Por BENICIO VIERO SCHMIDT*
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No Brasil o destaque continua sendo a pandemia. Apavorados com a demanda por Centros de Internação Intensiva, os secretários dos estados e os governadores pressionam o Governo Federal para liberar os recursos destinados ao uso durante a pandemia que permanecem sendo represados, quase 80 bilhões de reais. Essa situação levou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) a conceder uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, na qual diz pateticamente que “precisamos parar esse cara”, referindo-se ao presidente Jair M. Bolsonaro. Este, em vez de atender às reivindicações dos secretários e governadores para a instalação de mais UTIs, faz provocações afirmando que os estados – e não o Governo Federal – são os responsáveis pela crise.
Em qualquer sistema político as demandas sociais têm de ser atendidas em alguma medida. Como o Governo Federal se nega a fazer essa intermediação, o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, convocou os governadores para uma reunião presencial e virtual, tratando oficialmente do orçamento de 2021, mas, na verdade, pressionando o governo para adotar medidas de caráter nacional. As decisões dos estados são particulares e falta uma coordenação entre estados, municípios e a União.
Enfim, um grande quiproquó que aponta para uma crise inesperada pela agudeza. Esperava-se com o correr do tempo um desgaste do governo federal, mas não tão rápido como tem sido agora por conta de suas respostas à pandemia.
Além disso, medidas recentes como a desoneração do gás e do combustível (este por alguns meses) exigem uma compensação de cerca de cinco bilhões de reais que o Governo Federal resolveu taxando as atividades financeiras, aumentando a alíquota da Contribuição Social sobre os Lucros Líquidos (CSLL) de 20% para 25% no caso dos bancos e de 15% para 20% para as seguradoras. Enfim, juntam-se as pressões do mercado financeiro com as de ordem política, ingredientes de uma crise grave sobre a Presidência da República.
No calor da disputa por recursos e na busca pela adoção de providências melhores contra o coronavírus, os deputados e senadores se debruçam também sobre o projeto ainda incipiente de reforma política. Como em todo ano pré-eleitoral no Brasil, o Congresso se movimenta para mexer nas regras do próximo pleito. É costume brasileiro e nada modifica esse hábito histórico. No caso, aventa-se a possibilidade da criação do “distritão”, fórmula na qual são eleitos apenas os candidato mais votados, independentemente da quantidade de votos obtida pelos partidos.
Isso debilita os partidos e as coligações partidárias, diminuindo a importância do voto proporcional. A ideia é mesmo enfraquecer os partidos, controlar a ingerência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na determinação da legislação e desmantelar o sistema de controle dos gastos dos candidatos às eleições proporcionais.
O quadro atual se deteriora muito mais rapidamente do que o esperado. Nesse cenário começam a se delinear os traços e perfis de candidaturas para a presidência em 2022. Ciro Gomes lança seu livro, mas não sinaliza – nas entrevistas e nas intervenções que faz – com metas alternativas que sejam exequíveis. O mesmo acontece com o PT, que publicou longo documento sobre possíveis mudanças diante do cenário a ser deixado pelo governo Bolsonaro, mas não se esforça em divulgá-lo com a intensidade necessária.
Enfim, o açodamento da crise do coronavírus, a pressão de governadores, de secretários de estados, de prefeitos, somada à anorexia dos pré-candidatos a presidente da República montam uma situação bastante curiosa e bastante tensa na atual conjuntura nacional.
*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).