A questão dos pequenos partidos

Dora Longo Bahia. Revoluções (projeto para calendário), 2016 Acrílica, caneta à base de água e aquarela sobre papel (12 peças), 23 x 30.5 cm cada
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FABIANO SANTOS*

Uma análise das causas da recente fragmentação partidária no Brasil

Um dos principais problemas da política brasileira diz respeito ao sistema partidário. Eleição após eleição, principalmente nas realizadas para a Câmara dos Deputados, os analistas vêm mostrando a ampliação da fragmentação. A explosão do número de partidos, em particular, acontece a partir de 2006-2010, revertendo uma tendência histórica – notada desde a transição da ditadura para a Nova República – de concentração das forças partidárias em torno de alguns clusters, de alguns agrupamentos políticos. A fragmentação aumentou de 2010 para 2014 e, de forma muito significativa, de 2014 para 2018.

Fragmentação é um nome técnico utilizado na ciência política para designar o grau de dispersão das forças políticas – o que pode sinalizar problemas de governabilidade, capacidade de organizar coalizões, consistência no processo decisório. Como se trata de um tema importante na ciência política, agora, na eleição local, existe muita curiosidade para saber, afinal de contas, qual é a origem dessa fragmentação, como ela está distribuída nas regiões, no país, em suma, se ela tem origem na vida política dos municípios.

As eleições municipais constituem assim um experimento significativo no exame da trajetória do sistema político brasileiro, nas análises sobre qual é o seu processo e como os partidos estão se organizando em torno disso. Gostaria de chamar a atenção para um aspecto importante para a investigação do problema da fragmentação que é a questão geográfica.

Alguns estudos elaborados mais recentemente mostram que a fragmentação tem muito a ver com os pequenos partidos. Se há muita fragmentação é porque os grandes partidos dispõem de pouca força hegemônica, o que acarreta uma dispersão grande para partidos médios e pequenos. Nessa linha de pesquisa existe uma preocupação destacada com os partidos de aluguel, os partidos nanicos, os partidos que são feitos de uma hora para outra e são desfeitos em uma velocidade muito grande, que só existem para momentos eleitorais e para negociações.

Quando se observa a geografia da fragmentação é possível notar um dado muito interessante. Os partidos de centro-direita – o PSDB, o DEM, o PMDB, o PP –, têm muita força no Brasil litoral, no Brasil tradicional, no Brasil da Colônia para a frente, no Brasil que se industrializou. E há muita fragmentação e partidos pequenos, nanicos, periféricos, nas demais regiões, ou seja, longe do Sul, do Sudeste e de uma determinada faixa do Nordeste, que é mais litorânea.

Quando se examina com lupa, quando se observa as eleições locais para as assembleias legislativas e depois para a Câmara dos Vereadores e para as prefeituras, nota-se uma grande fragmentação, a presença nas disputas locais de um grande número de partidos periféricos que não têm sequer representação na Câmara dos Deputados. Isso acontece especialmente, e com mais força, na região Centro-Oeste, na região Norte e num pedaço do Nordeste.

Assim cabe destacar duas coisas importantíssimas nas eleições locais. Como essas fragmentações se distribuem nas eleições para as prefeituras e para as Câmaras de Vereadores? Será que a distribuição geográfica é homogênea em todo o país? A minha desconfiança é que não. Nós vamos observar de novo os partidos periféricos, nanicos, sem expressão nacional tendo representatividade nessas regiões de fronteira, que são regiões relativamente recentes na geografia brasileira.

O outro aspecto a ser destacado é a distribuição ideológica dessa fragmentação. Temos que partir da seguinte hipótese: qual é a importância desses partidos – pouco expressivos do ponto de vista nacional – para o campo da direita política. Afinal, a mesma coisa não se reflete no campo da esquerda, que tem certa hegemonia do PT, tem o PSB, tem o PDT competindo, e agora o PSOL.

Temos assim duas hipóteses principais a respeito da fragmentação a serem examinadas na computação dos resultados das eleições locais. Primeiro, a sua distribuição geográfica, para verificar se há mais fragmentação, ou melhor, uma fragmentação induzida pela presença de mais partidos nanicos, nas regiões de fronteira. A segunda consiste em verificar se essa pulverização de partidos periféricos se deve à pouca capacidade dos partidos tradicionais de direita de penetrarem nessas regiões. Nesse caso trata-se de fenômeno atinente sobretudo à direita e aos seus vários formatos do que às outras forças do centro-esquerda e da esquerda.

*Fabiano Santos é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), onde coordena o Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON).

Texto estabelecido a partir de depoimento para o Observatório das Eleições 2020 do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC).

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Arquétipos e símbolos
Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO: Carl Jung combinou a literatura, a narração de histórias e a psicanálise para chegar às memórias inconscientes coletivas de certos arquétipos, promovendo a reconciliação das crenças com a ciência
Apelo à comunidade acadêmica da USP
Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: Carta para a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional – AUCANI
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Fundamentos da análise social
Por FABIO DE OLIVEIRA MALDONADO: Apresentação à edição brasileira do livro recém-lançado de Jaime Osorio
O martírio da universidade brasileira
Por EUGÊNIO BUCCI: A nossa universidade precisa se preparar e reforçar suas alianças com suas irmãs do norte. O espírito universitário, no mundo todo, só sobrevive e se expande quando sabe que é um só
A biblioteca de Ignacio de Loyola Brandão
Por CARLOS EDUARDO ARAÚJO: Um território de encantamento, um santuário do verbo, onde o tempo se dobra sobre si mesmo, permitindo que vozes de séculos distintos conversem como velhos amigos
A ampliação do Museu de Arte de São Paulo
Por ADALBERTO DA SILVA RETTO JR.: O vão livre do MASP será um espaço inclusivo ou excludente de alguma forma? A comunidade ainda poderá ali se manifestar? O famoso “vazio” continuará sendo livre, no mais amplo sentido do termo?
Ideologias mobilizadoras
Por PERRY ANDERSON: Hoje ainda estamos em uma situação onde uma única ideologia dominante governa a maior parte do mundo. Resistência e dissidência estão longe de mortas, mas continuam a carecer de articulação sistemática e intransigente
O fenômeno Donald Trump
Por DANIEL AARÃO REIS: Donald Trump 2 e seus propósitos “iliberais” devem ser denunciados com a maior ênfase. Se a política de potência se afirmar como princípio nas relações internacionais será funesto para o mundo e para o Brasil em particular
Minha infância nos porões da Bela Vista
Por FLORESTAN FERNANDES: “Eu morava lá na casa dele e queria sair de lá, eu dizia que passava mal, que comia mal, dormia mal e tudo ia mal, e ela não acreditava”
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES