Forma-livre

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Por LUIZ RENATO MARTINS*

O modo brasileiro de abstração ou mal-estar na história

À memória de Luiz Recamán

Ausência de história e “forma-livre”

Ao contrário do México e da Argentina, o Brasil não dispõe de história da arte como disciplina institucionalizada e menos ainda na forma de sistema crítico-reflexivo.

Em 1947, Lourival Gomes Machado (1917-1967) iniciou Retrato da Arte Moderna do Brasil pela afirmação: “O primeiro historiador da arte brasileira, sistemático e com visão geral do desenvolvimento cultural, erudito e capaz de interpretação, este ainda não o tivemos”. Críticos importantes como ele – e decisivos, como Mário Pedrosa (1900-1981) – enfrentaram a questão em 1947, 1952 e 1973, com resultados sempre limitados.[i]

Não serão um livro excepcional ou um autor que farão a redenção; o juízo continua válido e de longa duração. São muitas as razões para a lacuna e não cabe aqui abordá-las. O fato é que se consolidaram como tendência, há muito, os estudos monográficos que examinam um movimento artístico, considerado em si mesmo, à luz das suas próprias premissas e determinado isoladamente em sua positividade. E, após o surgimento de um mercado de arte dinâmico no início do decênio de 1970, decorrente do chamado “milagre brasileiro”, mas também da sufocação pela repressão política do engajamento político-social das artes visuais, vieram levas de estudos realçando o ponto de vista autoral e constituindo o autor como positividade e mercadoria. Ainda estamos imersos nessa cena, própria a um “sistema de autores”.[ii]

Em contrapartida, a história e a crítica literária desenvolveram-se sistematicamente no Brasil, consoante entrecruzamentos próprios e a elaboração de uma “causalidade interna”.[iii] Assim, para responder à questão principal deste colóquio, acerca da continuidade/ descontinuidade das histórias da arte na América Latina, no caso brasileiro, é preciso recorrer ao modelo de reflexão sistematizada da literatura e dos nexos que estabeleceu com outras questões nacionais.

Podemos, porém, nos valer também do discurso arquitetônico e urbanístico de Brasília, cidade projetada entre 1956 e 1960 para ser a capital do país e que parte de uma ambição sistemática de sintetizar a visualidade brasileira. O historiador argentino Adrián Gorelik denominou Brasília de “museu da vanguarda”.[iv] De fato, o projeto de Brasília implica em seu plano urbanístico e edifícios-monumentos uma narrativa sistemática englobando o passado colonial e a origem e a natureza da arte moderna brasileira, o que inclui ainda um discurso neoprimitivo. Por isso, é possível supor que o caso de Brasília sirva também como objetivação eventual de um discurso sistemático sobre a arte moderna do Brasil.

Corolário de tal complexo discursivo é a chamada “forma-livre”, engendrada no trabalho arquitetônico de Oscar Niemeyer (1907-2012) em 1940-42, no curso do projeto para o complexo de edificações da Pampulha (Belo Horizonte, Minas Gerais), e que, favorecida pelo “pan-americanismo” e as circunstâncias do esforço de guerra, logo conquistou reconhecimento internacional para a arquitetura moderna brasileira.

A “forma-livre”, em sua licença ou desvio ante o funcionalismo corbusiano, prenuncia o caso análogo, no final do decênio seguinte (1959 e ss.), da arte neoconcreta, dissidente dos imperativos da arte concreta e, hoje, também celebrada internacionalmente. Assim, ambas, arquitetura moderna e arte neoconcreta, ora aparecem como emblema do proclamado “talento” dos autores brasileiros.

A “forma-livre” é, pois, a expressão objetivada do que se pode denominar de “propensão brasileira ao formalismo”. De onde provém tal tendência? Em que experiência histórico-social se baseia?

A propensão brasileira ao formalismo

Em Raízes do Brasil (1936), o historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) deu resposta incisiva acerca da origem da propensão encontrada entre as famílias patriarcais brasileiras para o manejo das formas, ou para o que então se denominava de “talento”: ela provém do poder que os valores e costumes das casas-grandes exerceram, desde o período colonial, sobre a formação social e simbólica brasileira.

Facilidade e a destreza no manejo das formas radicariam na aversão ao trabalho que as oligarquias rurais, quando migraram para as cidades, transmitiram aos seus descendentes, que adotaram as profissões liberais e optaram por práticas e formas avessas à objetividade, à precisão e ao enfrentamento de questões reais. O tardio e incipiente sistema educacional brasileiro, fundamentalmente clerical e privado, amoldou-se a tais desígnios e combinou ao segregacionismo de origem o cultivo de formas dissociadas da realidade.

A fonte do problema é cabalmente resumida pelo historiador: “Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. É preciso considerar esse fato para se compreender exatamente as condições que, por via direta ou indireta, nos governaram até muito depois de proclamada nossa independência política e cujos reflexos não se apagaram ainda hoje”. [v]

O diagnóstico permanece válido 75 anos depois! Uma tese universitária luminosa, realizada por Luiz Recamán em 2002,[vi] demonstra que a arquitetura moderna brasileira assenta em princípios não urbanos. Revela assim, por meio de uma análise estrita do discurso arquitetônico e urbanístico, a longa hegemonia do princípio ativo da ordem colonial, que se traduz na ditadura das formas agrárias sobre as urbanas.

Em síntese, o argumento de Luiz Recamán é o de que é dada por uma perspectiva não urbana a constante do sistema formado pela arquitetura moderna brasileira nos 20 anos que levam de seu primeiro totem, ou seja, o projeto do prédio do Ministério da Educação e Saúde (1936-37), de Lúcio Costa (1902-1998) e equipe,[vii] passando pelo segundo capítulo, o projeto do pavilhão brasileiro na Feira de Nova York (1939-40, L. Costa e O. Niemeyer), bem como pelo terceiro ícone, o conjunto da Pampulha (1942-43), até os projetos de Brasília (c. 1957-60, O. Niemeyer e L. Costa). Concebidos sempre como unidades isoladas na paisagem, tais edifícios eram circundados pelo vazio, por situações simuladas ou efêmeras (Feira de Nova York) ou por uma tabula rasa de relações sociais (a área deserta da Pampulha).[viii]

Núpcias e frutos

Em suma, da cena de origem da modernização brasileira, sob a análise límpida feita por Luiz Recamán, desponta o sistema da arquitetura moderna brasileira como um rebento ímpar do enlace entre o processo de renovação conservadora – de uma formação social oligárquico-rural que transita rumo à industrialização – e o poder de sedução de uma doutrina inovadora, a arquitetura do Corbusier (1897-1965), concebida para reformar e ajustar as longevas cidades europeias, nascidas do comércio local (feiras) e do artesanato medieval, ao programa taylorista da indústria monopolista.

De onde provém, porém, o amadurecimento precoce e com vigor ímpar do fruto da união de cônjuges tão heterogêneos e de origens tão distintas? Pondo a pergunta em miúdos, na transição do modo oligárquico agrário para o sistema comercial-industrial monopolista, em que termos se cimentou a união de interesses e práticas entre a transição conservadora do sistema produtivo brasileiro e uma técnica modernizadora, no caso, aquela que, à base do planejamento de extração industrialista, foi trazida pela doutrina funcionalista do arquiteto franco-suíço?

Vale precisar, sublinhando, técnica atavicamente afim a revoluções – mas, revoluções, decerto, técnico-produtivas, excetuada, bem entendido, a revolução política, na ordem do mando. Limite e especificação, que garantiam às oligarquias modernizantes, nesse contexto, manter o monopólio dos bens e o império sobre o trabalho.

A tese deste trabalho é que o vetor da aliança (consumada com sucesso) foi a estratégia comum bonapartista – no sentido que Marx conferiu a este qualificativo[ix] – de agenciar o discurso, a um tempo utópico e positivista, da arquitetura moderna como ersatz ou simulacro do processo político, esvaziado em favor do jogo livre das formas modernas.

Com a desenvoltura bonapartista e o custeio estatal, a etapa de laboratório dos experimentos foi rapidamente vencida. A partir do surgimento triunfal da “forma-livre” na Pampulha, como forma fetiche de uma arquitetura destinada à exibição e à especulação ou a “valorizar o valor”, segundo mostra o olhar agudo de Luiz Recamán,[x] a arquitetura moderna tomou, nas terras quentes brasileiras – mas politicamente congeladas pelo autoritarismo –, um ar familiar – tão familiar quanto outras mudas e práticas transplantadas: a cana-de-açúcar, o coco, o latifúndio, a escravidão, o café etc.

Hoje quem pode imaginar o Brasil sem tais pérolas? O grande invento mercantil-colonial foi em primeiro lugar o latifúndio escravista – molécula da forma-império –, do qual derivam as demais qualidades e vantagens comparativas, tidas até hoje por excelências brasileiras. Qual o lugar de Brasília e de sua figura essencial, a “forma-livre”, em tal colar que tão bem cinge à forma territorial imperial, outro legado do passado colonial?

Uma pérola moderna

Logo, além da filiação dessa arquitetura ao patronato e ao patriarcado que monopolizam ainda hoje os poderes do Estado, esmiucemos o seu estilo, com marca e poder de sedução ímpares. Qual é o gene da molécula emblemática do “talento” brasileiro para a arquitetura moderna, a “forma-livre“?

Virou habitual, desde as críticas de Max Bill (1908-1994) à “forma-livre”,[xi] remontá-la ao barroco-religioso colonial. Tal alegação meramente faz par com o elogio de Costa à arquitetura colonial civil.[xii] Só que a dissidência de Niemeyer ante a lição do funcionalismo, que nunca deixou de reconhecer, não é de teor arquitetônico, mas de raiz artística – e por isso foi chancelada, pode-se concluir, como licença filial[xiii] por Corbusier.

O desvio de Niemeyer frente ao traço funcionalista prende-se antes pelo teor dúplice e ambivalente da sua abstração a um quê de naturalista e alegadamente primitivo, próprio ao modernismo brasileiro – muito mais art déco do que se apregoou. A “forma-livre” bebe diretamente do “neoprimitivismo” do léxico dito “Pau-brasil” e da arte dita “antropófaga” de Tarsila do Amaral (1886-1973). Entre as curvas largas e sinuosas do desenho de Tarsila e as “formas-livres”, tecem-se continuidades, evidentes ao mero cotejo visual das formas de Niemeyer com aquelas da pintura de Tarsila.[xiv] Em ambos, os traços alegam a essência do “homem brasileiro”, e pretendem estilizar as formas populares e a visualidade brasileira. Subjacente a tal ordem de similitudes, reveladora da premissa tardo-modernizadora e autocrática que compartilham, reside a convicção de poderem fazê-lo desde o alto e por meio do desenho.[xv]

Alegorias e “vantagens comparativas”

O livro O Primitivismo em Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Raul Bopp (2010),[xvi] investigação erudita, precisa e aguda de Abílio Guerra, demonstra o quanto a mitologia burguesa modernista em torno do “homem brasileiro”, ou de sua múltipla origem racial – europeia, indígena e africana – e de sua suposta ligação direta com a dimensão telúrica, é tributária de noções e parâmetros do higienismo e da antropologia colonialista e positivista das potências europeias do século XIX. Porém, tal discussão, apesar de interessante e politicamente muito relevante, nos afastaria do propósito de mostrar em termos arquitetônicos e visuais como a “forma-livre” e a narrativa sistematizada da arte moderna brasileira, amplamente aceitas, encontram-se arraigadas na formação social e simbólica brasileira,[xvii] marcada pelo latifúndio.

Se aqui não cabe detalhar os parentescos de léxico e sintaxe entre a “forma-livre” e o movimento Pau-brasil, vale notar que a origem artística do “talento” do traço do arquiteto, e que prevalece no desenho projetual sobre toda outra consideração, atende diretamente à jura modernista – que se quer neoprimitiva –[xviii] de pôr em simbiose construção e natureza.[xix] Mitologia da relação direta com a natureza e “talento”, como atributo natural de tal relação, explicam a indiferença gritante da “forma-livre” ao ambiente urbano, preterido pelo vazio ou justaposições imediatas com a natureza.

Na Pampulha, o foco do projeto extraurbano consistira, notou Luiz Recamán, na superfície especular do lago, cuja função refletora fora decisiva para a implantação dos prédios e a interpenetração visual recíproca das formas.[xx] Quais os termos da força da imaginação ou da estratégia simbiótica nos projetos de Brasília?[xxi]

Os alpendres e seus horizontes

As plataformas-tipo em que radica o fulcro da relação imagética de simbiose ou de captura hipnótica da percepção geral[xxii] são as colunatas das varandas dos dois palácios presidenciais: Planalto e Alvorada.

Examinemos como se molda o seu valor ou teor simbólico. Ambos os palácios são construções horizontais, cercadas de amplos alpendres ou varandas, na tradição das casas-grandes do latifúndio. O arquiteto assim declarou à época: “O Palácio da Alvorada… sugere elementos do passado – o sentido horizontal da fachada, a larga varanda que desenhei com o objetivo de proteger esse palácio, a capelinha a lembrar, no fim da composição, as nossas velhas casas de fazenda”.[xxiii]

A identificação com o ponto de vista dos grandes donos de terra nos projetos dos palácios presidenciais, e que também se deu no palácio do Supremo Tribunal Federal – et pour cause… –, originou um esquema das colunas que logo passou a valer como a logomarca da chamada Cidade Nova.[xxiv]

Nem o gesto de talento do arquiteto – que reaviva como Tarsila, no traço com jeito espontâneo, a memória infantil da vida na fazenda –, nem a predestinação publicitária do traço arquitetônico, que já nasce como logo e peça gráfica, são casuais. O desenho das colunas inclui um artifício tanto sedutor como ambíguo, que oscila entre a forma abstrata e a alusão étnico-cultural, e que objetiva valer como emblema. Assim, nos palácios do Planalto e do Alvorada, os híbridos de coluna/ escultura evocam pelas curvas, dispostas num de perfil e noutro de frente, outra marca do país: a das velas enfunadas das jangadas, transmutadas em símbolos nacionais desde a propaganda nacionalista do primeiro período Vargas (1930-45).[xxv]

Ao mesmo tempo, consoante a tipologia da casa-grande, os ornamentos nos alpendres – monumento, para os de fora – emolduram, para os de dentro, a paisagem[xxvi] dos cerrados e os alojam na perspectiva privada, alçando a observação acima do plano comum ou pedestre da cidade e do solo do Planalto Central.

Modo brasileiro de abstração

Em suma, o edifício em suas formas abstratas alega ser moderno, mas pretende também acenar à memória popular, enquanto objetivamente, na sua implantação e remissão estrutural, não se põe como elemento urbano, mas sim como edificação rural, isto é, como unidade na paisagem e sustentáculo dos privilégios e prerrogativas absolutas da grande propriedade.

Cabe perguntar se o discurso arquitetônico, que associa o Estado à perspectiva senhorial rural, seria uma licença do talento autoral ou uma exceção ante a lógica urbanística funcionalista do Plano Piloto de Brasília – este, sim, supostamente republicano, como alegaram os que apresentavam a Cidade Nova e suas superquadras como destinadas à convivência igualitária.

Não é o que se extrai dos termos com que o urbanista Lúcio Costa declarou o partido do Plano Piloto, e sim, outra vez, memórias do antigo regime. Pois a descrição do Plano soa como um ato de posse deliberado, um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial. Assim, nas suas palavras: “[A] presente solução (…) nasceu de um gesto primário de quem (…) toma posse (…) dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”.[xxvii]

A contradição não era questão de discurso e não se limitava às palavras. Fotos de Marcel Gautherot (1910-1996) apresentam com clareza pungente e cortante o contraste entre a pureza aparente das formas geométricas e modos de trabalho manual rústico e intensivo como aqueles do latifúndio.[xxviii]

Contradição análoga investe a questão das moradias, não previstas, para os trabalhadores. Niemeyer admitiu que não havia em Brasília previsão de residências para os trabalhadores, os quais, após a construção, deveriam supostamente retornar às suas regiões.[xxix]

Utopia e mal-estar

Ancien Régime refigurado, sob operações de “transformismo”, na acepção de Gramsci? Fato é que a fórmula contraditória da concepção de Brasília não dista da solução bonapartista, para as crises políticas e socioeconômicas.

Uma anotação de Mário Pedrosa em 1957 registra uma observação feita no início da construção de Brasília: “Lúcio, apesar de sua imaginação criadora (…) tende a ceder aos anacronismos (…). No seu plano, prevê ao longo do eixo monumental da cidade, acima do setor municipal, além das ‘garagens da viação urbana’ (…) os ‘quartéis’ (…). Que quartéis são esses? São (…), segundo ele, os quartéis de tropa do Exército (…). Primeiro, é de se perguntar: para que esses quartéis dentro da cidade? Segundo, quais são as funções específicas dessas tropas, quando a Nova Capital (…) ao abrigo de um súbito desembarque inimigo, só pode ser alcançada pelo ar? Destacar tropa de terra para a sua defesa não encontra nenhuma justificativa militar (…). A não ser que essas tropas não se destinassem a defendê-la contra inimigos externos, mas em certos momentos reputados oportunos, a passar seus tanks, a modo tão nosso conhecido, pelo eixo central da cidade, a fim de fazer efeito sobre os próprios habitantes e pesar (…) sobre a deliberação de um ou mais poderes da República. Mas então para que mudar? Para que Brasília? Para que sonhar com utopias?”.[xxx]

A ausência de moradias de trabalhadores e a constatação de Mário Pedrosa permitem que se distinga uma constante mitológica: aquela da sociedade não urbana e simbiótica, versão moderna, livre (sic) da luta de classes, da cidade majestática mercantil-barroca restrita à corte, na linha dos complexos do Escorial (1563-84) e Versalhes (1678-82).[xxxi] Tal é a utopia, segundo o bonapartismo – para o qual as Forças Armadas foram adestradas –, do absolutismo colonial luso-tropical, cujo sentimento fundamental é o de um mal-estar na história.

Nostalgia e romance (familiar)

O mal-estar na história poderia ser interpretado, em termos subjetivos culturalistas, como um legado do catolicismo arraigado das burguesias de origem ibérica. Entretanto, no plano histórico objetivo, e em termos concretos, dito mal-estar exprime uma nostalgia da forma-império na qual as burguesias mercantis ibéricas, que estão na origem das burguesias coloniais, viveram sua grande expansão em consórcio com as aristocracias.[xxxii] O absolutismo é a sua cultura política originária e permanente – uma razão, entre outras, para que Trotsky afirmasse que revoluções democráticas nas sociedades periféricas jamais proviriam das burguesias locais.[xxxiii] O neoprimitivismo é a sua “cena originária” ou seu “romance familiar”, na acepção de Freud (1856-1939),[xxxiv] quando tais burguesias periféricas desejam se fantasiar como entidades autônomas e autóctones para dissimular sua dependência e vassalagem ante as burguesias das economias centrais.

O mal-estar na história se confunde pois a um complexo mitológico que contribui decisivamente para a remoção do processo político de decisões nacionais de seu lugar próprio, que é o ambiente urbano. A arquitetura funcionalista, como o evidencia a Carta de Atenas [xxxv] (que ironia histórica! Ou, talvez, farsa?), não prevê ágoras ou atividades políticas, mas apenas funcionais ou reprodutivas, de acordo com o seu taylorismo congênito. No Brasil, uma vez hibridada pelo neoprimitivismo dos manifestos Pau-brasil e Antropófago – originários da Semana de Arte Moderna de 1922 –, a arquitetura funcionalista do Corbusier (1887-1965) foi assimilada como alegoria. Enquanto tal, foi fruto, por sua vez, de um consórcio entre a vanguarda artística e os capitais agrário-comerciais, vinculados ao latifúndio cafeeiro.[xxxvi]

A união de 1922 prefigurou e preparou a de 1937, entre a arquitetura moderna brasileira e o bonapartismo do Estado Novo, de Vargas (1882-1954), que engendrou sucessivamente as grandes obras que conquistaram reconhecimento internacional para a arquitetura brasileira e consolidaram seu sistema:[xxxvii] o prédio do Ministério da Educação e Saúde, o Pavilhão da Feira de Nova York, o conjunto da Pampulha e, por fim, Brasília.

Em suma, tonificada em sua vertente bonapartista, já presente no programa do Corbusier, a arquitetura moderna brasileira estatal corroborou o confisco da política, confinada nos palácios e monopolizada por grupos restritos, regionais ou setoriais, que se alternam no poder[xxxviii] em consonância sempre, para além das diferenças contingentes, com o projeto absolutista de constituir não uma formação social, mas uma unidade produtiva.[xxxix] Este programa histórico que unifica todos os setores da burguesia no Brasil – a agrária, a comercial, a industrial, a financeira e a nova classe dos gestores enriquecidos, originária dos primeiros governos Lula (2003-10)[xl] – contra trabalhadores e populações escravizadas e expropriadas de direitos ancestrais à terra e outros bens remonta ao regime colonial.

Assim, o historiador Caio Prado Jr. (1907-1990), em Formação do Brasil Contemporâneo (1942), obra precursora dos estudos da “descolonização”, afirmou que a América portuguesa como colônia formou-se exclusivamente para fornecer bens ao mercado europeu.[xli]

Constituir uma unidade produtiva, sem outra organização além da administração necessária à reposição das formas de produção, tal é a utopia do absolutismo mercantil colonial luso-escravista, reavivada e atualizada pelo bonapartismo brasileiro e pela introdução das formas de trabalho abstrato – ou, recentemente, por relações de trabalho progressivamente flexibilizadas, segundo a doutrina corrente.

Ordem e progresso

Concluamos a leitura do substrato social e dos genes modernistas das formas visuais de Brasília. Além dos palácios presidenciais à imagem das casas-grandes; além dos palácios ministeriais – caixas de vidro que simulam transparência, pois estão situadas no vazio, afastadas das vistas da Nação e guarnecidas por inúteis colunas que, na prática, funcionam como pendurais, cujo fim maior é o de estilizar a nacionalidade mediante evocações de formas populares, como as palafitas (do Palácio do Itamaraty), ou formas da natureza, como as cascatas e a vegetação tropical (do Palácio da Justiça) ou, last but not the least, a vegetação serializada (outro signo herdado de Tarsila), que lembra as grandes plantações do latifúndio –; além, ainda, do dispositivo bonapartista dos jagunços fardados e aquartelados permanentemente em torno da sede do poder…

E além, enfim, dos edifícios dos ministérios perfilados obedientemente (na Esplanada dos Ministérios) – como as habitações dos índios nos centros produtivos missioneiros dirigidos por jesuítas –, o que será que nos reserva, para completar a “lista numerosa” dos casos de simbiose entre aspectos modernos e arcaicos, a colunata do Congresso?

Sob as grandes gamelas, que abrigam a Câmara e o Senado, e as quais evocam – por uma vez, em meio a tantos emblemas senhoriais – a frugalidade e o despojamento dos austeros utensílios do cotidiano popular, avistam-se as linhas simples, sóbrias e uniformes da colunata do Congresso. Funcionam como componentes de um amplo conjunto no entorno, que abrange a Praça dos Três Poderes, além do palácio presidencial e do palácio do Supremo Tribunal Federal. Como vimos, tal complexo efetua uma combinação de referências agrocoloniais que conferem à Praça dos Três Poderes o ar tipicamente impositivo de sede rural. Nesse contexto, qual seria a função simbólica específica da simples e austera colunata do Congresso? Bem antes de seguirem a reta lição de preceitos funcionalistas, elas portam também os traços dos esteios frontais que sustentavam os telheiros das senzalas…[xlii]

Capital de país recém-industrializado à base de desigualdades e estruturas sociais semicoloniais,[xliii] Brasília – capital com a função de instituir uma zona livre (sic) da luta de classes, segundo o padrão já geometrizado do Escorial (1586), de Filipe II (1527-1598), concebido como cidadela majestática e capital imperial – foi feita para eliminar conflitos ou funcionar como cidade sem política. Aliás, como o processo construtivo de São Paulo, seu oposto aparente e sem nenhum resquício de projeto urbano, também o foi, em conformidade com o mesmo desígnio histórico. Espelham ambas, para além das oposições aparentes, a sinistra divisa de maximização produtiva, “Ordem e Progresso”, inscrita na bandeira do país durante o primeiro consulado militar, positivista e antipolítico.

Espelham Brasília e São Paulo, e a dita bandeira, a funérea utopia-sem-política, outrora utopia mercantil colonial lusa, depois utopia positivista, utopia do bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China), utopia congênita ao capitalismo e que consiste em negar toda formação social, para constituir apenas um complexo produtivo.

PS: Luiz Recamán faleceu no dia 30 de agosto de 2024. Este texto, discutido com ele à época, deve substancialmente à sua lucidez e gosto generoso pelo diálogo.

*Luiz Renato Martins é professor-orientador do PPG em Artes Visuais (ECA-USP); autor, entre outros livros, de The Long Roots of Formalism in Brazil (Chicago, Haymarket/ HMBS).

Versão cap. 2 de The Long Roots…, op. cit., preparado originalmente para o vol. organizado por Verónica Hernández Diaz, Continuo/ Discontinuo: Los Dilmeas de la Historia del Arte en America Latina, XXXV Coloquio Internacional de Historia del Arte (2011, Oaxaca, México), Universidad Nacional Autónoma de México/ Instituto de Investigaciones Estéticas, México, 2017, pp. 209-29, a partir de reedição e reelaboração do texto “Pampulha e Brasília ou as Longas Raízes do Formalismo no Brasil”, in revista Crítica Marxista/ Estudos Marxistas, no. 33, S. Paulo, Ed. da Unesp, 2011, pp. 105-14.

Notas


[i] Lourival prosseguia: “Monografias soberbas, aparecem por vezes e, e em muitas oportunidades, uma monografia – por exemplo, sobre o Aleijadinho – vale pelo estudo de uma época. Não basta, contudo. Ficarão provisoriamente faltando aqueles estudos que, mais que o grande artista ou o período bem caracterizado, constituam as ligações, as passagens intermédias, as transições, o interesse central do historiador. E, infelizmente, só é história verdadeira a que mostra como a cultura transita se transformando, como os padrões adquirem uma medida de evolução, de crescimento”. Cf. L. G. MACHADO, Retrato da Arte Moderna do Brasil, São Paulo, Departamento de Cultura, 1947, p. 11. Sobre a questão, ver também M. Pedrosa, “Semana de Arte Moderna” (1952, revista Politika, pp. 15-21; repub. in idem, Dimensões da Arte, Ministério da Educação e Cultura, 1964, pp. 127-142), rep. in M. Pedrosa, Acadêmicos e Modernos/ Textos Escolhidos III, Otília B. F. Arantes (org. e apres.), São Paulo, Edusp, 1998, pp. 135-52; idem, “A Bienal de cá para lá”, in idem, Política das Artes/ Mário Pedrosa: Textos Escolhidos I, Otília Arantes (org. e apres.), São Paulo, Edusp, 1995, pp. 217-84; ver também idem, Mundo, Homem, Arte em Crise, Aracy Amaral (org.), São Paulo, Perspectiva, 1986, pp. 251-58; ver também L.R. MARTINS, “Formação e Desmanche de um Sistema Visual Brasileiro”, rev. Margem Esquerda/ Ensaios Marxistas, n. 9, São Paulo, Boitempo, abril, 2007, pp. 154-167; idem, “O esquema genealógico e o mal-estar na história”, in revista Literatura e Sociedade, São Paulo, Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (DTLLC-FFLCH-USP), n. 13, primeiro semestre de 2010, pp. 186-211.

[ii] Ver L.R. MARTINS, “O esquema genealógico…”, op. cit.; idem, “Formação e desmanche…”, op. cit.

[iii] Para a noção de “causalidade interna”, central para a noção de “sistema cultural”, ver Antonio CANDIDO, “Prefácio(s)/ 1ª e 2ª ed.” e “Introdução”, in Formação da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul, 2006, pp. 11-20 e 25-32; idem, “Variações sobre temas da ‘Formação’ (entrevistas)”, in idem, Textos de Intervenção, Vinicius Dantas (selec., apres. e notas), São Paulo, Duas Cidades/ 34, 2002, pp. 93-120. Sobre a noção de “sistema visual” e a sua configuração inicial no Brasil no decênio de 1950, ver L.R. MARTINS, “Formação e desmanche…”, op. cit. Sobre a transição da abstração geométrica (concreta e neoconcreta) para a Nova Figuração, ver idem, “Trees of Brazil”, in idem, The Long Roots of Formalism in Brazil, ed. by Juan Grigera, int. by Alex Potts, transl. By Renato Rezende, Chicago, Haymarket/ Historical Materialism Book Series, 2018, pp. 73-113, e ver idem, “A Nova Figuração como negação”, in revista ARS/ Revista do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, n. 8, São Paulo, Programa de Pós-graduação em Artes Visuais/ Departamento de Artes Plásticas, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2007, pp. 62-71. Ver também idem, “O esquema genealógico…”, op. cit., pp. 188 e ss.

[iv] A ideia de Brasília como “museu da vanguarda” teve importância para a elaboração deste texto; já o uso extraído de tal formulação é de inteira responsabilidade do presente trabalho. Para a ideia de Brasília como museu, ver Adrián GORELIK, “Brasília: O museu da vanguarda, 1950 e 1960”, in idem, Das Vanguardas à Brasília: Cultura Urbana e Arquitetura na América Latina, trad. Maria Antonieta Pereira, Belo Horizonte, UFMG, 2005, pp. 151-90.

[v] “(…) É efetivamente nas propriedades rústicas que toda a vida da colônia se concentra durante os séculos iniciais da ocupação européia: as cidades são virtualmente, se não de fato, simples dependência delas”, principiava a crítica do fenômeno de base, que se prolongava, páginas adiante, no diagnóstico do amor ao “talento”: “Não parece absurdo relacionar a tal circunstância um traço constante de nossa vida social: a posição suprema que nela detêm, de ordinário, certas qualidades de imaginação e ‘inteligência’ (…). O prestígio universal do ‘talento’, com o timbre particular que recebe essa palavra nas regiões, sobretudo, onde deixou vinco mais forte a lavoura colonial e escravocrata (…) provém sem dúvida do maior decoro que parece conferir a qualquer indivíduo o simples exercício da inteligência, em contraste com atividades que requerem algum esforço físico”. Cf. S. B. de HOLANDA, Raízes do Brasil, pref. Antonio Candido, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1969 (5ª ed.), pp. 41 e 50.

[vi] Ver Luiz RECAMÁN, Oscar Niemeyer, Forma Arquitetônica e Cidade no Brasil Moderno, tese de doutoramento, orient. Celso Fernando Favaretto, Dept. de Filosofia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. Versão resumida de algumas das linhas mestras da tese encontra-se em idem, “Forma sem utopia”, in Elisabeta Andreoli e Adrian Forty (orgs.), Arquitetura Moderna Brasileira, London, Phaidon Press Limited, 2004, pp. 106-39.

[vii] Integraram a equipe, sob a coordenação de Lúcio Costa e que contou com a consultoria de Le Corbusier (1887-1965): Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), Carlos Leão (1906-1983), Ernani Vasconcelos (1912-1965), Jorge Moreira (1904-1992) e O. Niemeyer.

[viii] Ver L. RECAMÁN, Oscar Niemeyer…, op. cit., pp. 84-122.Sobre as circunstâncias sociais e políticas que ensejaram a construção do complexo da Pampulha, em pleno Estado Novo (1937-45), Pedrosa afirmou em conferência na França, em 1953: “Realizava-se o conjunto da Pampulha, verdadeiro oásis, fruto das condições políticas (…) da época, quando um grupo de governantes com plenos poderes, pelo amor ao seu prestígio, decidiu, como os príncipes absolutistas dos séculos XVII e XVIII, construir esse capricho magnífico (…)/ O ‘milagre’ do Ministério da Educação não pode ser realizado a não ser em razão de sua ‘grandiosidade’, e de seu programa impositivo. Sem o gosto do grande conforto, da fruição, do poderio e da riqueza de um governador de Estado de poderes ilimitados, Pampulha (…) não teria sido encomendado nem realizado. Uma parte do lado fastuoso da nova arquitetura vem sem dúvida de seu comércio inicial com a ditadura. Certos aspectos de gratuidade experimental das construções de Pampulha procedem do programa de capricho e luxo do pequeno ditador local”. Cf. M. PEDROSA, “Arquitetura moderna no Brasil” (conferência, L’architecture d’aujourd’hui, dezembro 1953), in idem, Dos Murais de Portinari aos Espaços de Brasília, A. Amaral (org.), São Paulo, Ed. Perspectiva, 1981, pp. 257-9. A prioridade conferida à concepção do edifício como unidade isolada na paisagem, destinada antes de tudo à exibição e contemplação, também se revela num texto recente do arquiteto, acerca do projeto do auditório do Parque do Ibirapuera: “Arquitetura… Como é bom ver surgir na folha branca de papel um palácio, uma catedral, uma forma nova, qualquer coisa que crie o espanto que o concreto armado permite!”, cf. O. NIEMEYER, “Como se tudo começasse outra vez”. O Estado de S. Paulo, 05.12.2002, São Paulo, p. C3. Já, acerca da relutância do arquiteto em relação ao seu projeto para o edifício Copan (1953) – não obstante este ser tido hoje como um dos símbolos da metrópole – devido à situação de vizinhança imediata com outros prédios (pois em pleno centro urbano de São Paulo), ver L. RECAMÁN, Oscar Niemeyer…, op. cit., pp. 14-48.

[ix] A noção de uma burocracia hipertrofiada, ora armada (Exército) ora técnica (planejadores ou similares), que empunha o governo quando um equilíbrio de forças entre burguesia e proletariado impede o exercício político direto do poder por aquela, pertence às análises que Marx efetuou da ascensão do segundo Bonaparte na terceira parte de As Lutas de Classe na França (1850), e ainda do que denominou de as “ideias napoleônicas”, na sétima parte de O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (1852). A questão foi retomada e atualizada por Trotsky em vários escritos; ver notadamente o capítulo 1, “Bonapartismo y fascismo”, in Leon Trotsky, “La unica salida de la situación alemana”, in idem, Alemania, la Revolución y el Fascismo, trad. anônima, apéndice Ernest Mandel, “Ensayo sobre los escritos de Trotsky sobre el fascismo”, México D.F., Juan Pablos Editor, vol. I, 1973, pp. 177-82. Carlos Marx, “Las luchas de clases en Francia de 1848 a 1850”, in Carlos Marx y Federico Engels, Las Revoluciones de 1848, Selección de artículos de la Nueva Gaceta Renana, trad. W. Roces, pról. A. Cue, México D.F., Fondo de Cultura Económica, 2006; Karl Marx, El Dieciocho Brumario de Luis Bonaparte, trad., intr. y notas de E. Chuliá, Madrid, Alianza Editorial, 2003; O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann, trad. revista por Leandro Konder, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969. O leitor interessado na questão poderá ainda consultar com muito proveito a noção gramsciana de “revolução passiva”. Para a discussão ampliada e atualizada da noção, ver Alvaro BIANCHI, “Revolução passiva: pretérito do futuro”, in Crítica Marxista, n. 23, Campinas, 2006, pp. 34-57; ver também Peter THOMAS, “Modernity as ‘passive revolution’: Gramsci and the Fundamental Concepts of Historical Materialism” [A modernidade como “revolução passiva”: Gramsci e os conceitos fundamentais do materialismo histórico], Journal of the Canadian Historical Association/ Revue de la Société Historique du Canada, vol. 17, n. 2, 2006, pp. 61-78; a versão on-line pode ser encontrada em Érudit, URL: <http://id.erudit.org/iderudit/016590ar>,DOI: 10.7202/016590ar.

[x] “Boa parte das soluções encontradas na Pampulha se deve à sua extenuante visibilidade, fator de interligação que dá unidade ao conjunto. Os pequenos edifícios são ao mesmo tempo objetos em um mostrador para serem intensamente admirados (por isso seu isolamento e a grande distância entre eles), e plataformas de contemplação do próprio conjunto. Cada um estimula, através da disposição de sua arquitetura, a conexão visual com as outras unidades. A distância, para lograr esse efeito de afastamento e conexão, é fundamental. Não apenas a distância do conjunto em relação à cidade, mas a separação dos objetos arquitetônicos entre si, através de um medium, que é o vazio do lago. Ele intensifica o contato visual e estabelece a distância, vaga, de observação. Esse vazio é o grau zero da sociabilidade e da história. Poderíamos acrescentar: o grau zero da geografia, já que não se trata mais do posicionamento de um observador nas coordenadas do espaço perspéctico, mas, fora dele, onde se anulam as relações cognitivas da proporção, da aferição e atuação (praxis).” Cf. L. RECAMÁN, Oscar Niemeyer…, op. cit., p. 101-2. Ver também idem, p. 103.

[xi] Um dos poucos a criticar a “forma-livre” – logo celebrada nacional e internacionalmente – foi Max Bill, arquiteto, escultor e mentor da Escola de Ülm (Suíça). Ver a propósito Flávio de AQUINO, “Max Bill critica a nossa moderna arquitetura: entrevista com Max Bill”, in revista Manchete, n. 60, 13.06.1953, Rio de Janeiro, Bloch Editores, pp. 38-39.

[xii] Para o primeiro dos muitos louvores de Costa à arquitetura colonial, ver L. Costa, “O Aleijadinho e a arquitetura tradicional” (1929), in idem, Sôbre Arquitetura, Alberto Xavier (org.), 2a ed., coord. por Anna Paula Cortez, Porto Alegre, Editora UniRitter, 2007, pp. 12-6 (edição fac-símile de L. Costa, Sôbre Arquitetura, Alberto Xavier [org.], Porto Alegre, UFRGS, 1962). A visão exposta no artigo foi posteriormente revista no que toca à crítica à obra de Aleijadinho, mas reiterada quanto ao elogio da arquitetura colonial.

[xiii] Relação de proximidade com tal teor explica a aceitação generosa e cordata de Niemeyer, ou entre magnânima e reverente, frente à incorporação tardia da proposta de Corbusier à solução vencedora (de Niemeyer), no processo do concurso por um grupo internacional de arquitetos, reunido por Wallace Harrison (1895-1981) para a escolha do projeto da sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, em 1947. Para relato detalhado do caso por Niemeyer, ver O. NIEMEYER, Minha Arquitetura, Rio de Janeiro, Revan, 2000, pp. 24-9.

[xiv] Para as proximidades de traço, comparar, por exemplo, a combinação de formas curvas e geométricas na pintura de Tarsila A Negra (1923, óleo sobre tela, 100 x 81,3 cm, São Paulo, Museu de Arte Contemporânea, Universidade de São Paulo) com a fachada frontal da Igreja de São Francisco (1940,Pampulha, Belo Horizonte, MG), de Niemeyer; cabe confrontar ainda os volumes curvilíneos da fachada traseira dessa igreja com outra obra de Tarsila: Paisagem com Palmeiras, c. 1928, lápis sobre papel, 22,9 x 16,4 cm. Para mais detalhes, ver L.R. MARTINS, “De Tarsila a Oiticica…”, in A Terra É Redonda, 25.08.2024, disponível em: https://aterraeredonda.com.br/de-tarsila-a-oiticica/.

[xv] As linguagens de Tarsila e Niemeyer compartem, além do privilégio senhorial de modernizar e legislar, também alguns dos elementos disseminados em seus conteúdos, tais como a memória do olhar e da vivência tátil da infância, os quais comportam o sentimento de mundo agrário e pré-industrial, próprio à classe proprietária, com o privilégio mnêmico identitário da “continuidade entre a infância e a vida adulta (…), destruída para a maioria, sem poder de escolha e reduzida à mera condição de força de trabalho”. Ver L.R. MARTINS, “De Tarsila a Oiticica…”, op. cit.

[xvi] Abílio Guerra, O Primitivismo em Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Raul Bopp: Origem e Conformação no Universo Intelectual Brasileiro, São Paulo, Coleção RG Bolso 3/ Romano Guerra, 2010.

[xvii] Mesmo um crítico de formação e militância trotskistas, e com o alcance reflexivo de Mário Pedrosa, chega a considerar uma espécie de “vantagem comparativa”, para a arte moderna brasileira, a existência de populações e culturas primitivas no país, diante da situação das vanguardas europeias, que deviam buscá-las alhures. Assim, afirmou em 1952: “Os artistas ocidentais (das vanguardas européias) sentiram (nas) estatuetas e máscaras da escultura negra a presença concreta, real, de ‘uma forma de sentimento, uma arquitetura de pensamento, uma expressão sutil das forças mais profundas da vida’, extraídas da civilização de onde provinham. Esse poder plástico e espiritual imanente naqueles objetos esculpidos era para eles como a revelação de uma mensagem nova. O sentido formal do desenho havia sido perdido pela escultura ocidental… /A conquista das culturas arcaicas pelo modernismo europeu coincidia com o pensamento universalista e primitivo de Mário de Andrade (….)/ Esse Brasil direto – natural, anti-ideológico – guarda uma pureza inicial que Tarsila também iria tentar reproduzir (…)/ O primitivismo foi a porta pela qual os modernistas penetraram no Brasil e a sua carta de naturalização brasileira. A vitória das artes arcaicas históricas e proto-históricas e a dos novos primitivos contemporâneos facilitaram a descoberta do Brasil pelos modernistas. Foi sob a sua influência que nasceram, logo após a semana, os movimentos do ‘Pau-Brasil’ e do ‘Antropofagismo’./ E assim os modernistas brasileiros não precisavam ir, como seus êmulos europeus supercivilizados, às latitudes exóticas da África e da Oceania para revigorar as forças em fontes mais puras e vitalizadas de certas culturas primitivas”. Ao lado do primitivismo de Mário de Andrade, Pedrosa também resgata a seguir o de Oswald: “Este foi mesmo o teórico e criador consciente do primitivismo brasileiro. (…)/ Por amor à poesia, às fontes reais e concretas da vida, ele (Oswald) também delimita o Brasil às suas realidades mais telúricas e físicas. Pau-brasil. É pois o seu um nacionalismo primordial, irredutível e antierudito como o de Mário de Andrade”. Cf. M. Pedrosa, “Semana de arte moderna”, in M. PEDROSA, Acadêmicos e Modernos…, op. cit., pp. 142-5.

[xviii] Oswald de Andrade, “Manifesto da poesia pau-brasil”, in jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18 mar. 1924, rep. in Tarsila, Anos 20, catálogo, textos de A. Amaral et al., Sônia Salzstein (org.), São Paulo, Galeria de Arte do SESI, 29.09 – 30.11.1997, pp. 128-34. O. de Andrade, “Manifesto antropófago”, in Revista da Antropofagia, São Paulo, Ano I, n. 1, maio 1928, rep., in Tarsila, Anos 20, op. cit., pp. 135-141. Sobre o neoprimitivismo dos modernistas brasileiros, ver A. GUERRA, “O primitivismo modernista brasileiro em Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Raul Bopp”, in idem, Origem e…, op. cit., pp. 241-300.

[xix] Ver M. Pedrosa, “Introdução à arquitetura brasileira – II” (1959), in idem, Dos Murais…, op. cit., p. 329-32. Ver também idem, “A arquitetura moderna no Brasil” (1953), in idem, Dos Murais…, op. cit., p. 262.

[xx] “O novo conjunto não se estrutura (…) em qualquer plano ou cidade, mas ao redor de um lago, que desobstrui as visuais para sua melhor contemplação, duplicada pelos reflexos na água. Todos os novos edifícios projetados por Oscar Niemeyer se voltam para o vazio do lago. Mesmo a capela dá as costas para a rua (que um dia seria a conexão com a cidade), e se abre, com a fachada leste toda de vidro, para o lago estruturador (…). A extroversão das unidades se completa na introversão desse conjunto da Pampulha, onde o deslumbrante jogo de visuais que se estabelece entre as partes e o todo – vetores frenéticos e incessantes – não ultrapassa, física nem conceitualmente, os limites do restrito universo que orbita o lago.” Cf. L. RECAMÁN, Oscar Niemeyer…, op. cit., pp. 101-2; ver também p. 103. Sobre a função decisiva da imagem nos projetos da Pampulha e de Brasília, ver também as declarações de Niemeyer: “Lembro meu primeiro encontro com JK, e ele a me falar com entusiasmo: ‘Niemeyer, você vai projetar o bairro (sic) da Pampulha. Uma área à beira de uma represa com cassino, igreja e um restaurante’. E, com o mesmo otimismo com que vinte anos depois veio a construir Brasília, concluiu: ‘Preciso do projeto do cassino para amanhã’. O que atendi, trabalhando a noite inteira num hotel da cidade./ Pampulha foi o início de Brasília. O mesmo entusiasmo. (…) Com que alegria JK nos levava de lancha, altas horas da noite, para vermos os edifícios se refletindo nas águas da represa! (…) Lembro o cassino funcionando, as paredes revestidas de ônix, as colunas de alumínio, e a grã-finagem da cidade a se exibir elegante pelas rampas que ligavam o térreo ao salão de jogos e à boate. Era o ambiente festivo e sofisticado que JK desejava”. Cf. O. NIEMEYER, Minha…, op. cit., pp. 18-9.

[xxi] Passo ao largo, neste comentário, de algumas realizações interessantes e admiráveis verificadas em certos prédios urbanos de Niemeyer, por exemplo, no edifício Copan (1953, S. Paulo), que utilizam soluções mistas, combinando o uso comercial, no pavimento térreo, e o residencial, nos pavimentos superiores. Entretanto a escolha do foco deve-se, aqui, não apenas à economia da argumentação, mas à prioridade de tratar da combinação brasileira entre poder de Estado e arquitetura moderna, móvel da aliança entre Kubitschek e Niemeyer, moldada na escala municipal da periferia de Belo Horizonte, ocorrida entre 1940 e 1942, e relançada, em escala maior, no empreendimento de construção da nova capital do país, cerca de 15 anos depois. Sobre o edifício Copan, ver nota 8, acima, e L. RECAMÁN, Oscar Niemeyer…, op. cit., pp. 14-48.

[xxii] Para uma discussão do regime recorrente das relações poético-estruturais de simbiose ou fusão entre o “eu” e o “outro”, e do papel simbólico que exercem em várias obras decisivas da cultura brasileira, ver os trabalhos de José Antonio Pasta Júnior, “Volubilidade e idéia fixa: O outro no romance brasileiro”, in Sinal de Menos, n. 4, pp. 13-25, disponível in <www.sinaldemenos.org>; “O romance de Rosa: temas do Grande Sertão e do Brasil”, in Anne-Marie Quint, (org.), La Ville, Exaltation et Distanciation: Études de Littérature Portugaise et Brésilienne, Paris, Centre de Recherche sur les Pays Lusophones, Sorbonne Nouvelle, Cahier n. 4, 1997, pp. 159-70; “Singularidade do duplo no Brasil”, in A Clínica do Especular na Obra de Machado de Assis, Cahiers de la journée du cartel franco-brésilien de psychanalyse, Paris, Association Lacanienne Internationale, 2002, pp. 37-41.

[xxiii] Cf. O. NIEMEYER, “Depoimento”, in Revista Módulo, n. 9, Rio de Janeiro, fev. 1958, pp. 3-6, apud Matheus GOROVITZ, “Sobre uma obra interrompida: O instituto de teologia de Oscar Niemeyer” in Minha Cidade, Portal Vitruvius, ano 9, vol. 2, set. 2008, p. 232, disponível in <http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc232/mc232.asp>. Para uma discussão das premissas socioculturais da tipologia arquitetônica das capelas rurais, comparada à das catedrais urbanas, ver S. B. HOLANDA, op. cit., 1969, p. 113.

[xxiv] O poder de comunicação gráfica das colunas dos palácios presidenciais se fez notar de modo imediato – tanto quanto em 1937 os esbeltos e imponentes pilotis alteados, modificados frente ao primeiro risco corbusiano do prédio do Ministério da Educação e Saúde, no qual aparecem bem mais baixos e próximos da sobriedade padronizada e lacônica do padrão funcionalista. As colunas dos palácios prontamente se tornaram a marca registrada da nova arquitetura brasileira, combinando ao feitio moderno a monumentalidade e, mais tarde, mediante a “forma-livre”, a aspiração alegórico-nacional (ver adiante). Assim foi a referência à altura inédita, graças à sugestão de Niemeyer, dos pilotis do prédio do Ministério da Educação e Saúde (1937-43), que motivou, provavelmente, a metáfora de Lúcio Costa acerca da nova arquitetura brasileira: “Garota bem esperta, de cara lavada e perna fina”, apud Otília B. F. ARANTES, “Lúcio Costa e a ‘boa causa’ da arquitetura moderna”, in Paulo ARANTES, Otília ARANTES, Sentido da Formação: Três Estudos sobre Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lucio Costa, São Paulo, Paz e Terra, 1998, p. 118. Para exemplos de citações do logo da Cidade Nova na arquitetura vernacular, ver A. GORELIK, op. cit., p. 158.

[xxv] A incorporação da imagem das jangadas ao acervo de símbolos nacionais motivou a vinda do cineasta Orson Welles (1915-1985) ao Brasil, a convite do Estado Novo e no quadro das ações de pan-americanismo, para realizar um filme sobre jangadeiros. Para fotos da filmagem de It’s All True, Ceará, 1942, ver Jorge Schwartz (org.), Da Antropofagia a Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo, FAAP/ Cosac & Naify, 2002, p. 367. O cineasta Rogério Sganzerla (1946-2004) focalizou diretamente os vaivéns e tensões do projeto em dois de seus filmes, Nem Tudo é Verdade (1986) e Tudo é Brasil (1997).

[xxvi] Ver, por exemplo, as fotos do Alvorada, in O. NIEMEYER, Minha…, op. cit., p. 94.

[xxvii] Cf. L. Costa, “Brasília: memorial descritivo do Plano Pilôto de Brasília, projeto vencedor do concurso público nacional” (1957), in idem, Sobre Arquitetura, op. cit., p. 265. Observe-se que a valer a tipologia de Raízes…, a referência de Costa é antes hispânica do que lusitana – mas os célebres estudos de Costa sobre a arquitetura jesuítica (1937), assim como seu projeto de museu da arte missioneira (1940) em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, como que o autorizavam à síntese da tradição hispânica à lusitana. Para os estudos de Costa sobre a arquitetura jesuítica e das Missões, ver L. Costa, “A arquitetura dos jesuítas no Brasil”, in Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, SPHAN, n. 5, 1941, pp. 9-104, reeditado in Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 60 anos: A Revista, Rio de Janeiro, IPHAN/ Ministério da Cultura, n. 26, 1997, pp. 104-69. Sobre os sete projetos premiados no concurso do Plano Piloto (1956/1957), ver Milton BRAGA, O Concurso de Brasília: Sete Projetos para uma Capital, ensaio fotográfico de Nelson Kon, edição e apresentação de Guilherme Wisnik, São Paulo, Cosac Naify/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (IMESP)/ Museu da Casa Brasileira, 2010.

[xxviii] Há uma série de fotos da construção de Brasília, feitas por Gautherot, que parecem fixar em imagens pressupostos e desdobramentos da assertiva de Costa no seu memorial, ligando o Plano Piloto à tradição colonial. Assim as fotos focam a contradição entre a pureza das formas geométricas e o trabalho braçal intensivo, em moldes semelhantes àquele dos latifúndios rurais; moldes que denotam, como vários já disseram, que os canteiros de obras da construção civil incorporam à situação urbana o modelo dos latifúndios de superexploração do trabalho. Para as fotos de Gautherot, ver Marcel Gautherot, Brasília: Marcel Gautherot, Sérgio Burgi e Samuel Titan Jr. (org.), com ensaio de Kenneth Frampton, São Paulo, Instituto Moreira Salles, 2010, pp. 63-75, pp. 82-101; para as vilas operárias do Núcleo Bandeirante e da Sacolândia, produto da “autoconstrução”, ver especialmente as fotos entre as pp. 86-101. Algumas imagens estão disponíveis em <http://www.ims.com.br/ims/explore/artista/marcel-gautherot/obras>. Ver também a respeito o filme curta-metragem de Joaquim Pedro de Andrade, Brasília, Contradições de uma Cidade Nova, 23’, Filmes do Serro, 1967, in Joaquim Pedro de Almeida: Obra Completa, caixa de DVDs, vol. 3, VideoFilmes, VFD111; disponível in <https://www.youtube.com/watch?v=SK0Cf8JsOn8>, acesso: 03.11.2016. Ver também, para a contradição aguda entre a pureza das formas e a brutalidade das condições de trabalho, o vídeo recente de Clara Ianni, Forma-livre, vídeo, P&B, 7’14’’, 2013, disponível in https://vimeo.com/88459179.

[xxix] Para o reconhecimento de Niemeyer da “impraticabilidade” de se prever habitações para os operários dentro do Plano Piloto, ver O. Niemeyer, in M. GAUTHEROT, op. cit., p. 18, originalmente publicado in revista Módulo, n. 18, Rio de Janeiro, 1960.

[xxx] Cf. M. PEDROSA, “Reflexões em torno da nova capital”, in idem, Acadêmicos…, op. cit., pp. 400-1.

[xxxi] Para aguda leitura da arquitetura e do urbanismo barrocos, caracterizados pela lógica da fratura social e da segregação das classes, em oposição à unidade da cidade gótica, ver José Luís Romero, “La ciudad barroca”, in idem, La Ciudad Occidental, Culturas Urbanas en Europa y América. Lecciones y textos editados por Laura M. H. Romero y Luis Alberto Romero, Buenos Aires, Siglo Veintiuno, 2009, pp. 151-78; ver também Angel Rama, La Ciudad Letrada, prólogo Hugo Achugar, Montevideo, Arca, 1998. Para um indício da supressão transfiguradora dos trabalhadores de Brasília em formas abstratas, ver as fotos de Gautherot sobre a escultura de Bruno Giorgi (1905-93), dita Os Candangos (1960), na qual as formas dos braços e ombros reproduzem a colunata do Alvorada. M. Gautherot, op. cit., pp. 78-81.

[xxxii] Ver José Luís Romero, “La ciudad barroca”, op. cit.

[xxxiii] Ver Leon trotsky, “Os países atrasados e o programa de reivindicações transitórias”, in idem, O Programa de Transição, A Agonia do Capitalismo e as Tarefas da Quarta Internacional, trad. de Ana Beatriz da C. Moreira, São Paulo, col. Marx e a Tradição Dialética/ Týkhe, 2009, pp. 62-4.

[xxxiv] Elisabeth Roudinesco y Michel Plon definem a noção de “romance familiar” (Familienroman) como “expressão criada (…) para designar a maneira como um sujeito modifica seus laços genealógicos, inventando para si, através de um relato ou uma fantasia, uma outra família que não é a sua”. A noção foi utilizada pela primeira vez por Freud num artigo para o livro de Otto Rank (1884-1939), O Mito do Nascimento do Herói (1909, Viena); posteriormente foi usada em outras obras, como Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci (1910), Totem e Tabu (1912-3), até a última Moisés e o Monoteísmo (1939). Ver Elisabeth ROUDINESCO e Miguel PLON, Dicionário de Psicanálise, trad. V. Ribeiro e L. Magalhães, superv. M. A. C. Jorge, Rio de Janeiro, Zahar, 1998, pp. 668-9.

[xxxv] IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, Atenas, 1933.

[xxxvi] Sobre tal consórcio e o papel central de Paulo Prado, grão-mecenas dos modernistas, ver M. de ANDRADE, “O movimento modernista” (1942), in idem, Aspectos da Literatura Brasileira, São Paulo, Martins, 1943, pp. 225-8.

[xxxvii]Para a noção de formação de um sistema da arquitetura moderna brasileira, ver L. Recamán, “A formação da arquitetura moderna brasileira”, in idem, Oscar Niemeyer…, op. cit., pp. 90-181; idem, “Forma sem…”, op. cit., p. 114.

[xxxviii] “Em discurso na Assembléia Constituinte de 1891, Tomás Delfino (1860-1947) afirmou que as aspirações do Estado e a vontade nacional não poderiam chegar aos Poderes Legislativo e Executivo aprisionadas numa grande cidade, se encontrassem diante de si a formidável barreira de multidões que um instante de paixão faz tumultuar.” Cf.Israel PINHEIRO, “Uma realidade: Brasília”, in revista Módulo, n. 8, pp. 2-5, jun. de 1957, apud Aline COSTA, (Im)possíveis Brasílias: Os Projetos Apresentados no Concurso do Plano Piloto da Nova Capital Federal, dissertação de mestrado, orient. Prof. Dr. Marcos Tognon, Campinas, Dept. de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas, 2002, p. 15 (Aline Costa BRAGA, (Im)possíveis Brasílias, São Paulo, Alameda, 2011). Para a persistência do desígnio não urbano empolíticas habitacionais governamentais atuais, ver Pedro Fiori Arantes e Mariana Fix, “Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação: Alguns comentários sobre o pacote habitacional ‘Minha Casa, Minha Vida’“, in jornal Correio da Cidadania, disponível in: < https://www.brasildefato.com.br/node/4241>. Acesso: 13.04.2017. A respeito da persistência de uma dimensão antipolítica (que a esta altura já podemos tomar como outra face do desígnio não urbano) na teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado (1920-2004) – decerto, sob outros aspectos, muito inovadora –, Francisco de Oliveira (1933-2019) afirmou: “A rigor, a política na teoria do subdesenvolvimento é um epifenômeno“; ver Francisco de Oliveira, A Navegação Venturosa: Ensaios sobre Celso Furtado, São Paulo, Boitempo Editorial, 2003, p. 18.

[xxxix] Ver Caio PRADO Jr., Formação do Brasil Contemporâneo/ Colônia, São Paulo, Brasiliense/ Publifolha, 2000, p. 20.

[xl] Sobre a formação de uma “nova classe” nos governos Lula (2003-10), constituída por dirigentes egressos do sindicalismo trabalhista “transformados em operadores de fundos” financeiros, ver Francisco de OLIVEIRA, “O Ornitorrinco”, in idem, Crítica à Razão Dualista, O Ornitorrinco. São Paulo, Boitempo Editorial, 2003, pp. 145-9.

[xli] “Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto.” Cf. Caio PRADO Jr., op. cit., p. 20.

[xlii] Para imagens das colunatas de senzalas, ver a senzala do engenho Jurissaca e do Matas, ambos no Cabo de Santo Agostinho, a do engenho Tinoco, em Rio Formoso, e a do engenho Coimbras, todos em Pernambuco, in Geraldo Gomes, Arquitetura e Engenho, Recife, Fundação Gilberto Freyre, 1998, pp. 43-7.

[xliii] Sobre estruturas “semicoloniais”, ver Leon trotsky, “Os países atrasados…”, op. cit., pp. 62-64.


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