Por BENICIO VIERO SCHMIDT*
Comentários sobre acontecimentos recentes.
A CPI da Covid continua seus trabalhos entrevistando pessoas que supostamente fazem parte do “gabinete paralelo”, setor responsável pelas principais determinações do Ministério da Saúde durante as últimas gestões. Os governistas querem que os fatos sejam os de ontem. Os opositores, que são maioria na CPI, querem que os fatos sejam os de ontem, os hoje e os de amanhã. No momento, a comissão procura esclarecer o funcionamento de duas estruturas – o Ministério da Saúde e o gabinete paralelo – e também os fatos relacionados à recomendação extraoficial de medicamentos indicados como tratamento precoce, remédios comprovadamente ineficientes e ineficazes.
Provavelmente esses depoimentos não levarão a indiciamentos dos interrogados, mas apenas a esclarecimentos que estão gradativamente impactando a opinião pública, como atestam as pesquisas que aferiram a audiência da CPI do Senado. Configura-se assim uma situação bastante difícil para o governo, que não está conseguindo contestar diariamente os trabalhos de uma comissão que tem se revelado séria, pertinaz e pertinente.
O secretário do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), o comandante do Exército ficou incumbido da tarefa de resolver o caso do general Eduardo Pazuello. Este, estando da ativa, não poderia ter participado da manifestação junto com o presidente Bolsonaro no Rio de Janeiro há poucos dias atrás. O general chefe do Exército endereçou uma advertência por escrito preliminar ao general Pazuello e está aguardando a sua contestação.
Só teremos o desenlace desse imbróglio daqui a algumas semanas. As punições vão de suspensão até eventual prisão, o que não se acredita que vá acontecer. De qualquer forma, já há mecanismos de amortecimento em marcha, que podem resultar numa admoestação ao general cujos termos sejam conhecidos somente pelos membros do Alto Comando das Forças Armadas. Mesmo assim, continua tensa a relação entre o presidente da República, o chefe do Exército e o comando geral das Foças Armadas.
A Procuradoria Geral da República solicitou ao STF o indiciamento do ministro do meio-ambiente Ricardo Salles por conta de ações que se tornaram públicas nos últimos dias. As principais foram a liberação geral das licenças de exportação de madeira, alterando o trajeto antigo, convencional e bem estabelecido por parte do Ibama para liberar esse material, e uma suposta conexão do escritório de advocacia de Salles e sua progenitora com o tráfico de madeiras contrabandeadas. Prevê-se a renúncia ou a demissão do ministro caso o governo se curve à pressão para retomar os mecanismos de controle do Ministério do Meio-ambiente, alvo novamente de um desprestígio muito grande, especialmente em termos internacionais.
Os protestos do dia 29 de maio mostraram que a oposição finalmente resolveu ir às ruas. Foram realizadas manifestações muito pertinentes contra o governo e a favor da vacinação em massa, em 213 cidades, incluindo todas as capitais do Brasil. O desgaste do governo – que contribuiu para encorpar as manifestações com centenas de milhares de pessoas – tende a se estabilizar. Chamou a atenção, nos atos, a presença maciça de jovens, nas capitais principalmente, indicando que a atual conjuntura mexe com os brios, com a vontade e a esperança de grande parte da juventude brasileira. Trata-se de um elemento a mais a certificar o acerto das manifestações.
O governo constituiu um grupo tarefa com membros do Ministério de Minas e Energia e do Ministério da Defesa para monitorar e propor ações tendo em vista indicações que apontam para uma provável crise hídrica nos próximos meses. A previsão de que o país enfrentará a maior seca das últimas décadas acende um alerta geral, em uma conjuntura marcada pela iniciativa do governo de privatizar a Eletrobrás. O encaminhamento desse processo, por meio de Medida Provisória, tem sido contestado, inclusive, por defensores do pensamento neoliberal, como é o caso de Elena Landau, economista conhecida por suas posições a favor da privatização total das empresas estatais brasileiras. Discorda-se do modelo de capitalização da Eletrobrás sem a mediação do Estado.
Um detalhe que chama a atenção na atual conjuntura é a grande evasão de cientistas das áreas de matemática e de ciências médicas. Isso coincide com o período em que o orçamento do CNPq, o órgão máximo do fomento à pesquisa no Brasil, é o menor em vinte anos. Eles estão se transferindo para os Estados Unidos e para a Europa no momento, justamente, em que são mais necessários para o país. Mais uma indicação de um regresso cultural e educacional.
O presidente da República autorizou a realização da Copa América de futebol masculino no Brasil, adotando uma decisão que provavelmente será judicializada. A CBF indicou que o torneio terá como sede os estados de Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro e o Distrito Federal.
*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).