Diego Maradona

Dora Longo Bahia. Revoluções (projeto para calendário), 2016 Acrílica, caneta à base de água e aquarela sobre papel (12 peças) 23 x 30.5 cm cada
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Por ATILIO A. BORON*

Diego era puro povo, até as entranhas, e, como Fidel, o seu desejo de justiça, bem como a sua rejeição a todas as formas de opressão e exploração, eram insaciáveis

Exatamente no mesmo dia, mas quatro anos depois de Fidel Castro, Diego Armando Maradona deixou este mundo e como aquela pipa cósmica descoberta pelo locutor esportivo Víctor Hugo Morales, na Copa do Mundo do México, em 1986, Diego alçou voo para encontrar o seu amigo, conselheiro e protetor, para não dizer “quase um pai”, que é o modo pelo qual talvez seja mais correto afirmar.

Como explicar essa coincidência? Acaso, predestinação, magia, uma inescrutável trama astral? Quem poderia arriscar uma resposta? Quem estas linhas escreve se declara incompetente para decifrar esta insondável sintonia. Talvez possa apenas ousar a conjectura de que os ídolos se atraem mutuamente. Diego e Fidel fizeram isso enquanto estavam vivos, provavelmente esta mesma circunstância os tenha levado a partir no mesmo dia.

A admiração e o carinho recíprocos eram extraordinários. Diego mandou tatuar uma imagem de Fidel no corpo, na pele, naquele maravilhoso pé esquerdo que desenhava algumas das mais prodigiosas artes já vistas em um campo de futebol. Ele também carregava Fidel em seu coração e em sua mente.

Diego era puro povo, até as entranhas, e, como Fidel, o seu desejo de justiça, bem como a sua rejeição a todas as formas de opressão e exploração, eram insaciáveis. Por isso foi um homem que, em matéria política, nunca teve dúvidas e em toda conjuntura crítica sempre se colocou do lado correto das trincheiras.

Maradona nunca foi contaminado pelo ecletismo pós-moderno ou pelo culto do asséptico “nem-nem” de tantos intelectuais e políticos de uma suposta esquerda. Ele sabia muito bem por onde atravessava a linha entre opressores e oprimidos e tomava partido imediatamente, a favor dos espoliados.

Essa sabedoria popular, junto com seu agudo instinto de classe, o levaram a exercer uma defesa incondicional da Revolução Cubana, da Venezuela chavista, da Bolívia de Evo, do Equador de Correa e dos governos populares do Brasil, Uruguai e Argentina. Ciente de que as oligarquias dominantes internas e os seus senhores imperiais jamais o perdoariam por sua virtuosa irreverência.

O seu notável papel desempenhado na grande batalha dos povos de Nuestra América contra a ALCA em Mar del Plata, em novembro de 2005, teria sido suficiente para atribuir-lhe um lugar de destaque na história das lutas anti-imperialistas. Mas não foi só isso.

Anos depois, encontraríamos Diego na Colômbia, marchando com Piedad Córdoba em favor do malfadado processo de paz. Onde quer que uma luta contra o imperialismo fosse travada, Diego não demorava muito para se envolver. O seu compromisso com a causa da emancipação popular andava de mãos dadas com o seu repúdio aos ricos e poderosos que condenavam seus povos à miséria, à doença e à ignorância. Foi coerente até o fim.

Diego Armando Maradona foi encontrar o seu grande amigo; unir a força imperecível de seus testemunhos para continuar sendo fonte de inspiração na tarefa ainda inacabada de libertar os povos do domínio do imperialismo e de seus vassalos lambe-botas locais.

Diego foi-se, sim, mas os grandes ídolos populares gozam de uma virtude rara: continuam a perturbar o sono dos opressores porque, paradoxalmente, a sua morte os torna imortais. Tal como acontece com Fidel, Chávez, Che Guevara, Evita, Perón, Salvador Allende e Néstor Kirchner, a sua presença se fará ainda mais forte nas lutas que se avizinham pela construção de um novo mundo, uma vez extinta a pandemia.

*Atilio A. Boron é professor de ciência política na Universidade de Buenos Aires. Autor, entre outros livros, de A coruja de Minerva (Vozes).

Tradução: Roberto Bitencourt da Silva para o jornal GGN .

Publicado originalmente no jornal Pagina 12.

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