Por LUCIANO NASCIMENTO*
Há uma moralidade quase rasteira permeando a ideia de que, em geral, no dia a dia, é muito mais fácil errar do que acertar
Dizem que “o Diabo é perigoso porque é velho”. A despeito da possível validade filosófica do aforismo, é compreensível que sua matriz judaico-cristã cause arrepios em quem está minimamente informado sobre as notícias mais recentes a respeito de Gaza ou da atuação da cancerígena “bancada evangélica” brasileira.
Por isso talvez seja válido buscar uma versão menos ortodoxa da máxima; quiçá algo como “o mal conhece todos os atalhos”. Ainda assim, há uma moralidade quase rasteira permeando a ideia (só aparentemente simples) de que, em geral, no dia a dia, é muito mais fácil errar do que acertar.
A simplicidade da ideia é só aparente porque, infelizmente, o erro não é uma commodity qualquer. Além da natureza difícil de delimitar – o que é “certamente errado”, afinal, fora da exatidão da matemática pura? –, o preço do erro varia bastante, sujeito a muitas variáveis e a poucas constantes.
O continuum tempo-espaço é uma dessas variáveis; o agente da ação criticada também. Na encruzilhada desses dois vetores, o ponto sensível é: algumas pessoas, em determinados tempos-espaços, se erram, geram uma tragédia. Na prática isso equivale a dizer: um erro A, se cometido por B, numa circunstância C, têm um custo D (às vezes mais, às vezes menos aferível); mas, esse mesmo erro A, se cometido por X, em igual circunstância C… implode a equação, derruba tudo.
A conclusão é que o custo do “combo” de alguns erros pode ser tão elevado que simplesmente arriscar errar não é uma opção. É preciso desviar da situação a todo custo, sequer flertar com ela, nem ao menos cogitar a hipótese de que, afinal, ela não seja o que de fato é – um erro, afinal. E é aí que o tempo volta a ter um papel crucial: espera-se que, com o passar dele, as pessoas compreendam essa contingência existencial complexa (a necessidade de conter alguns de seus próprios impulsos) e, conscientemente, passem a errar menos.
No fundo, no fundo, é também uma questão moral. Daí sua fácil captura pela religião, evidente na referência infame e etarista à idade do diabo judaico-cristão: velho que é, ele próprio já teria errado muito e, por isso, saberia onde e como fazer errarem [sic] as pessoas – que, por óbvio, são menos velhas que ele, “o tinhoso”, o “coisa ruim”, o “cão”…
É claro que, afastando a chantagem etarista e o romantismo juvenil (apesar de travestido de idoso), resta claro que maior idade não é nem nunca foi sinônimo inequívoco de maior sabedoria, assim como informação ou conhecimento puros – por melhor e mais sofisticados que se apresentem – tampouco garantem imunidade à falha. “Errar é humano” e o clichê é tão batido quanto verdadeiro.
Mas, então, se errar é inevitável, que fazer? Fechar os olhos e apenas se entregar ao “curtindo a vida adoidado”? Não, não é bem assim – parece.
Errar é inevitável; contudo, nem todo erro é. Os novos, inusitados, advindos de circunstâncias inesperadas ou desconhecidas… esses erros são, quase sempre, inevitáveis; os velhos conhecidos, famosos e íntimos, comezinhos… esses não.
É verdade que a infalibilidade não é um predicativo alcançável pelos seres humanos? É. Porém, também é legítimo esperar de algumas pessoas maior discernimento em relação àquilo que a comunidade na qual elas mesmas estão inseridas convencionou chamar “certo” ou “errado”. Afinal, nem todo mundo navega por este mundo igualmente às cegas – em que pesem o maremoto e o tufão brancos com que a leitura de José Saramago pode fustigar essa afirmação.
Por fim, na equação geral dos fracassos evitáveis, afora as mais idiossincráticas, uma variável essencial é o tempo-espaço, outra é o agente, e outra é, sem dúvida, a idade do erro. Erro velho não se erra; o custo, quase sempre, é alto demais; às vezes, incalculável.
*Luciano Nascimento é professor do ensino básico técnico e tecnológico federal no Colégio Pedro II.
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