A cena brasileira – XXVIII

Blanca Alaníz, serie Cuadrados, fotografía digital y fotomontaje a partir de la obra Sem título de Alfredo Volpi, Brasilia, 2016
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por BENÍCIO VIERO SCHMIDT*

Comentário sobre acontecimentos recentes

A PEC dos Precatórios sofre novas emendas, mudando a base de cálculo do “teto dos gastos”, em cerca de R$ 30 bilhões, para atender as despesas extraordinárias até dezembro de 2022 com o “Auxílio Brasil”. Montante que deve aumentar em R$ 3 bilhões, anunciado como auxílio especial a 750 mil caminhoneiros, por meio de subsídio de R$ 400,00 mensais ao diesel consumido.

Manobra esperada, dado o caráter estrito e também fictício do teto estabelecido ainda no governo de Michel Temer. O ministro da economia vem a público, ladeado pelo presidente da república, afirmando trivialidades como “abraço ao social” neste clima pesado de contradições entre as esferas político-partidárias (Centrão) e o estamento tecnoburocrático instalado no aparelho econômico da presidência.

Mesmo com a renúncia de quatro secretários, Paulo Guedes não desiste e faz jogo de cena para justificar invocações do presidente, diante das agruras de 20 milhões de desamparados que vão receber o auxílio. Visão estratégica de Bolsonaro, buscando aplacar as pressões da fome, do desemprego e da inflação que atingem os mais pobres; tendo em mira as eleições de 2022 e o favoritismo de Lula, como inventor do programa Bolsa Família.

O mercado financeiro, como sempre, reage pronta e negativamente aos apelos de favorecimento subsidiado aos mais pobres. Caem os indicadores, o real desvaloriza-se diante do dólar e o IBOVESPA desaba. Todavia, seus agentes sustentam, aparentemente, os malabarismos de Paulo Guedes e não param de acenar com criatividade na direção de uma “terceira via “eleitoral. Para isso, surge o oferecimento do mercado politico com a adesão de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, ao PSD de Kassab; também com o anúncio da filiação de Sergio Moro ao PODEMOS, ainda em novembro. Ambos visam claramente a disputa de 2022 pela presidência.

Nenhum dos dois pré-candidatos alude a qualquer problema estrutural do país, a não ser por meio de invocações abstratas sobre corrupção e governabilidade. Pacheco, ao menos como presidente do Senado, tem se manifestado um pouco mais agudamente frente a iniciativas legais do Executivo; sendo a sustação da decisão sobre o projeto de reformulação do imposto de renda o melhor exemplo. Uma forma oblíqua de estabelecer um campo para a disputa com Bolsonaro e Lula, ambos com claras definições de prioridades socioeconômicas.

São estas as aparentes novidades para a conjuntura eleitoral, devendo se agregar a decisão da disputa interna no PSDB (Virgílio, Doria e Leite); com o favorito governador do Rio Grande do Sul já se manifestando como eventual desistente diante de um nome mais forte na chamada terceira via. Ou seja, a candidatura tucana já nasce enfraquecida diante das circunstâncias.

Entendido o bolsonarismo como movimento, em vez de uma forma de governo, como vaticina Leonardo Avritzer em recente debate na ANPOCS, continua a regressão democrática no país. Após sancionar o corte de R$ 600 milhões na ciência e tecnologia, afetando sobremaneira a sobrevivência do CNPq, o governo falsifica a participação de entidades e agentes preservacionistas na elaboração do documento brasileiro à Conferência e Glasgow (COP-26). As entidades, citadas pelo governo brasileiro como colaboradoras da mensagem, alegam que não participaram de nenhuma forma de sua elaboração. Um escândalo!

A guerra cultural envolvendo o meio ambiente e a ciência e tecnologia é a mesma que atinge os indígenas brasileiros na sua luta pela preservação das terras originárias diante do avanço do garimpo e da grilagem. O mesmo já acontece na saúde pública com a retenção de verbas a ela destinadas e com a desmobilização do plano nacional de imunização.

São exemplos de alterações para pior na esfera pública e que serão obviamente exploradas pelas hostes bolsonaristas em 2022, como um avanço na privatização generalizada e na regressão de políticas públicas democratizadoras.

*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB e consultor da Empower Consult. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES