, capacidade de articulação e sobretudo com a generosidade e carisma de Eliseu Neto (1978-2024).

É difícil escrever sobre um amigo tão querido como Eliseu. Chorei muito quando soube de sua morte. Mais novo que eu, tinha 45 anos apenas!. Tínhamos nos falado por telefone há cerca de 20 dias. Lutava contra uma doença autoimune. Estava animado com os efeitos da cannabis medicinal. Tínhamos expectativa de que melhorasse. Parece que é mais difícil lidar com o adoecimento e morte de pessoas tão jovens. E que estavam conosco até ontem, trabalhando, rindo, pensando, agindo, sonhando.

Não me lembro exatamente quando, como e onde conheci Eliseu Neto. Deve ter sido em Brasília em algum dos inúmeros eventos de articulação das pautas dos direitos LGBTI.

Eu, da esquerda petista, ele militando no PPS. Em tese, não daria “match”. Mas, pelo contrário, foi uma amizade à primeira vista. Penso que a paixão pela política e a dedicação às pautas LGBTI e de Direitos Humanos nos aproximou quase que instantaneamente.

Sem mencionar o humor, simpatia e a inteligência do meu amigo seguidor do Roberto Freire. Aliás, adorávamos nos provocar mutuamente. Ele espinafrando o PT e eu, o PPS (não adianta, sempre me recusei peremptoriamente a chamar esse partido de Cidadania).

Militante de centro-esquerda, pragmático, preparado, vocacionado e com gosto para luta política. Diria que ele estava um tanto à esquerda da opinião média de seu Partido, o que, entretanto, não tinha repercussão em sua organicidade e disciplina partidárias.

Eliseu Neto – junto com Paulo Iotti e outros militantes históricos – foi um dos principais responsáveis por grandes conquistas da população LGBTI, como, por exemplo, a ação judicial junto ao STF que resultou na equiparação, para efeitos penais, da homofobia e transfobia ao racismo. Um marco em nossa jornada por reconhecimento e cidadania plena.

Conversei com ele algumas vezes depois do diagnóstico de sua condição de saúde. Apesar de um pouco debilitado em sua fala, seguia lúcido e bem humorado. Mas a doença autoimune é implacável. Meu amigo era psicólogo e psicanalista, o que provavelmente o ajudou a lidar com certa temperança frente ao fim iminente.

Em momentos como esse tenho até certa inveja dos que creem na metafísica, em vidas outras, em céus, paraísos e quetais.

Todavia, fica somente o que se foi e o que se fez. Eliseu Neto continuará vivo na memória de sua família e amigos e na história do movimento LGBTI brasileiro.

Eliseu Neto: presente!

*Julian Rodrigues, jornalista e professor, é militante do movimento LGBTI, do movimento de Direitos Humanos e do PT.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • João Cândido e a Revolta da Chibatarevolta da chibata 23/06/2024 Por PETRÔNIO DOMINGUES: No atual contexto, em que tanto se discute reparações do Estado à população negra, o nome de João Cândido não pode ser esquecido
  • O medo e a esperançaJoao_Carlos_Salles 24/06/2024 Por JOÃO CARLOS SALLES: Contra a destruição da universidade pública
  • O colapso do sionismopalestina livre 80 23/06/2024 Por ILAN PAPPÉ: Quer as pessoas acolham a ideia ou a temam, o colapso de Israel tornou-se previsível. Esta possibilidade deve informar a conversa de longo prazo sobre o futuro da região
  • Franz Kafka, espírito libertárioFranz Kafka, espírito libertário 13/06/2024 Por MICHAEL LÖWY: Notas por ocasião do centenário da morte do escritor tcheco
  • Um olhar sobre a greve das federais de 2024lula haddad 20/06/2024 Por IAEL DE SOUZA: Com alguns meses de governo, comprovou-se o estelionato eleitoral de Lula, acompanhado do seu “fiel escudeiro”, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad
  • Retomar o caminho da esperançafim de tarde 21/06/2024 Por JUAREZ GUIMARÃES & MARILANE TEIXEIRA: Cinco iniciativas que podem permitir às esquerdas e centro-esquerdas brasileiras retomarem o diálogo com a esperança majoritária dos brasileiros
  • A sociedade da história mortasala de aula parecida com a da história usp 16/06/2024 Por ANTONIO SIMPLICIO DE ALMEIDA NETO: A disciplina de história foi inserida numa área genérica chamada de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e, por fim, desapareceu no ralo curricular
  • Sobre a ignorância artificialEugenio Bucci 15/06/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Hoje, a ignorância não é uma casa inabitada, desprovida de ideias, mas uma edificação repleta de baboseiras desarticuladas, uma gosma de densidade pesada que ocupa todos os espaços
  • Manual teológico do neopentecostalismo neoliberaljesus salva 22/06/2024 Por LEONARDO SACRAMENTO: A teologia transformou-se em coaching ou fomentador da disputa entre trabalhadores no mundo do trabalho
  • Chico Buarque, 80 anoschico 19/06/2024 Por ROGÉRIO RUFINO DE OLIVEIRA: A luta de classes, universal, particulariza-se no requinte da intenção construtiva, na tônica de proparoxítonas proletárias

AUTORES

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES