Por BRUNO MACHADO*
Diferente da esquerda, a direita não precisa de um líder social forte e habilidoso para avançar sua agenda e vencer batalhas políticas, basta um fantoche qualquer
A atual derrocada de Jair Bolsonaro e de ex-integrantes do seu governo pode ser entendida também como uma demonstração da pequenez do ex-presidente diante do tamanho da direita brasileira. Não devemos entender a direita como composta pelos partidos ou políticos de direita, mas pelas forças sociais concretas que a compõem.
É fato que, na prática, a direita sempre esteve no poder no Brasil, inclusive no governo de Dilma Rousseff. Ainda que os governos petistas tenham amenizado a pobreza no Brasil, sem atingir a desigualdade, as estruturas econômicas e sociais se mantiveram intactas. É evidente, entretanto, que tal realidade não é fruto da falta de vontade de mudar o país de Lula, Dilma ou da direção petista, a realidade é que as eleições dão a um governante um poder muito restrito.
A democracia burguesa, sem forte movimento sindical, greves e movimentos sociais que imponham pautas populares, jamais emancipou a classe trabalhadora de nenhuma região do planeta. O PT, como um partido ligado ao trabalho e originalmente opositor do capital, via no sindicalismo, nos movimentos sociais como o MST e na intelectualidade de esquerda as forças sociais capazes de mudar o Brasil. Entretanto, atualmente, o maior partido de massas do Brasil se limita a disputa eleitoral e parlamentar.
No Brasil contemporâneo, podemos sintetizar a direita como sendo composta basicamente pelo tripé: militares, latifundiários e banqueiros. Entendendo aqui latifundiários como o agronegócio no geral e banqueiros como grandes proprietários do mercado financeiro. No governo de Jair Bolsonaro a entrega da economia a Paulo Guedes, do meio ambiente ao Ricardo Salles e a múltiplos cargos ligados a segurança, defesa e inteligência a militares deixou essa tese evidente. Jair cumpria um papel de conquistar votos e entreter seus seguidores, enquanto qualquer decisão de importância era tomada pela direita real, ou seja, por banqueiros, latifundiários e militares, por meio de seus representantes no Executivo e Legislativo.
Independente do candidato ser Jair Bolsonaro, Aécio Neves, José Serra e qualquer outro, a direita do Brasil se mantém com os mesmos interesses e ideários de décadas atrás, e assim se manterá. Diferentemente da esquerda, a direita não precisa de um líder social forte e habilidoso para avançar sua agenda e vencer batalhas políticas, basta um fantoche qualquer. Por outro lado, a esquerda tem um jogo muito mais difícil de ser jogado e vencido. Já que enfrenta todo um sistema secular.
Por outro lado, pode-se sintetizar a esquerda no Brasil como o tripé composto por movimentos sociais, sindicatos e intelectuais. Vale lembrar que Lula em toda sua carreira política foi um representante do movimento sindical com forte apoio de movimentos sociais e grandes intelectuais das universidades. Entretanto, ao contrário de Jair Bolsonaro que entregou o Estado aos bancos, latifundiários e militares; Lula apenas de forma quase simbólica vem empoderando sindicatos, movimentos sociais e intelectuais em seu atual governo.
Apesar de muitas vezes fazer um discurso contra o capital, contra o imperialismo e de forte defesa dos trabalhadores e das minorias, na real política, Lula busca apenas uma administração e amenização do sofrimento do povo trabalhador do Brasil. É claro que tal atuação tem muito valor e faz diferença, porém, tem um teto de atuação baixo demais para o tamanho dos problemas sociais brasileiros.
Em entrevista, Lula disse que o MST não precisará invadir terras, pois seu governo fará reforma agrária. Ninguém nos movimentos sociais acredita em reforma agrária sem luta. Principalmente em um governo entregue ao dito centrão (que nada mais é do que um braço do agro e dos bancos). A defesa da volta do imposto sindical, apesar de fortalecer os sindicatos atuais, manterá o sindicalismo brasileiro na inércia que já estava e deve mantê-lo na ótica eleitoreira de costume.
Os grandes sindicatos brasileiros têm um histórico de lutas e conquistas sociais que não pode ser menosprezado. Porém, as limitações legais de constituição sindical e a baixa adesão dos trabalhadores do setor privado vêm agravando o enfraquecimento dos sindicatos brasileiros. Sem contar, evidentemente, com as mudanças no mundo do trabalho que vêm deixando os trabalhadores cada vez mais isolados e pulverizados
Dessa forma, podemos dizer que a direita brasileira, conceituada nesses termos expostos, manteve-se no poder mesmo tendo perdido as eleições em 2022. Fernando Haddad agrada mais aos bancos do que aos sindicatos, se tornando a cada dia mais parecido com Paulo Guedes. José Múcio no ministério da Defesa mantém os militares no espaço que já ocupavam. E a entrega do Estado ao “Centrão” (que de centro não tem nada) só fortalece ainda mais o agronegócio.
É importante valorizar a história de Lula como sindicalista e liderança política, não há dúvidas de que se tivesse o apoio do povo nas ruas, Lula faria um governo à esquerda, completamente diferente do atual. Entretanto, não há sequer tentativa do governo petista de buscar apoio popular e fortalecer sindicatos, movimentos sociais e ampliar vozes dos intelectuais brasileiros para realizar um governo com direcionamento socialista. A longa trajetória de Lula na política e todas as dificuldades que enfrentou parece ter feito o atual presidente desistir de lutar por um país mais justo e se contentar com a contenção da tragédia que é a realidade material do Brasil.
A estratégia política de Lula do século XXI é conquistar votos e eleger deputados para ter poder no Executivo e Legislativo para implementar paulatinamente mudanças estruturais no Brasil. O poder que está contido nos três poderes da República, no entanto, são provenientes não de uma formalização abstrata, mas dos poderes reais contidos no poder econômico dos bancos e do agro, do poder militar das Forças Armadas brasileiras e do poder político das massas (esse último o mais fragilizado no Brasil e o único com que a esquerda brasileira pode contar).
A chegada da esquerda ao poder no Brasil não depende da mente de Lula, nem de qualquer outro candidato, mas depende da força dos movimentos sociais, dos sindicatos e outras organizações dos trabalhadores e da capacidade dos intelectuais de atingir as massas. Da mesma maneira que Jair Bolsonaro representou a direita, Lula pode representar a esquerda. Contudo, sem a conquista do poder real, continuaremos ganhando, mas não levando.
*Bruno Machado é engenheiro.
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