Por BRUNO FABRICIO ALCEBINO DA SILVA, JULIA LEMOS, JULIA RODRIGUES SILVA, LAURA DO ESPÍRITO SANTO SILVA, LUCCA LEÓN FRANCO, LUIZA RODRIGUES OLIVEIRA & REBECA BORGES RODRIGUES DE CAMARGO*
A política externa do governo Lula e suas contradições internas; e a relação histórica com Palestina e Irã
Desde o dia 7 de outubro de 2023, quando o Hamas desencadeou uma ofensiva significativa contra Israel – alegando represália por décadas de violência, humilhação, terrorismo de Estado e genocídio contra a população palestina — a imprensa no Brasil, mesmo entre veículos alinhados à esquerda, apresenta cisões sobre como interpretar o que está acontecendo em Gaza.
Apesar das tensões entre Israel e Palestina se perpetuarem há séculos é após a Segunda Guerra Mundial que se consolida a origem do que se sucede na Palestina atualmente, a partir da Resolução nº 181 da ONU, que propunha a partilha do território para a criação de um Estado árabe e outro judeu. A reação árabe à criação do Estado de Israel marca o início de uma longa sequência de violações da soberania palestina, resultando em milhares de mortes e perdas irreparáveis.
Durante o mês de junho deste ano, o conflito pareceu atingir seu ápice: o Irã teve bases militares atacadas por Israel, e os Estados Unidos se envolveram diretamente, bombardeando bases iranianas. O clima de instabilidade desencadeou uma série de indagações sobre os valores, as alianças e as contradições da esquerda brasileira.
Entre pronunciamentos diplomáticos do Itamaraty, discursos firmes de Lula a favor do cessar fogo e silêncios seletivos diante de violações cometidas por aliados, emergem fissuras internas. As divergências revelam não apenas disputas ideológicas internas, mas também diferentes leituras sobre direitos humanos, soberania e alianças estratégicas. Algumas correntes, especialmente ligadas à campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), defendem sanções e protestos econômicos contra Israel, argumentando que tais medidas são uma resposta legítima às violações do direito internacional.
Outros setores enfatizam a distinção entre o apoio ao povo palestino e críticas ao Hamas, evitando associar resistência civil a legitimação de grupos armados. Essa distinção tem sido considerada fundamental para evitar o que chamam de “senso humanitário seletivo” – condenação a Israel sem reconhecer a complexidade do conflito.
Há uma vasta quantidade de informações acessíveis sobre a política externa do governo Lula, incluindo dados sobre relações comerciais com o Oriente Médio, viagens presidenciais, conferências e discursos de autoridades – disponíveis em sites governamentais e materiais oficiais. Desde seu primeiro mandato, iniciado em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de figuras centrais como Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Marco Aurélio Garcia, tem buscado exercer um papel de mediador. O objetivo tem sido identificar formas de cooperação e diálogo que ajudem a avançar o difícil processo de distensão entre israelenses e palestinos.
Entretanto, embora historicamente tenha sido uma das principais referências da esquerda, o próprio campo progressista brasileiro encontra-se dividido quanto ao conflito no Oriente Médio e às estratégias adotadas pelo governo Lula em sua política externa, revelando tensões internas e diferentes concepções sobre soberania, direitos humanos e alianças geopolíticas.
Relação histórica da esquerda brasileira com a Palestina e Irã
Primeiramente, é válido destacar que a relação histórica da esquerda brasileira com a Palestina e o Irã está ancorada em uma tradição de solidariedade internacionalista que remonta às décadas de 1960 e 1970, quando setores progressistas viam os movimentos de libertação nacional como aliados naturais na luta contra o imperialismo norte-americano.
No caso da Palestina, o apoio consolidou-se especialmente a partir da redemocratização e ganhou expressão durante os governos petistas, com figuras como Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia reforçando o compromisso com a causa palestina em fóruns multilaterais (Amorim, 2015).
Já com o Irã, a relação sempre foi mais ambígua: se por um lado existia um interesse geopolítico em ampliar parcerias no Sul Global e romper com a lógica unipolar, por outro, havia constrangimentos quanto ao alinhamento com um regime teocrático e repressivo, sobretudo em temas ligados aos direitos humanos e às liberdades civis.
A solidariedade à Palestina sempre ocupou um lugar simbólico central entre as bandeiras da esquerda brasileira, sendo tratada como um imperativo ético diante da ocupação, do apartheid e das violações sistemáticas aos direitos do povo palestino. Marchas, campanhas como o BDS, moções parlamentares e pronunciamentos diplomáticos contra os assentamentos ilegais de Israel compõem esse repertório (Itamaraty, 2025).
O Estado de Israel, nesse imaginário, muitas vezes aparece como a ponta militar do imperialismo ocidental no Oriente Médio (Anderson, 2015), o que reforça o caráter anti-hegemônico do apoio à resistência palestina. Essa solidariedade, portanto, está longe de ser episódica e encontra continuidade histórica nas pautas progressistas que defendem a autodeterminação dos povos e o fim do colonialismo em todas as suas formas (Kissinger, 1994).
Referências ao anti-imperialismo e à luta dos povos colonizados são frequentes nos discursos da esquerda latino-americana, especialmente no Brasil, onde o governo Lula adotou uma política externa ativa e altiva, buscando reequilibrar o sistema internacional com uma voz mais autônoma do Sul Global (Amorim, 2015). O conflito israel-palestino frequentemente é enquadrado dentro dessa lógica: Israel como potência ocupante, protegida pelas grandes potências ocidentais, e a Palestina como expressão viva da colonização contemporânea (Anderson, 2015).
O anti-imperialismo, portanto, funciona como lente de leitura para analisar não apenas os conflitos no Oriente Médio, mas também a atuação dos Estados Unidos na região, o que reforça a crítica à política externa norte-americana e à seletividade do sistema internacional de proteção aos direitos humanos.
Contudo, esse mesmo campo progressista brasileiro enfrenta tensões internas quando o apoio a causas anti-imperialistas esbarra na aliança ou condescendência com regimes autoritários, como o Irã. Embora o governo Lula tenha se esforçado para manter uma política de mediação e diálogo, inclusive com países considerados “párias” pelo Ocidente, a aproximação com Teerã suscita críticas dentro da própria esquerda, sobretudo por conta das violações sistemáticas aos direitos das mulheres, das minorias e dos dissidentes políticos sob o regime iraniano (Human Rights Watch, 2024).
Essa contradição revela um dilema persistente: até que ponto é possível manter a coerência entre princípios como direitos humanos universais e a geopolítica pragmática de alianças estratégicas? A resposta a essa questão não é consensual e ilustra as complexidades do engajamento internacional da esquerda brasileira no século XXI.
Gaza e Irã – consensos e contradições na esquerda brasileira
A complexidade e a diversidade de percepções sobre esses conflitos tem gerado intensos e acalorados debates em variadas esferas políticas, e a esquerda brasileira não é uma exceção. Embora haja pontos de convergência, as particularidades da região, em destaque no que tange aos últimos acontecimentos que incluíram o Irã nos conflitos, demonstram uma série de discordâncias que moldam o posicionamento de diferentes setores da própria esquerda, em especial por meio da imprensa brasileira.
Historicamente, grande parte da esquerda brasileira uniu-se em torno da denúncia dos ataques de Israel e do apoio à causa palestina; em um consenso no reconhecimento da ocupação israelense como uma violação dos direitos humanos e do direito internacional, condenando a violência contra a população civil em Gaza e na Cisjordânia. Nesse contexto, a solidariedade com os palestinos, vistos como um povo oprimido, permanece um pilar essencial da esquerda, em oposição à visão mais favorável à Israel da direita brasileira.
No entanto, as divergências emergem quando há uma análise de aspectos mais específicos, como no papel do Hamas, por exemplo. No debate político, em especial, alguns setores o enxergam como um movimento de resistência legítima contra a ocupação israelense, outros o criticam veementemente por suas táticas, que incluem ataques a civis e a retórica religiosa. Essa dualidade, que busca estabelecer uma distinção entre resistência armada e terrorismo, é inclusive uma arma usada pela direita contra a esquerda.
Outra dualidade, aliás, está entre o uso da violência, por meio da resistência armada, como ferramenta de luta diante da ocupação militar e a busca por soluções pacíficas e diplomáticas, condenando qualquer forma de violência que seja voltada à civis, independentemente do lado.
Por fim, o debate sobre o sionismo é outro grande divisor. Para uma parcela dessa esquerda, o sionismo é intrinsecamente ligado ao colonialismo e ao racismo, devendo ser combatido em todas as suas manifestações. O outro lado, porém, distingue-o como um movimento político, dado pelo direito à existência do Estado de Israel, defendendo uma solução de “dois estados” ou outras formas de coexistência que reconheçam os direitos de ambos os povos.
Em relação ao Irã, abre-se outro ponto de dissidência. De um lado, o Irã é visto como um aliado geopolítico na resistência contra o imperialismo ocidental e na defesa da soberania dos países do Sul Global. Nesse contexto, sua clara oposição aos Estados Unidos da América e a Israel o posicionam como um contraponto regional às potências ocidentais, o que ressoa com a retórica anti-imperialista de parte da esquerda, advinda do mesmo contexto de resistência de povos oprimidos.
Por outro lado, uma parcela da esquerda brasileira adota uma postura crítica em relação ao Irã por seu regime teocrático e autoritário. As consequentes violações dos direitos humanos no país, especialmente contra mulheres, minorias étnicas e religiosas, e opositores políticos, são motivos de grande preocupação – ainda mais pensando em um contexto de conflito armado.
A ausência de liberdades civis e políticas, a repressão a protestos e a aplicação da pena de morte são elementos que entram em conflito com os princípios democráticos e de justiça social defendidos por grande parte da esquerda brasileira, fazendo com que essa dicotomia entre a solidariedade anti-imperialista e a defesa dos direitos humanos gere um impasse muito delicado.
Assim, veículos como Brasil de Fato, Carta Capital e Brasil 247 representam importantes plataformas para a discussão desses temas na esquerda brasileira, cada um com suas próprias abordagens.
O Brasil de Fato tende a ser mais incisivo na denúncia das ações de Israel e no apoio irrestrito à causa palestina, frequentemente publicando matérias que contextualizam o conflito sob uma ótica anti-imperialista e solidária aos povos oprimidos. Como visto em algumas reportagens do veículo, também há uma clara defesa do Presidente Lula. No âmbito dos editoriais e colunas de opinião, conteúdos como “Por que o Brasil mantém relações diplomáticas com Israel apesar do genocídio em Gaza?” e “Lula e a Guerra” é comum e clara a ênfase nas violações dos direitos humanos e o cerco à região.
Já a Carta Capital apresenta uma perspectiva mais diversificada, com artigos de diferentes colunistas que refletem a pluralidade de opiniões na esquerda. Embora haja um consenso na condenação dos ataques de Israel, as discussões sobre a atuação do Hamas e o sionismo podem apresentar diferentes abordagens, permitindo a expressão de visões que questionam aspectos da resistência armada.
Em “Lula diz que Israel tem de parar com ‘vitimismo’: ‘O que acontece em Gaza é um genocídio’”, como exemplo, há uma ênfase nessa condenação, citando de forma recorrente que a “atual campanha militar israelense matou mais de 54 mil palestinos, majoritariamente civis”. Sobre o Irã, observa-se a veiculação de críticas mais pontuais ao regime, principalmente em questões de direitos humanos, buscando um balanço entre a crítica ao imperialismo e a defesa das liberdades civis e da democracia. Como exemplos, “Como a guerra entre Irã e Israel sabota um Estado Palestino” e “Israel x Irã: risco de escalada é grande e a postura do Brasil é correta, diz Rubens Ricupero”.
O Brasil 247, por sua vez, muitas vezes adota uma linha mais assertiva na crítica a Israel e na defesa da Palestina, alinhando-se a uma vertente mais próxima da política externa brasileira de não-alinhamento e defesa da soberania dos povos. Aqui não há apenas uma defesa ao Governo Federal e ao Presidente Lula, mas há uma reprodução da mesma narrativa, dialogando-se em uma mesma vertente da esquerda brasileira.
A questão do Irã, nesse veículo, é frequentemente abordada sob a ótica da geopolítica e da resistência à hegemonia ocidental, com menos ênfase nas críticas internas ao regime. Exemplos são dados pelos seguintes conteúdos: “‘Governo Lula tem que romper relações com Israel’, afirma Genoino”, “Romper com Israel já!” e “Israel é um problema brasileiro: romper é resistir”.
Rachas à esquerda: o que pensam Maringoni, Altman, Batista Jr. e Jabbour
Além das dissidências na mídia progressista, o debate sobre o conflito Israel-Palestina e o posterior envolvimento do Irã expõe rachas profundos no campo da esquerda brasileira, que se manifestam tanto nas redes sociais quanto em entrevistas na imprensa.
Para ilustrar essas divisões, destacam-se as vozes de Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da UFABC; Breno Altman, jornalista e diretor do site Opera Mundi; Paulo Nogueira Batista Jr., economista e ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB); e Elias Jabbour, geógrafo e professor universitário – todos intelectuais e comentaristas que, por sua projeção pública, ajudam a mapear as principais correntes em disputa.
No perfil de Maringoni no X (antigo Twitter), encontramos postagens que sublinham sua (des)confiança na atuação institucional do Brasil e em mecanismos multilaterais. Em 22 de junho de 2025, ele saudou a “nota do Itamaraty condenando os EUA e Israel pelos ataques ao Irã”, indicando que o caminho passa pela diplomacia assertiva. Pouco antes, em 17 de junho, compartilhou a pesquisa do Pew Research Center evidenciando o desgaste internacional de Israel, reforçando a ideia de que a “base social” global pode pressionar por sanções. Além disso, suas publicações no Facebook trazem análises sobre o risco de normalização de um Estado que, em sua ótica, viola direitos humanos, como quando comentou o “ataque unilateral de Israel ao Irã”, ressaltando que “não se pode tolerar a repetição da besta-fera do nazismo”.
Em contraste, Breno Altman usa o X para reforçar a noção de resistência armada e o papel central do Irã. Em 13 de junho de 2025, afirmou categoricamente que o “Estado de Israel não tem direito de existir” — posicionamento que, segundo ele, não configuraria antissemitismo, mas sim oposição ao projeto colonialista sionista.
Em 5 de julho, compartilhou vídeo verificado pela Al Jazeera mostrando um “estupro coletivo de prisioneiro palestino” em Negev. Embora na postagem se limitasse a relatar o crime, em análises posteriores defendeu que episódios assim reforçam a necessidade de uma resposta militar coordenada. Em entrevista ao Brasil 247, afirmou que “a única maneira de deter Israel é com uma combinação de três fatores: resistência palestina, resposta militar de países como o Irã e o isolamento internacional de Israel”.
Essa divergência ganha contornos ainda mais claros nas entrevistas de ambos. Maringoni, em participação no canal “Farol Brasil” em 10 de junho, critica a diplomacia branda do governo (citando o vergonhoso papel do PT na criação do Dia da Amizade Brasil-Israel), chama a nota do Itamaraty de “primor de contorcionismo” e defende sanções econômicas e o rompimento das relações diplomáticas. Já Altman, em entrevista ao programa Bom Dia 247, defendeu que “todos os progressistas têm o dever de apoiar o Irã de forma incondicional” diante da ofensiva de Israel e dos EUA, sustentando que apenas a combinação entre a resistência palestina e os ataques coordenados do Irã pode conter o genocídio israelense.
Esse embate reflete, sobretudo, a tensão entre duas abordagens que, apesar das diferenças, convergem na crítica contundente à atuação de Israel e dos EUA como principais agentes de um projeto imperialista e expansionista no Oriente Médio. De um lado, o que podemos denominar de “ala combativa” defende que a resistência armada, inclusive por meio de alianças com o Irã e grupos militares regionais, é um instrumento legítimo e necessário para deter o avanço colonial e a opressão sistemática dos palestinos.
Nessa perspectiva, eventuais contradições e violações cometidas por esses aliados são relativizadas em nome do enfrentamento da dominação imperial. Do outro lado, a “ala humanitária” prioriza uma denúncia consistente das violações de direitos humanos praticadas por Israel e critica severamente a intervenção norte-americana, mas mantém reservas quanto ao apoio irrestrito a estratégias militares, por considerar que elas aprofundam o sofrimento civil e alimentam ciclos de violência que comprometem qualquer perspectiva de paz e autodeterminação.
À vista disso, a esquerda brasileira está dividida não apenas sobre as táticas, mas sobre como enfrentar a aliança entre Israel e EUA, que mantém um regime de apartheid e uma política de extermínio sistemático.
Em 21 de junho, Paulo Nogueira Batista Jr., economista e ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (o banco dos BRICS), teceu duras críticas à Israel em um vídeo curto compartilhado em seu canal do Youtube sobre a guerra no Oriente Médio. O economista afirma que “junto com os Estados Unidos, Israel é o país mais responsável por desestabilizar o mundo”, e ressalta que romper laços diplomáticos e econômicos com o país é essencial para cessar o genocídio.
Dias depois, em 24 de junho, voltou a se pronunciar e contou sobre uma conversa que teve com o Presidente Lula, em 2010, a respeito do Irã. Ele relembrou o episódio em que o Brasil, em parceria com a Turquia, quase conseguiu mediar um acordo nuclear entre os EUA e o Irã.
Segundo ele, o diálogo com ambas as partes resultou em uma proposta alinhada aos pontos destacados por uma carta enviada pelo então presidente norte-americano Barack Obama – proposta essa que chegou a ser anunciada oficialmente. No entanto, no dia seguinte, a ministra das Relações Exteriores Hillary Clinton desautorizou publicamente a iniciativa, e o acordo acabou sendo descartado de forma inesperada por Washington.
Para ele, o episódio evidencia três pontos centrais: a capacidade do Brasil de exercer um papel relevante no cenário internacional; o interesse do presidente Lula em assumir esse protagonismo; e, por fim, a falta de confiabilidade dos Estados Unidos como parceiro diplomático.
Essa crítica à confiabilidade da diplomacia norte-americana é retomada por Elias Jabbour, geógrafo e professor universitário, durante um debate na TV 247. Ao comentar o cessar-fogo anunciado por Donald Trump, Jabbour aponta a fragilidade do acordo, justamente devido à reputação dos Estados Unidos de descumprirem o que acordam. Para ele, o anúncio reflete a ansiedade do então presidente em pôr fim ao conflito, principal promessa de sua campanha, especialmente diante do impacto financeiro das guerras sobre o déficit público norte-americano.
Ambas as análises reforçam a percepção de que, embora o Brasil demonstre capacidade e disposição para atuar como mediador em conflitos internacionais, a postura inconsistente dos Estados Unidos representa um desafio significativo para a construção de acordos duradouros. A confiança, elemento fundamental nas relações diplomáticas, permanece como um entrave nas negociações globais, impactando diretamente a estabilidade e a resolução de crises.
Considerações finais
A partir do exame de veículos como Brasil de Fato, Carta Capital e Brasil 247, constata-se que a esquerda brasileira partilha um núcleo mínimo de consenso – denúncia da ocupação israelense, solidariedade ao povo palestino e defesa de cessar-fogo imediato –, mas se fragmenta em quatro eixos centrais.
O primeiro diz respeito à legitimidade do Hamas: enquanto alguns o veem como resistência armada contra um regime de apartheid, outros o classificam como grupo terrorista que, ao atacar civis, mina a própria causa palestina.
O segundo eixo envolve os instrumentos de pressão: a campanha BDD (de Boicote, Desinvestimento e Sanções) e a ruptura diplomática, defendidas por setores militantes, contrapõem-se à estratégia gradualista do Itamaraty, que busca preservar canais de mediação e interesses comerciais.
Em terceiro lugar, as leituras sobre o sionismo acentuam clivagens: para uns, é um projeto colonial estruturalmente racista; para outros, configura nacionalismo histórico compatível com uma solução de dois Estados ou com arranjos binacionais.
Por fim, a relação com o Irã divide o campo progressista: parte o considera aliado estratégico na contenção da hegemonia ocidental, enquanto outra destaca seu caráter teocrático e as recorrentes violações de direitos humanos.
Essas disputas revelam três tendências da esquerda contemporânea. Primeiro, uma fragmentação programática em que o anti-imperialismo de matriz terceiro-mundista convive, nem sempre pacificamente, com uma sensibilidade liberal-humanitária centrada em direitos civis. Segundo, uma tensão entre pragmatismo governista e militância: o presidente Lula privilegia a diplomacia multilateral, ao passo que movimentos sociais exigem gestos mais contundentes. Terceiro, a mediação das redes digitais intensifica tanto a pluralidade de vozes quanto a polarização, fomentando acusações de “humanitarismo seletivo” que corroem o capital moral do campo progressista.
Para que o debate avance, três frentes se impõem: recompor anti-imperialismo e direitos humanos como dimensões complementares, evitando silêncios sobre autoritarismos “aliados”; fortalecer instâncias de produção de conhecimento que reduzam a dependência de narrativas simplistas; e institucionalizar o dissenso em fóruns permanentes, capazes de transformar fissuras identitárias em sínteses operativas de política externa.
Em última instância, as controvérsias sobre o Oriente Médio funcionam como prisma dos dilemas estruturais da esquerda brasileira entre universalismo de direitos, impulsos anti-imperialistas e limites da realpolitik. A forma como tais tensões forem administradas condicionará a capacidade do campo progressista de oferecer ao país uma diplomacia simultaneamente coerente, eficaz e legitimada socialmente.
*Bruno Fabricio Alcebino da Silva é graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
Julia Lemos é graduanda em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
Julia Rodrigues Silva é graduanda em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
Laura do Espírito Santo Silva é graduanda em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
Lucca León Franco é graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
Luiza Rodrigues Oliveira é graduanda em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
Rebeca Borges Rodrigues de Camargo é graduanda em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).
Referências
AMORIM, Celso. Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva. São Paulo: Benvirá, 2015.
ANDERSON, Perry. A política externa norte-americana e seus teóricos. São Paulo: Boitempo, 2015.
GADDIS, John Lewis. Strategies of Containment: A Critical Appraisal of American National Security Policy during the Cold War. Oxford University Press, 2005.
HUMAN RIGHTS WATCH. Relatório Mundial. 2024. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/world-report/2024/country-chapters/iran.
ITAMARATY. Nova ofensiva israelense no Estado da Palestina. Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Nota à imprensa nº 211 – 21 de maio de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/nova-ofensiva-israelense-no-estado-da-palestina.
KISSINGER, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.
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