Por LEONARDO AVRITZER & ELIARA SANTANA*
A data foi sequestrada, mas o ‘imbrochável’ não surtiu efeito
O 7 de setembro deste ano, momento no qual o Brasil celebrou 200 anos de independência, foi completamente sequestrado pelo bolsonarismo e sua necessidade de mobilização eleitoral. Num dia que deveria ser festivo para o país, data nacional e não momento de campanha, o Brasil assistiu ao espetáculo grotesco de um presidente que, praticamente sozinho no palanque, ficou exaltando as virtudes de sua suposta virilidade. Ainda que esse tenha sido um momento patético da história nacional, é importante perceber outros movimentos, que foram desconsiderados pelos principais analistas, mas que apontam na direção da superação do bolsonarismo.
Em primeiro lugar, vamos destacar a evidente falta de apoio institucional a Bolsonaro: no palanque, no dia do evento, o presidente estava sozinho como protagonista daquele espetáculo questionável – ao seu lado, somente o vice-presidente, Hamilton Mourão, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e o empresário Luciano Hang, que é alvo de operação da Polícia Federal autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Nenhum representante dos outros Poderes da República estava ali – nem mesmo o aliado Arthur Lira, do Centrão, sinalizando um aprofundamento do isolamento institucional do presidente.
Vale recordar o que foi o evento do 7 de setembro de 2021, quando o presidente Jair Bolsonaro atacou fortemente os outros poderes da República, em especial o Judiciário, na figura do STF, demonstrando, naquele momento, boa capacidade de desestabilizar as relações entre os Poderes e a democracia brasileira. Uma comparação entre aquele momento com o atual 7 de setembro mostra as fraquezas do capitão na sua campanha pela reeleição e pela desestabilização da democracia no Brasil.
Em 2021, Jair Bolsonaro usou o evento como auge de sua disputa com o STF, em torno do direito de divulgar fake news e de desestabilizar as instituições. Naquele momento, Jair Bolsonaro, ao convocar caminhoneiros a Brasília, defender o fechamento do STF e desafiar o ministro Alexandre de Moraes, afirmou: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República”. Ou seja, ameaças reais ao STF foram feitas em 2021. Mas, neste ano, independentemente do fato de Jair Bolsonaro ter sequestrado as comemorações do 7 de setembro como ato de campanha, é importante considerar que os limites da capacidade do presidente de desestabilizar as instituições democráticas já ficaram bem mais claros.
A ação preventiva do STF contribuiu fortemente para impor esse limite: mesmo com a dimensão da mobilização já convocada pelos aliados bolsonaristas e pelo próprio presidente, o Supremo proibiu o acesso de caminhões à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Num claro embate e desrespeito ao STF, o presidente Jair Bolsonaro autorizou a entrada dos caminhões, mas foi imediatamente desautorizado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Assim, Jair Bolsonaro não teve condições de usar sua capacidade de mobilização para desafiar o STF e acabou desautorizado por outras autoridades, como foi o caso do governador do Distrito Federal.
Em terceiro lugar, e ainda mais importante, vale ressaltar que, em 2021, vários setores das polícias militares, em especial a PM de São Paulo, corriam o risco de aderir, por meio de seus comandantes, às manifestações bolsonaristas. O então governador João Doria acabou demitindo o comandante da PM no interior de São Paulo, Aleksander Lacerda, que convocava abertamente a adesão às manifestações e atacava o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Neste ano, não vislumbramos nenhum movimento nessa direção, e até mesmo as Forças Armadas dissuadiram o presidente em relação às suas intenções de militarizar as comemorações no Rio de Janeiro.
O ‘imbrochável’ não surtiu efeito
A série de monitoramentos feita pelo Observatório das Eleições durante toda a semana do 7 de Setembro – especialmente nos dias 6, 7 e 8 –, mostrou elementos importantes para confirmar essa incapacidade do bolsonarismo de desafiar as instituições nesta reta final de campanha em 2022. Ainda que mantenha um engajamento maior nas redes sociais, a demonstração de força por parte do bolsonarismo não se consolidou – no Facebook, por exemplo, os números de interações com publicações sobre a Independência foram menores em comparação com 2021, principalmente entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
A publicação no dia 7 com o discurso de Jair Bolsonaro alcançou apenas 1,5 milhão de visualizações – em 2021, a divulgação de um vídeo da página de Jair Bolsonaro com sua participação no desfile de Brasília rendeu mais de 8 milhões de visualizações; no Youtube, os vídeos mais visualizados foram aqueles com críticas ao comportamento e ao discurso do presidente.
Em termos de narrativas que surgiram e ganharam corpo após as comemorações do bicentenário da independência, tiveram destaque aquelas com tom crítico ao discurso do presidente – elas tiveram mais visualizações e engajamento; a questão do machismo surgiu com bastante força, e foi expressiva a presença de conteúdos negativos para a imagem de Jair Bolsonaro em escala nacional e internacional no Twitter. O engajamento dos usuários com tuítes se deu, essencialmente, com conteúdos publicados por opositores a Jair Bolsonaro, e além de menções negativas à postura presidencial, observou-se a utilização de tom humorístico e irônico nas publicações para abordar o assunto. Um dado importante: os tuítes com maior replicação (retuitados) no dia 7 foram de publicadores do jornalismo tradicional, ou seja, jornalistas, preferencialmente mulheres, e com tom crítico ao discurso do presidente.
A cena patética da demonstração pública de uma autoproclamada virilidade, quando o presidente da República puxa para si o coro de “imbrochável” não surtiu efeito nenhum na demonstração de força do presidente. Parece até que foi um tiro pela culatra que confirma a perda paulatina de vigor do bolsonarismo.
*Leonardo Avritzer é professor titular do departamento de Ciência Política da UFMG. Autor, entre outros livros, de Impasses da democracia no Brasil (Civilização Brasileira).
*Eliara Santana é jornalista, doutora em linguística e língua portuguesa pela PUC-Minas.
Publicado originalmente no Observatório das Eleições.
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